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GT Alimente O Porco

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Sep 3rd, 2017
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  1. >alimente O Porco
  2. >abri meus olhos devagar
  3. >minha cabeça parecia flutuar
  4. >e uma dor maçante cercava minha garganta
  5. >sentia sede
  6. >isso foi a primeira coisa que notei
  7. >umedeci meus lábios secos enquanto os meus arredores desvaneciam de foco
  8. >meu corpo doía e percebi que estava amarrado firmemente
  9. >a uma cadeira de metal no meio de um quarto vazio
  10. >a paredes de concreto estavam manchadas e sujas
  11. >debaixo dos meus pés descalços estava molhado e frio
  12. >havia uma única lâmpada
  13. >balançando do teto por uma corda
  14. >projetava uma sombra em movimento
  15. >uma porta aberta está diante de mim
  16. >mas não conseguia ver nada além de uma parede de um corredor
  17. >tentei clarear minha mente
  18. >tentei lembrar como havia chegado ali
  19. >fechei meus olhos com força
  20. >e me forcei a não entrar em pânico
  21. >diminuí a velocidade da minha respiração
  22. >e foquei em meus pensamentos
  23. >tentando me forçar a lembrar o motivo para eu estar ali
  24. >eu não lembrava de nada
  25. >abri meus olhos e soltei o ar
  26. >minha garganta latejante ressecada
  27. >podia ouvir sons ecoando pelas paredes de fora do corredor
  28. >gritos, batidas, urros
  29. >todos muito distantes
  30. >mas isso não ajudou a acalmar meus nervos
  31. >"Olá?!"
  32. >falei alto, as palavras parecendo romper minhas cordas vocais
  33. >senti meu peito se contrair pela dor
  34. >mas pigarreei e gritei de novo
  35. >"Tem alguém aí?! Olá?!"
  36. >o corredor escuro continuou silencioso exceto pelos ecos constantes
  37. >calei a boca e tentei me desvencilhar de minhas amarras
  38. >mas a corda estava amarrada de um jeito impossivelmente apertado
  39. >lutei contra minha imaginação que enchia minha mente de cenários horripilantes do que me esperava
  40. >se eu conseguisse lembrar pelo menos de alguma coisinha!
  41. >de repente, passos surgiram da porta
  42. >em um padrão rápido de pés pequenos
  43. >minhas esperanças se renovaram
  44. >e voltei minha atenção para a porta
  45. >rezando que fosse ajuda
  46. >um menino correu para dentro da sala
  47. >usando um onesie vermelho, dos tipos que vem com meias acopladas
  48. >sobre seu rosto estava uma máscara de plástico de Diabo
  49. >os buracos dos olhos revelavam duas bolotas azuis enormes
  50. >olhos que me olhavam com curiosidade
  51. >meio atordoado
  52. >abri a boca para falar algo
  53. >quando notei que algo estava estranho
  54. >seus olhos eram enormes
  55. >impossivelmente redondos e esbugalhados
  56. >fez com que um arrepio agoniante descesse por minha espinha
  57. >mas deixei de lado
  58. >a criança poderia me libertar
  59. >"Ei!" Cochichei, urgentemente
  60. >"Ei menino, você pode me tirar daqui?!"
  61. >o garoto deu um passo para frente
  62. >virando a cabeça de lado
  63. >mas ainda em silêncio
  64. >sacudi meus braços amarrados contra a cadeira
  65. >"Me solte, por favor, eu não devia estar aqui, alguém cometeu algum erro!"
  66. >o garoto me observou por de trás da máscara
  67. >parou bem na minha frente
  68. >se inclinou para frente
  69. >sussurrando, sua voz como seda molhada
  70. >"Você fez uma coisa ruim..."
  71. >confuso, sacudi a cabeça
  72. >" Não! Não, isso é um erro! Eu não fiz nada!"
  73. >os enormes olhos azuis se encheram de tristeza
  74. >"Ah, você fez sim, algo muito, muito ruim..."
  75. >sacudi novamente a cabeça, mais violentamente,
  76. >"Não! Me perdoe! Eu não lembro, por favor, me deixe sair dessa cadeira!"
  77. >subitamente, antes que eu ou ele pudéssemos falar qualquer coisa
  78. >um homem veio correndo para a sala
  79. >era gordo e vestia um macacão
  80. >seu rosto enrugado revirado em raiva acumulada
  81. >em seus braços segurava uma espingarda de cano curto
  82. >"Não fiz nada!"
  83. >chorei enquanto ele avançava em nossa direção
  84. >minha voz oscilando
  85. >"Eu não devia estar aqui!"
  86. >o gigante me ignorou
  87. >agarrou a criança
  88. >colocou-o-o contra a parede
  89. >o menino grunhiu quando suas costas bateram no concreto
  90. >e seus olhos se levantaram para encontrar o homem grisalho
  91. >sem dizer uma palavra
  92. >o homem ergueu a espingarda
  93. >colocou contra a testa do garoto e estourou-lhe os miolos
  94. >pedaços de cérebro respingaram nas paredes
  95. >com um choque que me socou no estomago
  96. >como uma soqueira de ferro
  97. >havia um zumbido em meus ouvidos
  98. >e o tempo parecia ter parado enquanto eu assistia o corpo sem cabeça sucumbir ao chão
  99. >o ar voltou para os meus pulmões e o tempo pareceu voltar
  100. >"JESUS CRISTO DO CÉU!"
  101. >gritei, lutando contra as amarras
  102. >meus olhos quase caindo do rosto de tanto pavor
  103. >"QUE PORRA É ESSA?!"
  104. >o homem ignorou meus gritos enquanto se curvava para recolher o corpo
  105. >jogou o cadáver dilacerado sobre os ombros e saiu pela porta
  106. >logo, o corredor irrompeu em risadas maliciosas
  107. >um coro de vozes ululando em alegria
  108. >fechei meus olhos
  109. >um som era ensurdecedor
  110. >que preenchia meus poros com terror
  111. >minutos depois
  112. >a risada se dissipou e cautelosamente abri meus olhos
  113. >sem acreditar no que acabara de presenciar
  114. >"Olá."
  115. >dei um pulo quando percebi que outro homem estava diante de mim
  116. >ele vestia uma camiseta branca de botão simples e uma calça jeans
  117. >seus cabelos castanhos estavam cortados bem curtos
  118. >e parecia ter uns trinta e poucos anos
  119. >seus olhos verdes eram vazios e sem vida
  120. >seus lábios grossos repuxados para baixo nos cantos
  121. >"O que está acontecendo? Onde estou?!"
  122. >chorei, o medo queimante se acumulando em meu estômago
  123. >o homem cruzou os braços
  124. >"Então você é o novato, uh?"
  125. >balançou a cabeça negação
  126. >"O seu tipo me enoja."
  127. >haviam perguntas na ponta da minha língua
  128. >mas ele balançou os braços
  129. >mandando eu ficar calado
  130. >ele passou a língua pelos dentes superiores
  131. >"Parece que você já viu alguns dos horrores que se abrigam nesse lugar, né?”
  132. >“É, posso perceber pelo seu olhar. Está aterrorizado. Já viu algo, não é mesmo?”
  133. >“O passado não parece tão ruim agora, né?”
  134. >“Você está aqui só a cinco minutos e já está cagando nas calças."
  135. >"Onde estou?"
  136. >arfei, sem conseguir mais ficar calado
  137. >"O que vocês querem comigo?"
  138. >o homem segurou as mãos atrás das costas
  139. >"Aposto que você está querendo sair daqui, não quer? Aposto que você quer voltar para casa, para a sua família, tudo."
  140. >"Por favor," eu o interrompi
  141. >"Seja lá o que eu tenha feito para você... eu sinto muito, de verdade, mas eu não lembro!"
  142. >o homem revirou os olhos
  143. >"Você não fez nada para mim. Fez para você mesmo. Realmente não se lembra de nada?"
  144. >balancei a cabeça negativamente
  145. >e senti lágrimas nos meus olhos, medo líquido.
  146. >ele me olhou com desprezo
  147. >"Você esperou que sua mulher saísse para o trabalho e então foi para o galpão e se enforcou”
  148. >a memória surgiu como um monstro de um pântano
  149. >“Você está morto."
  150. >não importava o quanto eu quisesse negar...
  151. >ele estava certo
  152. >eu tinha me matado
  153. >o fato passou pelo meu cérebro como um trem-bala e me deixou pensativo
  154. >"Meu nome é Danny, a propósito", falou, ignorando minha cara chocada
  155. >"E eu sou o número dois aqui. Eu tomo conta do processo de orientação”
  156. >“Quero que seja rápido porque estou de saco cheiro de ter que repetir isso para vocês, suicidas patéticos”
  157. >“Você tem direito a uma pergunta antes de eu começar."
  158. >ele me olhou de cima a baixo e eu tentei organizar meus pensamentos embaralhados em algo coeso
  159. >era tudo aterrorizante
  160. >por que eu havia me matado?
  161. >lutei contra o pânico
  162. >e lentamente a névoa da confusão foi se dissipando.
  163. >eu havia acabado de perder meu emprego
  164. >sim... esse foi o começo
  165. >apertei meus olhos e forcei que outras memórias surgissem
  166. >eu tinha acabado de perder meu emprego
  167. >e estava prestes a perder a casa
  168. >minha esposa... Tess...
  169. >descobriu o que estava acontecendo e ia me deixar
  170. >eu não tinha para onde fugir
  171. >não tinha outra opção
  172. >a demissão veio do nada
  173. >e não tinha economias guardadas
  174. >estava falido
  175. >logo me tornaria um sem teto
  176. >e minha esposa me odiava por isso
  177. >mas havia outra coisa...
  178. >sim... é tinha mesmo
  179. >ela estava me traindo
  180. >eu havia lido algumas mensagens em seu celular
  181. >enquanto ela dormia a noite e confirmei minhas suspeitas
  182. >minha vida tinha se transformado em merda
  183. >e não havia mais opções para mim
  184. >humilhado e envergonhado
  185. >decidi que a morte era minha única saída
  186. >“Ei, seu fodido, você tem uma pergunta ou não?"
  187. >Danny falou, estalando os dedos na minha cara
  188. >voltei a realidade e perguntei a única coisa que importava
  189. >"Aqui é o Inferno?"
  190. >Danny bufou
  191. >"Sempre a mesma pergunta."
  192. >ele começou a andar para lá e para cá na minha frente
  193. >"Não, aqui não é o inferno
  194. >também não é o céu
  195. >aqui é a Fazenda Negra
  196. >e não, não fui eu que nomeei assim
  197. >aqui é onde Deus manda as almas que tiraram sua própria vida
  198. >suicidas
  199. >entenda, ele não sabe muito bem o que fazer com vocês
  200. >e bem... nem o Satã sabe
  201. >existem pessoas que são genuinamente boas que se matam
  202. >parece cruel mandá-las para o Inferno por toda eternidade por um momento de fraqueza, sabe?
  203. >pessoalmente, só acho que Deus e Satã estavam cansados de discutir sobre isso
  204. >então, bem, eles mandam vocês para cá, para a Fazenda Negra."
  205. >"Foi... foi Deus que criou esse lugar?"
  206. >perguntei, ficando cada vez mais confuso
  207. >Danny cuspiu no chão, rindo
  208. >"Claro, em algum momento. Mas ele perdeu o controle quando colocou O Porco no controle."
  209. >"O que é O Porco?"
  210. >perguntei, mas em dúvida se queria mesmo saber a resposta
  211. >Danny levantou uma mão, irritado
  212. >"Porra, posso terminar de falar?! >Deus criou esse lugar colocou o Porco no comando
  213. >e então esqueceu daqui por um tempo.
  214. >bem, quando virou as costas
  215. >o Porco decidiu usar seus novos poderes para tentar criar seu próprio mundinho
  216. >essa bagunça que você está vendo à sua volta
  217. >é as sobras fraturadas deste experimento
  218. >a Fazenda Negra era bem legal antes
  219. >mas O Porco queria que as coisas fossem diferentes
  220. >queria criar sua própria visão
  221. >esses seres que você vê, esses monstros?
  222. >são tentativas do Porco de criar vida funcional
  223. >ao invés de replicar a terra de Deus
  224. >essas criações mutantes
  225. >e horríveis são cheias de pecado e ódio
  226. >estão desenfreados aqui, inabaláveis
  227. >esse lugar é um caos
  228. >a Fazenda Negra é um circo de aberrações e monstros
  229. >e é a sua eternidade."
  230. >medo fervilhou em meu estômago como óleo quente
  231. >não. Não, isso não podia ser meu fim
  232. >eu não acreditava em coisas daquele tipo
  233. >não é real! Logo eu acordaria
  234. >e percebera que foi apenas um pesadelo
  235. >tem que ser!
  236. >Danny se pôs na minha frente
  237. >e me deu tapinhas gentis no rosto
  238. >"Ei, ei! Não entre em histeria ainda. Não terminei aqui."
  239. >levantei meus olhos marejados para encontrar com os dele
  240. >Danny sorriu
  241. >"Você sempre pode alimentar O Porco."
  242. >minha respiração parecia queimar meus pulmões
  243. >"O-o que você que-quer dizer com isso?"
  244. >Danny abriu os braços, ainda sorrindo
  245. >"É simples assim. Alimente O Porco. Se você alimentar, há uma chance dele te mandar de volta a vida."
  246. >"E o-o que acon-acontece se ele nã-não mandar?", gaguejei
  247. >"Você será mandando para o Inferno
  248. >então jogue a moeda, se tiver uma
  249. >fique aqui conosco ou alimente O Porco
  250. >se escolher ficar... te deixo ir para lá,"
  251. >apontou para a porta
  252. >"Mas te asseguro... o que te espera no fim do corredor... bem... vamos dizer que o inferno não é tão pior que isso."
  253. >engoli seco, tentando dar o meu melhor para digerir tudo aquilo
  254. >porque eu não tentaria alimentar O Porco?
  255. >seja lá o que isso signifique
  256. >se ainda existia um resquício de esperança, eu o faria
  257. >uma eternidade nesse lugar
  258. >na Fazenda Negra, no inferno ou...
  259. >alimentar O Porco?
  260. >eu faria qualquer coisa para voltar
  261. >esse pesadelo fazia meus problemas parecer nada
  262. >Danny levantou a mão antes que eu pudesse falar
  263. >"Vou deixá-lo pensando um pouco. Volto mais tarde."
  264. >"Eu quero alimentar O Porco!" Gritei
  265. >sem querer passar mais nenhum segundo naquela sala
  266. >pude ouvir uma mulher gritando no fim do corredor
  267. >seu choro aumentando enquanto algo carnudo batia contra ela
  268. >meu respirar dava pontadas agudas em meus pulmões
  269. >e minha garganta ardia
  270. >Danny notou o som e sorriu abertamente
  271. >"Que som horroroso, né?"
  272. >falou suavemente enquanto a voz da mulher partia-se em agonia
  273. >algo ainda estava batendo contra ela
  274. >o som da carne espancada fazendo minha imaginação se inundar com pesadelos
  275. >"Por favor," arfei
  276. >" Só... só meu deixe alimentar O Porco. Não quero ficar mais nem um segundo aqui."
  277. >Danny se virou e foi andando
  278. >"Vou voltar mais tarde. Aproveite o seu tempo sozinho. Pense com carinho na sua situação. Pese suas opções. E lembre-se.... foi você que se pôs aqui."
  279. >e com isso, foi embora, me deixando no quarto mal iluminado.
  280. >as lágrimas rolavam por meu rosto
  281. >a mulher continuou a gritar por horas
  282. >em algum ponto, eu caí em um semissono
  283. >a escuridão da sala parecia me pressionar
  284. >e meus olhos se fecharam
  285. >meu corpo doía e minha garganta era um círculo de fogo
  286. >a sede se instalara na minha garganta como um caco de vidro
  287. >meus lábios pareciam papel amassado
  288. >em minha cabeça, estouros de trovões
  289. >o quarto saia e entrava em foco
  290. >minha mente vagava pelos sons horripilantes que nunca cessavam
  291. >estava perdido em um nevoeiro
  292. >sem perceber que algo estava deslizando para dentro da sala
  293. >até que senti uma fincada forte no meu dedão
  294. >saí de meu torpor enquanto meu pé descalço pulsava em dor
  295. >gritei e tentei me mexer
  296. >mas minhas amarras eram firmes
  297. >o foco da minha visão voltou
  298. >pisquei em agonia enquanto sentia o sangue escorrer por entre meus dedos
  299. >olhei para baixo para ver a fonte de minha dor
  300. >senti um grito se formando na minha garganta
  301. >olhando lá debaixo para mim
  302. >estava um homem sem braços
  303. >ele se arrastava pelo chão como um verme
  304. >sua cabeça careca cheia de cicatrizes e sujeira
  305. >suas pernas estavam presas bem juntas por arame farpado
  306. >forçando-o a se remexer pelo chão para se mover
  307. >seus olhos não tinham pálpebras e estavam bem arregalados
  308. >suas bolas brancas avermelhadas que me fitavam famintas
  309. >seus dentes tinham sido removidos
  310. >substituídos por grandes parafusos que saiam de suas gengivas como uma formação rochosa irregular
  311. >em volta de seu pescoço estava uma coleira de corrente
  312. >a qual segui com os olhos pelo chão até a porta aberta
  313. >a ponta da coleira estava sendo segurada por um homem alto e nu
  314. >não tinha pelos e era flácido
  315. >coberto em cicatrizes similares de seu animalzinho de estimação
  316. >uma sacola suja tinha sido colocada sobre sua cabeça
  317. >não pude ver muito de seu rosto
  318. >a não ser pelo olho vermelho que espiava pelo único furo da sacola
  319. >ele me olhou e agarrou seu pênis inchado
  320. >sua respiração pesada
  321. >enquanto o homem sem braços se remexia até mim de novo
  322. >seu dono começou a se masturbar
  323. >eu gritei quanto a boca cheia de parafusos me mordeu de novo
  324. >mas meus berros pareciam estimular ainda mais o homem nu
  325. >"Sai de mim! Pare!" Gritei, horrorizado
  326. >tentei chutar o homem, dando meu melhor para evitar os metais afiados
  327. >dei com o calcanhar no topo da cabeça
  328. >ele gritou quando sua cabeça bateu contra o chão
  329. >um gemido de prazer escapou da boca do homem da sacola
  330. >me virei enquanto uma névoa preta pulverizava o chão
  331. >houve um remexer de correntes
  332. >e me virei novamente para vê-los indo embora
  333. >o homem sem braços sendo arrastado pelo pescoço
  334. >olhei para onde o homem nu havia ejaculado
  335. >e vi uma poça de formigas mortas
  336. >vomitei em mim mesmo
  337. >uma mistura de bile e outros fluídos
  338. >"EU QUERO SAIR DAQUI!" Gritei,
  339. >vomito escorrendo pelo meu queixo
  340. >"EU NÃO PERTENÇO A ESSE LUGAR!"
  341. >ouvi os dois homens irem embora pelo corredor
  342. >o som das correntes acompanhados pelo da carne sendo arrastada pelo concreto
  343. >gritei de novo, mas sabia que ninguém ia me ajudar
  344. >cuspi uma mistura de catarro com bile no chão
  345. >livrando minha boca do azedume
  346. >a força, tentei me acalmar
  347. >não foi fácil
  348. >depois de um tempo
  349. >ouvi outra pessoa se aproximando
  350. >eu estava em um período de calmaria miserável
  351. >minha mente era uma tela branca em um mar negro
  352. >mas o barulho me retirou do transe
  353. >os músculos dos meus braços queimavam por estar amarrados por tanto tempo
  354. >e eu o estimulava desesperadamente
  355. >tentando me preparar ao máximo para o próximo horror que entraria por aquela porta
  356. >os passos se aproximavam e então uma mulher entrou na sala
  357. >ela parou na porta e olhou para mim
  358. >ela não tinha um olho
  359. >era apenas um buraco cavernoso em seu crânio
  360. >seu cabelo era bagunçado e selvagem
  361. >um emaranhado marrom como um ninho esquecido
  362. >sua pele era pálida e suja
  363. >estava vestida em farrapos
  364. >não consegui descobrir sua idade
  365. >mas havia maturidade no olho que sobrara
  366. >“Ainda pensando? ”
  367. >me perguntou, com sua voz quebradiça e amaldiçoada
  368. >“Que? ”
  369. >ela deu um passo em minha direção
  370. >“Você ainda está se decidindo se vai alimentar O Porco ou não? ”
  371. >olhei cautelosamente para ela
  372. >“É.... estou. Quem é você? O que você quer?”
  373. >“Uma vez estive na sua posição
  374. >tentando decidir meu destino
  375. >mal podia acreditar que isso tudo estava acontecendo...
  376. >que é isso que acontece depois que morremos
  377. >não foi assim que eu aprendi...
  378. >a religião não me avisou sobre esse lugar. ”
  379. >tentei me soltar mais uma vez antes de perguntar
  380. >“Você também se matou? Você é uma pessoa como eu? Não é uma daquelas... criações? ”
  381. >ela riu
  382. >“Quebra meu coração saber que você tem ainda que perguntar ”
  383. >ela tocou o buraco que um dia fora seu olho
  384. >“Mas entendo sua cautela
  385. >sim, sou uma suicida
  386. >estou aqui a muito, muito tempo
  387. >mas essa foi uma escolha minha
  388. >decidi que preferia ficar aqui. ”
  389. >gesticulei com a cabeça em direção da porta
  390. >“O que tem lá fora? O que é esse lugar? ”
  391. >ela suspirou longamente e se apoiou na porta
  392. >“Mal consigo descrever esse lugar
  393. >não existe nada igual, nada que você já tenha vivenciado
  394. >você sai do corredor e vai para... lá para.... e...”
  395. >ela engoliu a seco
  396. >“Você tem que ver para entender. ”
  397. >“É muito ruim? Porque essas pessoas mutantes estão machucando e matando uns aos outros? ”
  398. >perguntei
  399. >ela deixou a cabeça encostar na parede
  400. >“Levariam anos para você entender completamente esse lugar
  401. >anos que você não tem
  402. >agora você tem que fazer uma decisão
  403. >fique ou Alimente O Porco
  404. >eles dizem que o inferno é pior que aqui
  405. >mas não pode ser tão pior
  406. >monstros e Suicidas rodeiam a Fazenda Negra...
  407. >matando,
  408. >estuprando,
  409. >brutalizando...
  410. >e então você acorda se perguntando quanto tempo consegue sobreviver até que alguém te mate
  411. >é um ciclo infinito. ”
  412. >disse a mulher
  413. >“Então por que você ficou? ” pressionei-a
  414. >“Por que não alimentou O Porco? Eu nem sei o que isso significa
  415. >mas faria qualquer coisa por uma chance de voltar
  416. >não poso ficar aqui... simplesmente não posso! ”
  417. >ela sorriu tristemente para mim
  418. >“Por que? Por que escolhi isso? É bem simples, na verdade
  419. >sou covarde
  420. >eu era covarde em vida e sou covarde em morte
  421. >quando chegou a hora, escolhi ficar aqui
  422. >eu não sabia o que me esperava lá fora
  423. >se resumiu a uma simples escolha feita pelo meu próprio medo. ”
  424. >disse a mulher
  425. >“O que é O Porco? O que ele faz com a gente? ” Perguntei.
  426. >ela se virou para ir embora
  427. >“Creio que você mesmo terá que descobrir isso
  428. >mas fique avisado: pense bem antes de decidir
  429. >as vezes sofrer pelo seu medo é melhor que sofrer por toda a eternidade
  430. >seja corajoso. ”
  431. >“O que eu faço?!” Gritei, balançando minha cadeira enquanto ela atravessava a porta
  432. >ela parou e olhou uma última vez por cima do ombro
  433. >seu olho me fulminou e sua voz foi apenas um sussurro
  434. >“Alimente O Porco ”
  435. >e com isso ela se foi
  436. >fiquei sentado em silêncio novamente
  437. >minha mente girava, desesperadamente avaliando minhas opções
  438. >ainda não conseguia compreender a total situação que me encontrava
  439. >era demais para mim
  440. >o outro lado da vida não devia ser assim
  441. >não sabia o que esperava
  442. >mas com certeza não era esse pesadelo
  443. >perguntas se debatiam na minha mente como ondas gélidas contra o casco de um navio naufragando
  444. >como eu poderia fazer uma escolha se nem sabia o que isso me traria?
  445. >esse lugar
  446. >a Fazenda Negra....
  447. >eu não podia ficar ali
  448. >mas e se eu fosse para o Inferno?
  449. >o que aconteceria se eu não fosse mandado de volta?
  450. >seria mandado para o fogo
  451. >minha existência seria condenada a miséria eterna
  452. >entretanto aqui…
  453. >aqui haviam pessoas como eu
  454. >suicidas
  455. >não eram somente monstros e assassinos mutilados
  456. >talvez eu possa me encaixar com eles
  457. >bolar um plano para escaparmos juntos
  458. >para um lugar melhor
  459. >com certeza isso seria melhor que o inferno
  460. >não
  461. >não seria assim que eu passaria o resto da minha eternidade
  462. >me recuso a aceitar isso
  463. >se houvesse esperança
  464. >por menor que fosse
  465. >não iria querer ficar me questionando como poderia ter sido
  466. >não queria ser atormentado pela dúvida
  467. >eu iria alimentar O Porco
  468. >aceitaria sua escolha sobre meu destino
  469. >quando pesei as medidas
  470. >essa era minha única opção
  471. >eu iria alimentar O Porco
  472. >“Ei! Olá?! Danny! ” Berrei, balançando em minha cadeira
  473. >“Já me decidi! Danny! ”
  474. >depois de alguns segundos
  475. >ouvi passos ecoando pelo corredor em minha direção
  476. >Danny passou pela porta
  477. >uma expressão irritada em seu rosto
  478. >“Fiz minha escolha, ” Falei
  479. >“vou alimentar O Porco. ”
  480. >“Parece que você pensou muito desde que sai, ”
  481. >Danny constatou ironicamente
  482. >lambi os lábios secos
  483. >“Você faria a mesma coisa se estivesse em meu lugar. ”
  484. >Danny se pôs atrás de mim
  485. >“Uma vez estive na mesma posição que você. E escolhi diferente. ”
  486. >arregalei meus olhos
  487. >mas logo Danny cobriu minha cabeça com um tecido fino
  488. >me cegando
  489. >puxei bastante ar para os pulmões
  490. >mas minhas respiradas não pareciam conter oxigênio
  491. >senti Danny cortar minhas amarras
  492. >e meu corpo se aliviou quando meus músculos duros foram libertados
  493. >girei os ombros quando minhas mãos foram soltas
  494. >e gemi com aquela sensação
  495. >cocei as costas e depois me alonguei, meus ossos estralando
  496. >“Não tire a venda e me acompanhe, ”
  497. >Danny disse, me puxando
  498. >minhas pernas tremiam pelo peso inesperado
  499. >principalmente minhas coxas, por ter ficado tanto tempo na mesma posição
  500. >estiquei as mãos cegamente à minha frente
  501. >encontrei os ombros de Danny
  502. >descansei minhas mãos sobre ele enquanto Danny me guiava para fora
  503. >quando entramos no corredor, pude ouvir sons que antes não havia ouvido ainda
  504. >o barulho de correntes
  505. >um som longo de carne se partindo
  506. >algo vomitando... esses ruídos continuavam para sempre em meus ouvidos
  507. >pintando a escuridão de minha visão com cenas imaginárias de terror
  508. >apertei o ombro de Danny com mais força
  509. >tropeçando a suas costas, meu coração disparado
  510. >ouvi algo se arrastando atrás de nós
  511. >mas Danny não parecia ter percebido
  512. >ou se percebeu, nem ligou
  513. >o barulho de carne batendo contra a parede pareceu soar a centímetros de mim
  514. >e de repente pude sentir um respirar quente na minha nuca
  515. >seguido de um estalar de língua contra os dentes
  516. >minha respiração ficou ainda mais acelerada
  517. >enquanto o medo me esmagava
  518. >“ Cê tá indo limentar O Porco, né não? ”
  519. >Algo sussurrou em meu ouvido
  520. >senti algo ser pressionado contra a parte de trás da minha cabeça
  521. >mas só tentei não pensar no que aquilo poderá ser
  522. >era molhado e gosmento
  523. >e ouvi a coisa dar uma risadinha
  524. >“ É um porquin’ faminto, então tem certeza dê dá a comida d’ele agora ”
  525. >a coisa sussurrou de novo
  526. >a voz grossa de um jeito que nem sabia ser possível
  527. >parecia uma série de grunhidos
  528. >e gemidos postos juntos para formar palavras quebradas
  529. >para meu alívio, ouvi a coisa voltar de onde viera
  530. >e continuei a seguir Danny
  531. >o mesmo continuou em silêncio enquanto andávamos
  532. >e logo pude sentir uma mudança no ar
  533. >o calor pesado mudou para uma temperatura mais fria
  534. >quase agradável, mas logo continuou a cair até que meu corpo começar a tremer violentamente contra o frio
  535. >não conseguia ver nada
  536. >mas pude sentir uma brisa
  537. >como se estivéssemos na rua
  538. >mas não havia ouvido Danny abrindo nenhuma porta
  539. >porém nada ali era normal
  540. >era como se a realidade tivesse se partido e derretido
  541. >com os dentes batendo
  542. >fui arrebatado por um calor inesperado e arfei
  543. >meus pés se desencontraram quando o terreno mudou
  544. >e agora eu parecia andar sobre algo semelhante a metal morno
  545. >meus ouvidos foram preenchidos por ruídos de fornos enormes
  546. >e maquinas industriais
  547. >eu não podia ver
  548. >mas senti que havia uma grande campo aberto mais a frente
  549. >senti o cheiro de cinzas
  550. >e senti um gosto sujo na minha boca
  551. >o suor já se formando ao longo da minha espinha
  552. >de repente, bati contra Danny
  553. >que havia parado de súbito
  554. >dei alguns passinhos para trás, rapidamente, e sussurrei desculpas
  555. >pude ouvir movimentação a nossa frente
  556. >um tintilar de correntes e clique estranho no chão de metal
  557. >outra coisa também...
  558. >algo... roncando
  559. >então a sala se preencheu com um barulho ensurdecedor de um porco guinchando
  560. >cobri meus ouvidos
  561. >minha cabeça girando por causa do som extremamente agudo
  562. >rangi os dentes enquanto o som ecoava pelo chão de metal
  563. >e ia se dissipando em uma série de guinchos e grunhidos
  564. >parecia ser absolutamente enorme
  565. >"Trouxe mais um,"
  566. >Danny anunciou, um leve tom de respeito em sua voz
  567. >"Ele quer Alimentar O Porco."
  568. >esperando ouvir uma resposta
  569. >o pano sobre meus olhos me deixando no escuro
  570. >percebi que meus joelhos tremiam
  571. >e que estava coberto de suor
  572. >estava totalmente aterrorizado
  573. >"Se é isso que desejas,"
  574. >Danny disse e senti sua mão sobre a minha
  575. >aparentemente acontecera uma conversa silenciosa que eu não havia participado
  576. >então Danny me pegou pelo pulso
  577. >e puxou-me para frente
  578. >"Aproxime-se do Porco," me instruiu
  579. >meu corpo todo tremia e eu não conseguia me mover
  580. >sem poder enxergar
  581. >ergui as mãos
  582. >tateando o nada
  583. >o calor e as cinza
  584. >me deixando enjoado
  585. >sentia como se fosse vomitar
  586. >meu estomago borbulhando
  587. >eu não sabia onde estava nem que horrores estavam diante de mim
  588. >me senti perdido e minúsculo
  589. >as minhas lágrimas ensopando a venda
  590. >"Po-por favor," Implorei
  591. >"Me deixem ver o que está acontecendo."
  592. >Danny apareceu atrás de mim
  593. >me empurrando para a frente
  594. >guiou minhas mãos para algo enquanto pisávamos no chão em uníssono
  595. >mesmo com o pano em meu rosto
  596. >eu podia ver uma massa negra gigante erguendo-se como uma torre sobre mim
  597. >era como um ponto preto em uma tela escura
  598. >enquanto ia para frente
  599. >fui açoitado por um cheiro horrível
  600. >que me deu mais ânsia
  601. >então me virei
  602. >o aperto de Danny ficou mais forte
  603. >e me forçou a continuar
  604. >eu podia sentir algo bem perto à minha frente
  605. >uma massa de carne viva e enorme
  606. >o cheiro alcançou níveis absurdos de nojento
  607. >e quase vomitei de novo
  608. >o ar quente estava sendo jogado em meu rosto
  609. >uma brisa aquecida que vinha em lufadas curtas
  610. >vomitei na carapuça, a fonte do cheiro fumegando no ar quente
  611. >engasguei como a bile derramada sobre o tecido
  612. >a imersão momentaneamente cortando meu oxigênio
  613. >Danny deu um tapa em minhas mãos que queriam tirar a venda
  614. >e eu levei alguns segundos para conseguir respirar novamente
  615. >eu estava chorando abertamente agora
  616. >o medo e a miséria destruindo meu poder de vontade
  617. >o pano molhado fedia enquanto eu puxava o ar
  618. >o ácido do meu próprio estomago cobria minha pele
  619. >e eu só implorava que isso tudo terminasse logo
  620. >e então algo guinchou bem na minha frente
  621. >senti minha bexiga ceder
  622. >eu estava de frente para O Porco
  623. >ele era a fonte da escuridão que me assolava
  624. >uma criatura gorda, titânica
  625. >que preenchia meus sentidos a cada lufada de ar que jogava em meu rosto
  626. >Danny levantou minha mão
  627. >e me fez tocar o focinho do Porco
  628. >recolhi meu braço imediatamente
  629. >mas Danny forçou minha mão de volta para lá
  630. >seu pelo era duro e espetado
  631. >enquanto minhas mãos tremulas exploravam seu nariz
  632. >o tamanho do animal ficou claro para mim
  633. >era gigantesco e devia pesar uma tonelada
  634. >sua pele balançava debaixo das minhas mãos suadas
  635. >e abriu sua boca levemente
  636. >meus dedos envolveram-se em dentes do tamanho de facas de cozinha
  637. >e percebo que aquela boca era absolutamente cavernosa
  638. >o Porco guinchou de novo
  639. >e ouvi seus cascos baterem contra o chão
  640. >pareciam trovões de verão através de um campo aberto
  641. >"Tire a venda, por favor," Implorei
  642. >minhas pernas se transformando em gelatina
  643. >Danny tinha dado alguns passos para trás
  644. >e ouvi a reverencia em sua voz
  645. >"Você não iria querer isso."
  646. >dei um pulo enquanto O porco me farejava com seu focinho
  647. >aquele pedaço molhado de carne se espremendo contra minha face
  648. >senti um arrepio, levantando minhas mãos
  649. >e ocultando um grito de pavor
  650. >"Alimente O Porco," Danny me instruiu, sua voz gélida
  651. >" Você fez sua escolha
  652. >agora viva com ela
  653. >é a única chance que tens para voltar
  654. >ou talvez O Porco não goste do seu gosto e te mande para o inferno
  655. >só existe um jeito de descobrir."
  656. >disse Danny
  657. >meus olhos se arregalaram por debaixo do pano vomitado
  658. >"Não...goste...do meu... gosto?!" pensei comigo
  659. >"Entre na boca dele."
  660. >minha bexiga cedeu de novo
  661. >e senti o mijo quente escorrer pelas minhas pernas
  662. >"Nã-não, vo-você não pode estar di-dizendo que..."
  663. >a voz de Danny ficou mais dura
  664. >"Entre na boca dele e não pare de entrar até que ele termine."
  665. >"Po-por fa-favor," Implorei
  666. >me virando em direção da voz de Danny
  667. >esticando os braços cegamente
  668. >"Por favor, deve haver ou-outro jeito... não me fa-faça fazer i-isso!"
  669. >eu era uma bagunça de ranho e lágrimas
  670. >minhas palavras trôpegas saindo de minha boca
  671. >como de um bebê que aprende a falar
  672. >Danny deu um passo a frente
  673. >e me virou para eu ficar de frente para O Porco.
  674. >"ENTRE! Você fez sua escolha! Tudo acabará em breve! É a sua ÚNICA chance!"
  675. >pude sentir a respiração do Porco no meu rosto
  676. >seu focinho a centímetros de mim
  677. >o calor e o cheiro que exalava me dava vontade
  678. >de vomitar de novo, mas me segurei
  679. >aquilo era loucura, não podia estar acontecendo
  680. >minha mente girava entre o medo e o caos
  681. >devia haver outra forma
  682. >eu não podia fazer aquilo EU NÃO IRIA CONSEGUIR!
  683. >repentinamente, as palavras da mulher me vieram à cabeça
  684. >as vezes sofrer pelo seu medo é melhor que sofrer por toda a eternidade
  685. >seja corajoso
  686. >essa era minha única chance de voltar vivo para o mundo que conhecia
  687. >eu havia cometido o pior erro possível quando me suicidara
  688. >e eu podia voltar e mudar minha vida
  689. >eu não teria que viver o resto da minha eternidade ali ou no Inferno
  690. >eu poderia mudar tudo, garantir um lugar melhor para minha alma
  691. >algum lugar longe do Porco
  692. >mas e se ele decidisse me mandar para o Inferno?
  693. >quanto sofrimento eu poderia aguentar?
  694. >eu tinha que aproveitar minha chance
  695. >"Por favor, Deus," Sussurrei
  696. >dando um passo para frente
  697. >"Se pode me ouvir, por favor, tenha misericórdia."
  698. >minhas mãos tremulas encostaram no Porco
  699. >e me agarrei ao seu pelo grosso
  700. >senti ele abaixando a cabeça levemente e abrir a boca
  701. >agora me aguardava, seu respirar quente e pesado queimando minhas narinas
  702. >era isso. Não podia desistir mais
  703. >lentamente me agarrei ais dentes
  704. >e me puxei para dentro de sua mandíbula
  705. >a cabeça dele estava inclinada
  706. >então imediatamente cai de barriga para baixo
  707. >em uma inclinação de 45 graus
  708. >a língua molhada se remexia em baixo de mim
  709. >e eu tremia tanto que mal conseguia respirar
  710. >as lágrimas se misturavam ao vômito da minha carapuça
  711. >e pude sentir meu coração explodindo em batidas irregulares dentro da caixa torácica
  712. >devagar, agarrei um dente mais ao fundo para continuar me arrastando
  713. >rangendo os dentes, me enfiei para dentro até os tornozelos
  714. >o Porco levantou a cabeça
  715. >e fiquei totalmente em horizontal em sua língua
  716. >chorando de medo
  717. >procurei a minha frente
  718. >e mais dentes
  719. >me enfiei mais fundo em sua boca
  720. >e senti meus pés passarem pelos lábios
  721. >todo o meu corpo agora estava coberto de baba gosmenta
  722. >e eu soluçava abertamente, procurando às cegas outros dentes
  723. >e foi aí que O Porco começou a me mastigar
  724. >gritei em agonia
  725. >enquanto meu corpo era comprimido entre dentes enormes
  726. >ouvi minhas pernas estalarem e senti imediatamente o osso de minha perna esquerda ficando exposto
  727. >me balancei violentamente enquanto
  728. >meu corpo sofria espasmos pelo choque
  729. >um emaranhado de sangue e dor
  730. >sua língua mudou de lugar
  731. >e senti uma mordida em meu ombro
  732. >meus olhos quase saíram das órbitas e urrei de dor
  733. >minha clavícula era apenas destroços agora
  734. >sem conseguir me controlar
  735. >vomitei muito
  736. >a dor era demais
  737. >não pare de entrar
  738. >gritando
  739. >com os olhos ficando vermelhos
  740. >usei meu braço bom para alcançar mais um dente
  741. >quase quebrei minha própria mandíbula
  742. >de tão forte que pressionava os dentes contra os outros
  743. >sangue escorrendo pelo canto da minha boca
  744. >enquanto meus dedos se envolviam em algo sólido
  745. >o Porco mordeu de novo
  746. sua língua girando meu corpo para que seus molares destruíssem meus joelhos
  747. >a dor fez tudo ficar escuro
  748. >mas meus urros forçaram meus olhos a ficarem bem abertos
  749. >"JESUS, FAÇA ISSO TERMINAR!"
  750. >eu rugi, minha mão tremula procurando por mais dentes
  751. >"MEU DEUS, SÓ TERMINE LOGO!"
  752. >pressionei tanto meus dentes que senti-os quebrar
  753. >gritando, me enfiei mais para dentro da enorme boca
  754. >algo estava mudando
  755. >as paredes apertadas de sua garganta
  756. >empurrando minha cabeça
  757. >foi aí que percebi que estava quase no fim
  758. >"VAMOS FILHA DA PUTA! VAMOS!"
  759. >eu implorei, minhas cordas vocais no limite
  760. >botei a mão para frente
  761. >e me agarrei a um pedaço grosso de carne
  762. >minha cabeça parecia que ia explodir
  763. >e senti O Porco morder de novo
  764. >arfei, sangue explodindo de minha boca
  765. >ele havia perfurado meu estomago
  766. >transformando meus órgãos em massinha de modelar
  767. >a escuridão se completou em minha visão
  768. >e eu já nem conseguia gritar mais
  769. >com o último resquício de minhas forças
  770. >me empurrei uma última vez
  771. >e senti meu corpo escorregar por sua garganta
  772. >escuridão....
  773. >caindo...
  774. >gritando
  775. >eu estava gritando
  776. >calor
  777. >um calor tão intenso que achei que fosse derreter
  778. >algo batendo
  779. >como um martelo contra metal
  780. >imagens e cores passaram tão rapidamente por mim
  781. >que não conseguia distinguir as formas
  782. >sangue saia de meus olhos
  783. >era como se eu estivesse caindo para sempre
  784. >meus olhos se abriram
  785. >e eu estava caindo
  786. >o ar voltando para meus pulmões
  787. >com uma maravilhosa onda de pureza
  788. >minha cara bateu no chão de madeira
  789. >e chorei quando senti meu nariz quebrando
  790. >senti o gosto de sangue e vi estrelas
  791. >eu havia parado de cair
  792. >havia um círculo queimando em meu pescoço
  793. >e eu sentia muita sede
  794. >eu estava deitado no chão
  795. >lentamente abri os olhos
  796. >e a escuridão começou a se dissipar
  797. >cores e formas se misturaram
  798. >até minha visão focar
  799. >eu estava no galpão
  800. >coloquei a mão no pescoço
  801. >e arfei quando vi a fonte da queimação
  802. >era a corda
  803. >eu havia me enforcado com ela
  804. >mas agora estava rompida
  805. >o alívio rolou pelo meu corpo em maravilhosas ondas de agradecimento
  806. >fiquei deitado no chão do galpão chorando
  807. >lágrimas que pingavam dos meus olhos no chão empoeirado
  808. >meu corpo estremecia
  809. >mas estava intacto
  810. >eu havia sido poupado
  811. >estava vivo novamente
  812. >do meu lugar no chão
  813. >me virei de barriga para cima
  814. >com a voz oscilante
  815. >"Obrigado, Deus. Ah, muito obrigadoo."
  816. >senti mais uma onda de choro incontrolável tomar conta de mim
  817. >"Prometo que não vou vier minha vida em vão. Prometo que farei ficar tudo certo. Eu concertarei tudo."
  818. >não sei quanto tempo se passou até que eu levantasse
  819. >o tempo parecia irrelevante
  820. >minha mente se recusava a voltar a ser como a de antes
  821. >todos os horrores que eu presenciara me mudaram para sempre
  822. >mas eu sabia, daquele momento em diante
  823. >que faria de tudo para ter a melhor vida possível
  824. >viveria todos os dias como se fossem o último
  825. >devotaria o meu tempo para ajudar aqueles que passam por fases obscuras como eu passara
  826. >eu entraria em contato com o máximo de suicidas possível
  827. >e tentaria salvá-los dos horrores do outro mundo
  828. >eu não quero que mais ninguém tenha que presenciar os pesadelos do suicídio
  829. >eu não quero que mais ninguém tenha que alimentar O Porco
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