A JMJ, apesar dos contratempos, sempre me proporciona um período longe das minhas preocupações quotidianas, além de me garantir uma boa dose de penitências pra me fazer deixar de ser frouxo. É tempo de parar para refletir.

Uma das coisas que mais me marcou nesta jornada foi a homilia que o Papa Francisco deu na missa de encerramento, onde ele enfatizou muito o "agora" de Deus. Esse agora, que "é a alegria do hoje, do concreto, do amor".

Quando ouvi o Santo Padre falando sobre esse "agora", e já que a missa era direcionada aos jovens (a mim), me surgiu uma outra definição de "agora" -- definição mais comum entre a juventude de hoje: o "viver a vida", o "curtir o momento". Me lembro de ter anotado uma frase que achei engraçada, mas verdadeira (infelizmente esqueci de anotar também o autor):

"Quando se fala em "viver a vida", em 99% dos casos quer-se dizer: contrair doenças venéreas, ter diarreia alcoólica e falir."

De onde eu já trago em seguida um outro trecho que guardei de uma das páginas que sigo:

"Olha um pouco para ti mesmo, e verás a que ponto estás aprisionado pelo desejo de dar prazer ao teu "eu," e somente a ele.

Tua liberdade está presa pelos laços estreitos do amor por ti mesmo; assim, és balançado ao acaso, como um cadáver inconsciente, da manhã à noite. "Agora, estou com vontade de beber," "agora, estou com vontade de sair," "agora, estou com vontade de ler o jornal." A cada instante, teus próprios desejos te conduzem como por meio de uma rédea; e, se algum obstáculo se coloca no caminho, imediatamente perdes a calma, sob o efeito da contrariedade, da impaciência ou da cólera. Se sondares as profundezas de tua consciência, descobrirás as mesmas coisas. O sentimento de desagrado que experimentas, quando alguém te contradiz, possibilita facilmente essa verificação. Vivemos, assim, como escravos. Mas "... onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2Cor 3:17)" -- "Caminho dos Ascetas" de Tito Colliander

É "a ficção da alegria" da qual o Papa fala: vivemos -- eu também -- tíbios, tristes, em um "agora" sem raízes, desprendidos de tudo e sem nenhuma perspectiva, como "cadáveres inconscientes", como a semente que caiu entre as pedras. Não é à toa que a depressão é a doença que mais cresce entre os jovens, e também não é à toa que o Papa Francisco deu tanta ênfase às raízes que os jovens precisam para se desenvolver apropriadamente: o estudo, o trabalho, a família e a comunidade. Se vivermos o "agora" sem ter como base essas raízes, e portanto sem ter alguma perspectiva de futuro, então vivemos como animaizinhos, autômatos programados para aproveitar o momento, arrastados pelos ventos dos instintos. Se surge uma boa vontade, é infrutífera e apenas passageira, como qualquer outro sentimento que temos.

É claro que viver o momento é importante -- aquele clichê de que o passado já está pra trás e que o futuro ainda não existe -- mas acredito que há uma forma correta de enxergar tudo isso:

"Portanto, se tu também caminhas, se estás em tensão e prestas atenção ao que está por vir, esquece então o que fica para trás. Não olhe para trás, para não ancorar-te no lugar onde puseste teus olhos, lembra-te da mulher de Ló... Ao mesmo tempo que somos perfeitos, somos imperfeitos. Perfeitos em nossa condição de caminhantes, imperfeitos porque ainda não chegamos à meta... Somos caminhantes. Ainda assim, perguntas: O que significa caminhar? Em poucas palavras, significa avançar. Mas pode ser que, ainda entendendo tudo isso, comeces a andar mais devagar. Avançai, meus irmãos, examinai-vos honestamente mais uma vez. Ponde-vos à prova. Não estejais contentes com o que sois se quiseres chegar ao que ainda não sois. Se dizes "chega!", então estás acabado. Então acrescenta sempre algo mais, avança sem parar, progride sempre." (Citação de Santo Agostinho retirada da última parte do livro de orações da JMJ de 2019)

Vivemos em uma tensão (entre o que somos e o que queríamos/deveríamos ser), e é dessa tensão que surge a energia nos leva para frente. Mas se vivemos sem raízes, apenas a passar pelos momentos sem saber para que se vive, então não há tensão, e portanto não há caminho, pois não existe para onde avançar.

Presta atenção ao que está por vir. Avance, caminhe. Hoje, agora. Na sua casa, no seu trabalho, na sua comunidade, apoiado por seus estudos, em raízes firmes, sem medo das inseguranças.

É simples para nós tomar decisões "loucas", "de momento", "Vamos? Vamos!", impulsionados por uma força de vontade tão breve quanto o sentimento que a acompanha. Fracassamos quando temos que decidir firmemente, quando temos que decidir "agora". Santo Agostinho diz que para Deus "tudo é um eterno presente", de modo que tomar uma decisão "agora" é renová-la a cada instante. Mas para entrar nesse "agora" de Deus, é necessária a ajuda da graça divina: "Eis que faço novas todas as coisas".

Para mim, que ultimamente não tenho tido vontade de nada, que me considero alguém sem caminho nenhum, que sou esse cadáver inconsciente, uma maquininha seguindo rotinas programadas, as palavras do Papa Francisco vieram como um soco na boca do estômago.

E me engano quando me desespero ao pensar que não tenho caminho certo, achando que o caminho é só um, ou que existe somente alguns caminhos bem montados e bem definidos para se chegar a Cristo. Bento XVI disse uma vez que que "Há tantos caminhos para Deus quanto há pessoas, porque cada pessoa tem seu próprio caminho", enquanto o Papa Francisco completa dizendo que Deus não espera por situações oportunas para agir na nossa história. Preciso urgentemente entender que, no fim, Jesus é o Caminho, e que o "caminho se faz ao andar". O projeto pra depois desta JMJ é tomar uma decisão firme e renová-la todos os dias, apesar dos sentimentos. Planejar o que der e confiar o resto à providência divina, seguir o meu caminho e O Caminho.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.

(Antonio Machado)