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suma contra o anti-abortismo

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Feb 18th, 2020
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  1. Para qualquer discussão sobre aborto que possua como finalidade decidir a legitimidade do ato, é preciso, antes, definir sob quais critérios é possível determinar se certa classe de entes podem ser classificados como dotados ou não do julgo do Direito. Entre estes (critérios), percebe-se que na maior parte das análises, o que se é tomado como diferencial de uma certa classe de seres a outra é a racionalidade. Concebendo a mera reprodução como critério, ao meu ver, seria um tanto quanto insuficiente, pois ao mesmo tempo em que se demonstraria o direito dos seres humanos, também poder-se-ia estender a esfera do Direito a todos os demais animais que são capazes de reprodução, humanos ou não. Isso implicaria, por conseguinte, na extensão do direito a uma classe de seres que, teoricamente, não seria capaz de segui-lo. Todo direito, como sendo a manifestação linguística (não necessariamente comunicacional) de uma necessidade da adequação de um estado de coisas a alguma tendência, é, pois, a delimitação de um conjunto de condições para a situação ideal de um contexto concreto. Deste modo, ao definir o direito como um componente que, por requerer ser seguido, deve ser passível de ser entendido (para que suas condições sejam cumpridas) e, com efeito, os sujeitos a serem afetados por eles necessitam de uma carga linguística suficiente a fim de que seus fins possam ser alcançados, se supõe que apenas os seres cuja linguagem é tal que possa ser adequada às regras sociais (públicas) de determinada sociedade podem ser afetados pela Lei. O direito não é apenas o conteúdo bruto de alguma determinação, mas é, antes, a expressão simbólica de tal determinação a fim de que se possa interpretar seu conteúdo e, assim, poder agir de acordo. Entrando no campo da biologia/psicologia animal, é notório que, desde os supostos milhões de anos da existência da vida na terra, não houve alguma outra espécie de animal capaz de dominar as mesmas capacidades de linguagem e comunicação que os seres humanos possuem; portanto, todos estes animais são incapazes de serem afetados pelas normas, bem como de compreendê-las. Destarte, é preciso que a órbita da análise aqui trate da diferenciação que torne os seres humanos entes suficientemente distintos dos demais animais ao ponto de serem elegíveis para participar do Direito. Visto que o seguimento do Direito depende do seu entendimento, é possível dizer que o homem, por ser capaz de participar no processo da sociedade sendo limitado pelas normas, possui capacidade e, como tal, a faculdade necessária para traduzir o direito à sua compreensão. Tal faculdade se inicia por dizer que o homem é capaz de julgar as coisas; é capaz de diferenciar de forma intencional um conceito e outro e adaptar as informações concretas do mundo a sua linguagem, e vice-versa. Também é capaz de estabelecer entre as coisas uma escala de valores, de modo a determinar que uma coisa pode ser melhor, pior, boa, ruim, virtuosa, repulsiva, e muitos outros predicados que, naturalmente, não fazem parte da concretude de um estado de coisas, sendo apenas julgamentos que partem da vontade e dos critérios de um sujeito. Não vou entrar no mérito do solipsismo e do ceticismo quanto à consciência externa, pois acredito que este não é o foco do debate aqui - por enquanto, vou apenas pressupor que existem consciências externas e distintas da própria do sujeito e que tais consciências possuem estrutura igual ou, ao menos, semelhante. É possível dizer, a partir do que foi fundamentado, que a tal condição que diverge a espécie humana das demais é a racionalidade. Devido à evolução, a estrutura cerebral do homem tornou-se muito mais complexa, capaz de transmitir estímulos e produzir reações a velocidades impressionantes, também tendo aprimorado todo o aparato sensorial como um todo, assim fornecendo ao intelecto humano (a mente) a capacidade de testemunhar o mundo e julgá-lo. Acredito que esta seja a única grande característica que permite distinguir entre os animais (é tanto que a classificação biológica mais abrangente divide os animais entre "animais racionais" - até então sendo preenchida apenas pela raça humana, e os "animais irracionais", que são aqueles que não possuem consciência de si e não podem julgar valorativamente), e é esta a faculdade que permite o homem adequar suas ações a alguma condição ou algum critério. É ela, pois, o critério determinante que permite o homem participar de um estado de legitimidade, o qual exige o Direito. Agora, o feto não exerce racionalidade. A racionalidade exige que haja um aparato mental suficiente para que as funções que despertam a racionalidade sejam executadas; o zigoto é uma célula que carrega consigo a junção do DNA de seus progenitores, e de fato apresenta características de um ente individual e distinto dos outros de sua espécie, por levar uma composição genética única. Mas o zigoto não exerce racionalidade, assim como o feto. A racionalidade é uma característica que se adquire pelo desenvolvimento da consciência e do senso crítico do sujeito, à medida que estes dependem das faculdades sensíveis do ente e da presença da faculdade mental que permite realizar o julgamento. O embrião, como se pode notar, não possui desenvolvimento suficiente para obter tais características, ao ponto de que não é capaz de julgar o mundo e tomar alguma decisão propositada, para posteriormente agir e concretizar a sua vontade (até então inexistente). Vale lembrar que Mises, logo no começo do primeiro tópico de seu livro, afirma: "Ação humana é comportamento propositado"; considera ele, não longe disto, que "Seres humanos que, por nascimento ou por defeitos adquiridos, são irremediavelmente incapazes de qualquer ação (no estrito senso do termo e não apenas no senso legal), praticamente não são humanos. embora as leis e a biologia os considerem homens, faltam-lhes a característica essencial do homem. A criança recém-nascida também não é um ser agente. Ainda não percorreu o caminho desde a concepção até o pleno desenvolvimento de suas capacidades". Mises, então, considera que a essência do homem e a ação, pois esta é um processo que decorre diretamente da sua faculdade de julgar e exercer seus julgamentos de forma prática. A partir desta concepção da essência humana, em se tratando da ciência ontológica, só existem duas possibilidades de se prosseguir: ou os nascituros não carregam a essência humana e, portanto, não são metafisicamente humanos, ou eles são humanos, mas a sua essência é definida d'outra forma, tal que possa se aplicar tanto aos humanos, quanto aos embriões; mas, como se pôde ver, tal tipo de estabelecimento não faria o homem diferente de nenhum outro animal, pois ignoraria a diferença essencial que existe entre esta e a outra classe de seres. Esta possibilidade é, então, descartável por estes motivos. Logo a seguir, Mises fala: "mas, ao final desta evolução, torna-se um ser agente", e acredito que essa seja a carta na manga dos libertários no debate sobre o aborto. No livro "Contra o Aborto", Francisco Razzo expõe de forma extremamente coerente e coesa a ideia que será investigada a partir daqui. O autor expõe, antes de tudo, a diferença entre um estado de coisas acidental e um estado de coisas proposital. A exemplo de uma pedra: esta faz parte do primeiro caso, pois a pedra em si é incapaz de realizar algum movimento por si só. A pedra está em determinado local não porque ela, por si mesma, tomou uma decisão e movimentou-se em prol de atingir suas convicções, mas porque alguma força exterior à própria pedra a moveu para o local em que ela se encontra. Assim são as coisas da natureza: dependem todas de um agente externo que seja capaz de causar-lhes movimento, e são acidentais à medida em que são subordinados a alguma outra vontade diversa da própria para que tal situação do estado de coisas seja concretizada. A estas coisas, diz-se que elas são, potencialmente, coisas que se movimentam, pois é possível que uma pedra venha a ser movimentada, embora nunca por si só, mas dependentemente de alguma coisa externa. No caso do zigoto, entretanto, isso não é o que ocorre; o zigoto é um ente, a saber, um conjunto de células que é, por si só, potente para autodeterminar algum movimento e, assim, se desenvolver. É verdade que a manutenção destes movimentos depende dos nutrientes e do abrigo fornecidos pela mãe, mas isso nada chega a dizer sobre a capacidade do zigoto de atualizar a si próprio, bem como suas potências, e se desenvolver até se tornar um ser humano completo. Biologicamente, a célula-ovo é totipotente, isto é, possui potência para desenvolver todos os tecidos e formações do organismo humano e, assim, infere-se que tal célula possui, também, como potência, a racionalidade. Assim, o embrião é um ente que é não só dotado da potência de tornar-se um ser de Direito, mas em junção a isto, tem a capacidade de atualizar tal potência de forma autônoma, isto é, de tornar atual um estado de coisas por conta própria, caso certas condições sejam cumpridas (a alimentação, por exemplo). Assim, esse estado de coisas não é mais caótico, acidental, mas proposital, à medida que foi resultante de um movimento exercido por conta própria. Mas, em verdade, esse argumento também parece ser insuficiente para determinar uma diferença coerente entre a espécie humana e todas as demais, pois de mesmo modo se desenvolve autonomamente as células-ovo dos animais; mas é possível demonstrar, através desse argumento, que de fato o zigoto é diferente de uma pedra, por exemplo - já apresenta certa "autonomia". Com efeito, a forma pela qual o argumento segue aqui é desta forma: o feto é, em potência, um indivíduo dotado de Direitos, e assim, não se poderia interromper seu desenvolvimento até que suas faculdades estejam plenamente funcionais, de modo que não poder-se-ia argumentar contra o seu status jurídico. Todavia, é preciso ressaltar que este desenvolvimento não é uma necessidade: se este pode ser interrompido, é porque é incerto se ele de fato será capaz de se tornar um ser racional futuramente. De igual forma, também é possível que o nascituro passe por alguma falha no meio de seu desenvolvimento e suas faculdades sejam danificadas, de modo que a racionalidade jamais poderia ser alcançada, como Mises já frisou por aqui. Se segue que o nascimento de um ser racional é incerto, e não necessário, a partir da evolução da célula-ovo, e assim não se pode afirmar com certeza absoluta de que existe uma obrigação em limitar a si próprio para não danificar este ente. A propósito, também se pode utilizar do ceticismo para refutar a concepção do aborto por racionalidade: como não se tem acesso a consciências externas à de si próprio, não se pode dizer que outras coisas são ou não são conscientes; por este argumento, mesmo uma cadeira pode ou não se racional, pois não é algo logicamente contraditório que seja (levando à possibilidade modal de tal hipótese ser verdadeira). Qualquer coisa que possa expressar-se de forma material também o poderia ser, mas se fosse para dar a todas estas coisas o direito à vida e/ou à propriedade simplesmente por não haver certeza da validade disso, a própria convivência seria juridicamente impossível, visto que a todo momento haveria a violação do direito de alguém ou de alguma coisa, já que o homem sempre há de estar atrelado a algo material (isto se dá em parte a certas condições da natureza, como a gravidade, que sempre obriga o homem a estar sob alguma superfície por exercer sobre ele força suficiente para impossibilitá-lo de manter-se no ar, e também como o ar e o oxigênio que são necessários para a sobrevivência da espécie, que por este tipo de argumento, também deveriam ser dotados de direitos). Devido a essa impossibilidade de conviver pacificamente, à medida em que a todo momento haveria um conflito causado pelo próprio direito, esta concepção deve ser descartada. Logo, como conclusão última, eu poderia afirmar, pelas devidas fundamentações que foram outrora apresentadas aqui, que a linha argumentativa de que "o feto, por ter potencial racional, não pode ser danificado" é insuficiente para demonstrar a invalidade do ato abortivo, e que, como tal, esta visão só pode ser justificada, como fazem alguns intelectuais com tendências ao tomismo e/ou ao kantismo, através da demonstração de que o feto é, em ato (isto é, de forma atual, em contraponto à forma potencial), um ser individual e, simultaneamente dotado de direitos, pois assim haveria razão para considerá-lo como um ente jurídico. Finalizo dizendo que, por estas considerações ontológicas, acredito não ser suficiente a prova de que o feto possui direitos e não pode ser abortado, mas considero que argumentos religiosos ou utilitários, ou simplesmente arbitrários (positivistas), sejam argumentações válidas.
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