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kraauser

gt do caneta

Oct 29th, 2018
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  1. Esse GT é continuação do GT do Mike!
  2.  
  3. /cc/
  4. (Prólogo)
  5. >a noite tava tranquila no morro, uma uva
  6. >fumando um baseado com os irmãos
  7. >o Joe olhou pra minha cara, rindo
  8. >”caralho menor, já tá doidão aí ó”
  9. >os moleques começaram a rir, mandei tomar no cu mas tava rindo também
  10. >eram todos crias
  11. >do nada a bala começou a comer, parceiro
  12. >muito tiro, muito tiro
  13. >a gente se levantou com as peças na mão, barulhando os cana
  14. >olhamo pra baixo e vimo só farda preta subindo
  15. >eram os caveiras
  16. >”puta que pariu” um dos moleques falou
  17. >o outro já tinha saído correndo
  18. >só tinha ficado eu e o Joe
  19. >ele olhou pra mim e falou “corre menor, mete o pé que eu vou segurar esses filha da puta”
  20. >pegou a AK e começou a dar rajada
  21.  
  22.  
  23.  
  24. >lá de baixo a gente ouvia os caveiras gritando que iam nos matar
  25. >entrei num beco cheio de medo, tentando me esconder
  26. >mas nem deu pra eu andar muito quando ouvi um baque
  27. >o Joe caiu no chão, baleado
  28. >voltei pra falar com ele, já com lágrima nos olhos
  29. >foi quando vi um caveira passando por cima dele
  30. >na hora não pensei duas vezes irmão, peguei minha peça e acertei a bala no caveira
  31. >fiz no automático, sem pensar, sem ter controle das minhas ações
  32. >logo depois larguei a pistola e caí sentado no chão
  33. >puta que pariu, eu atirei no caveira
  34. >ele olhou pra mim com uma cara pior que a da morte
  35. >sorriu, com a boca já cheia de sangue
  36. >e caiu de cara no chão, enquanto o sangue ensopava a rua
  37. >fiquei congelado olhando aquela cena por alguns poucos segundos
  38. >mas pra mim pareceram décadas
  39. >eu sabia que não podia ficar de bobeira ali
  40. >meti o pé e me entoquei na casa de um morador lá
  41. >deitei no chão, cobri os ouvidos e fiquei esperando aquele inferno acabar
  42. (Parte I)
  43. >a minha história começou em 1999
  44. >quando eu nasci por um acidente
  45. >minha mãe, uma daquelas piranhas de baile funk
  46. >não tenho vergonha de falar não
  47. >meu pai, um moleque que tinha ganhado seu primeiro salário e foi no baile ostentar
  48. >meteram sem capa, 9 meses a cegonha me trouxe
  49. >que família hein, irmão?
  50. >minha mãe nunca valeu o pau que chupa
  51. >drogada, viciada em pó e depois em pedra
  52. >meu pai no começo tentava ajudar, mas chegou uma hora que nem ele aguentava mais
  53. >começou a beber
  54. >chegava em casa bêbado e enfiava a mão nela e em mim
  55. >era por isso que, ao contrário da maioria dos favelados, eu me amarrava em ir pra escola
  56. >andar na rua
  57. >fazer qualquer coisa irmão, menos ir pra casa
  58. >um belo dia meu pai chegou em casa mais puto que de costume
  59. >e pra ajudar, minha mãe tinha ficado grávida de outro cara
  60. >eu apanhei tanto que fugi de casa
  61. >fiquei rodando de noite na favela, sem ter pra onde ir
  62. >só uma porta abriu pra eu entrar
  63. >a de um moleque chamado Joe
  64. >ele devia ter uns 20 anos, eu tinha 11
  65. >tinha entrado pro tráfico a pedido do próprio dono do morro
  66. >a favela toda respeitava o moleque, que não era lá muito bonito, mas era gente fina pra caralho
  67. >ele me deixou morar com ele o tempo que eu precisasse, com uma condição
  68. >”tu é um moleque inteligente, vai pra escola e estuda. O movimento tá precisando de gente assim”
  69. >”nós é bom em trocar tiro e em meter marra, mas precisamos de algum maluco cabeça para ler, contar, medir, pesar e fazer essas paradas aí tá ligado menor? ‘’
  70. >”to ligado Joe “ eu respondi
  71. >sim, um cara de 20 anos pedindo pra um moleque de 11 fazer a contabilidade da boca
  72. >”então demorou, amanhã eu vou te colocar lá no contexto” ele me falou, dando uma pistola na minha mão
  73. >nessa época eu era moleque ainda, saca?
  74. >minha diversão era pegar ônibus pra Zona Sul, dar um rolé na casa dos bacana
  75. >eu adorava andar com o bondão na frente dos burgueses lá, ficavam escaldadões
  76. >os pm olhando atravessado pra gente
  77. >as patricinha cheia de medo
  78. >porra era muito bom, diversão de pivete é isso aí irmão
  79. >mas o tempo começou a passar
  80. >agora eu tinha novas responsabilidades, novo emprego
  81. >com 11 anos já era ajudante no tráfico da minha favela
  82. >não dava mais pra ficar na rotina de moleque
  83. >até porque, pra preto, pobre e favelado, a vida adulta chega cedo
  84. >nós não tem escolinha, pré vestibular, cursinho de inglês e aula de natação bancado pelo papai não
  85. >não é qualquer um que sobrevive no meu mundo, irmão
  86. >mas eu não sou desses que desiste sem tentar
  87. (Parte II)
  88. >quatro anos se passaram
  89. >muita coisa mudou
  90. >já tinha minha grana, não dependia mais de ninguém
  91. >mas optei morar com o Joe mesmo assim
  92. >ele era tipo um pai
  93. >ou melhor, um irmão mais velho
  94. >o mlk já tinha uns 25 anos, era considerado na favela
  95. >eu na aba dele também tava ganhando meu espaço
  96. >o tráfico no morro tava indo de vento em popa
  97. >os pm tavam barulhando o Chapadão dia sim dia não
  98. >pau no cu deles, CV filhos da puta
  99. >aqui é ADA poha
  100. >o frente do morro era um cara chamado Playboy
  101. >muito inteligente
  102. >ao invés de se preocupar em trocar tiro, ele gastava a energia dele aumentando as vendas de droga
  103. >lucrando mais, fortalecendo o bonde e ajudando a favela
  104. >o resultado foi que os moradores amavam a gente
  105. >o Joe se deu bem nessa, porque era amigo de geral, e então o Playboy precisava dele pra manter o contexto no bagulho
  106. >eu também me dei bem, porque o patrão precisava de alguém pra ficar de frente na contabilidade
  107. >só tinha um cara que não tava feliz com isso
  108. >vamos chama-lo de Lambari
  109. >ele era gerente de uma das bocas do morro
  110. >era um daqueles traficantes que gostava de sangue e de tiroteio
  111. >coisa cada vez mais rara sob a liderança do Playboy
  112. >lógico que ele não iria peitar o patrão abertamente, mas dizia-se que ele tava planejando derrubar o patrão
  113. >e todos que fechassem com ele
  114. >vulgo, eu e Joe
  115. >mas esses boatos não atrapalharam o clima na favela
  116. >no aniversário do patrão, o bonde organizou um super baile
  117. >pica.rar
  118. >regado demais, os melhores dj’s, os melhores mc’s, droga e bebida liberada
  119. >ia chover piranha
  120. >no dia eu e Joe nos arrumamos
  121. >o viado olhou pra mim e abriu um sorrisão
  122. >”vai perder esse cabaço hoje, muleque?’’
  123. >” que cabaço o quê viado, tá maluco?” eu perguntei, meio nervoso
  124. >”ah, não mete essa menor. Porra, nunca te vi com mulher nenhuma”
  125. >”todo o dinheiro que tu ganha tu gasta com essas porras de computador, videogame”
  126. >”porra, hoje tu vai comer alguém”
  127. >eu abri a boca pra retrucar mas ele fez sinal que eu ficasse quieto
  128. >terminamos de nos arrumar e fomos de moto para o baile
  129. >chegando lá, o Joe rapidamente sumiu
  130. >vários mlks e minas rodearam ele e levaram ele pra pista
  131. >o filha da puta era popular
  132. >eu tava sozinho então não tinha muito o que fazer
  133. >fui dar um dois pra ficar na moral e assistir o show
  134. >tava lá quietão na minha, já devia ter passado uma meia hora de que chegamos, quando o Joe aparece do nada
  135. >”coe Caneta, se liga aí, o patrão tá chamando nois lá na casa dele irmão”
  136. >”qual foi Joe que papo é esse viado?” eu perguntei, meio confuso
  137. >”para de conversa e chega junto muleque, não vamo deixar o patrão esperando não”
  138. >colei junto do Joe e fomos pra mansão do patrão
  139. >a mansão dele fica numa elevação no terreno, bem de frente para a pista onde rolava o baile funk
  140. >então era uma pista bem larga onde tava rolando o baile (nos dias de semana é um campinho de futebol), o palco onde tava os mc’s e os dj’s, e, numa elevação do outro lado do palco, de frente pro campo, tinha a mansão dele
  141. >da varanda da casa dele dava pra observar o baile inteiro
  142. >vista privilegiada
  143. >chefe é chefe né, pai?
  144. >chegando lá, os seguranças tiraram nossas armas, revistaram a gente e deixaram a gente entrar
  145. >era uma casa branca de três andares, com o exterior de vidraçaria, coisa linda de se ver
  146. >na varanda, que era grande pra caralho, tava rolando a festinha privê do chefe
  147. >uma proporção de 3 minas pra cada homem, só mulher gata
  148. >não é essas ratas de favela que ficam na pista não
  149. >é mina de zona sul, burguesa que sobe o morro pra ficar doidona e dar pra traficante
  150. >gostam de aventura, ela dizem
  151. >enfim
  152. >o patrão tava sentado numa mesa, com outros dois caras, trocando uma ideia lá
  153. >”coé Joe meu irmãozinho!” ele chamou, com um sorrisão
  154. >”fala tu meu chefe” o Joe respondeu, na humildade
  155. >”chega aí irmão, chega aí, senta aí. Vem tu também, ô Caneta” ele me chamou
  156. >caralho o patrão sabe meu nome
  157. >os dois malucos que tava com ele levantaram e nós sentamos
  158. >”tão curtindo o baile viado, fala aí “ ele perguntou, sem rodeio nenhum
  159. >”porra patrão, tá o mel... só não entendi por que você chamou a gente aqui... aconteceu alguma coisa?”
  160. >a expressão do Playboy mudou, ficou mais séria, deu pra ver que não era brincadeira
  161. >”porra irmão, esses caras aí não tem cabeça pra nada parceiro. Porra, dá pra contar com ninguém nessa favela” ele falou, se inclinando na nossa direção
  162. >”qual foi patrão qual foi?” o Joe perguntou, já entendendo que algo sério deveria ter acontecido
  163. >”os frentes do São Carlos, do Caju e da Coroa vieram falar comigo, tão planejando juntar um bonde pra tomar a Maré. A Pedreira não pode ficar de fora dessa, temos que fortalecer nossa facção”
  164. >traduzindo pra você, que não entende nada, o patrão tava se referindo aos chefes do tráfico dos morros acima, que estavam planejando se juntar pra atacar o Complexo da Maré
  165. >a Maré é, depois do complexo do Alemão, o maior conjunto de favelas da zona norte
  166. >mas, ao contrário do alemão, a maré era toda dividida entre as três facções, que lutavam por ela
  167. >o Comando Vermelho queria toma-la para sedimentar seu poder. Controlando a maré e o alemão, seriam os donos da Zona Norte
  168. >a minha facção, ADA, queria para criar um corredor entre zona norte e zona sul. Ia permitir que escoássemos a droga e as armas para os morros mais lucrativos, fortalecendo nossa facção
  169. >o Terceiro Comando queria para poder proteger e dar cobertura aos seus morros nas redondezas que, por serem isolados, eram vulneráveis aos ataques das outras facções
  170. >”mas eu não posso deixar a favela sozinha... vagabundo não tem capacidade nenhuma aqui, Joe”
  171. >”o único que eu podia deixar era o Lambari, mas aquele viado é maluco, tu sabe bem disso”
  172. >”o bonde do Lambari é forte, patrão, não dá pra gente dar mole com ele” o Joe respondeu, com precaução
  173. >”só pra tu ter uma ideia, irmão, hoje antes do baile, adivinha quem veio me procurar? A Luana, parceiro”
  174. >Luana era a namorada do Lambari
  175. >a mina mais gostosa da favela inteira, linda demais
  176. >mais gata que a namorada do patrão
  177. >todo mundo tava de olho nela, mas ela decidiu ficar com o maluco do Lambari
  178. >”qual foi da ideia patrão?” o Joe perguntou
  179. >”qual foi que o Lambari veio pro baile e não queria trazer ela. Ela não quis deixar ele sair e ele meteu a mão na cara dela, irmão... rancou dois dentes da mina no soco e ainda mandou rasparem a cabeça dela”
  180. >eu e Joe ficamos olhando o patrão, sem conseguir esboçar uma reação
  181. >”ela tá lá no meu quarto, amanhã vou dar a grana pra ela ir fazer o tratamento dentário. Agora fala aí parceiro, como é que eu vou deixar a favela na mão desse maluco? “
  182. >”porra patrão” o Joe respondeu. “manda o Lambari ir fortalecer o bonde que tá indo pra Maré po. É bom que se ele morrer lá, é lucro pra nossa firma”
  183. >”não posso mandar um gerente pra lá. Tá vindo os frentes do são carlos, do caju e do coroa. Se eu não for vai parecer que eu não to comprometido com o bagulho “ o Playboy respondeu
  184. >”porra, então vai você junto com o bonde do Lambari patrão” o Joe retrucou
  185. >”mas aí os caras vão me matar lá né irmão. O fechamento deles é com o Lambari, não é comigo” disse o Playboy
  186. >”então vamo fechar todos os bondes patrão, vamo geral pra lá” o Joe disse, impaciente
  187. >”porra mané, e tu vai desguarnecer a favela? Os filho da puta do Chapadão vão tomar o nossos morro! Aí a gente toma a Maré e perde a Pedreira” ele responde
  188. >o chefe era inteligente, já tinha pensado em todas as possibilidades
  189. >”patrão, por que tu não faz assim então” eu falei
  190. >os dois viraram pra me escutar
  191. >”leva o bonde do Lambari e metade do teu pra lá, porque assim ele não vai poder te matar”
  192. >vocês tomam tudo que puderem na Maré e, quando terminar, você deixa o Lambari lá na contenção pra administrar a favela que vocês tomaram”
  193. >”e você volta pra cá e fica na Pedreira. Porque lá o Lambari vai ser responsabilidade dos outros frentes, então se ele fizer merda ele vai ter que se ver com os malucos do São Carlos”
  194. >”a gente mata dois coelhos com uma cajadada só”
  195. >”boa muleque” o patrão responde, abrindo um sorrisão, enquanto que o Joe me dá um tapinha nas costas. “porra é isso... mas só faltou tu me falar quem vai ficar de frente na Pedreira enquanto eu e Lambari tivermos na Maré”
  196. >”ué patrão” eu respondi “escolhe o cara que tiver mais conceito na favela depois de você”
  197. >nós dois olhamos para o Joe quase que ao mesmo tempo
  198. >o novo frente da favela já tinha sido escolhido
  199. (Parte III)
  200. >”já tá bom de conversa” o Playboy falou, após discutirmos todo o nosso plano
  201. >”ô Stefany! Me ajuda aqui que eu quero meter mas esses dois comédias tão aqui me empatando”
  202. >uma morena linda veio dando risada, abraçou o chefe e falou “olha, vocês são bandidos mas quem vai roubar ele sou eu... vamo lá pra cima, amor” ela falou no ouvido do Playboy
  203. “demorou patrão” o Joe lançou, dando mó risadão “curte lá que eu vou achar uma pra tirar o cabaço desse vacilão aqui” ele falou, apontando pra mim
  204. >fiquei puto e dei um pisão no pé dele
  205. >o chefe e a piranha dele começaram a rir
  206. >”vocês dois são meus convidados. Só escolher a mulher que vocês quiserem” ele disse, e deixou nós dois lá
  207. >”ouviu né viado? Não vou ficar aqui te paparicando não, arranja aí uma mulher pra tu porque a minha eu já achei “ o Joe falou, me largando e chegando numa negona chamada Joyce
  208. >puta que pariu Joe, que mulher é essa que tu chegou
  209. >tu é maneiro pra caralho, mas pra mulher tu tem um mau gosto que puta merda hein
  210. >peguei uma cerveja e fiquei andando de um lado pro outro, olhando lá pra baixo, pro baile
  211. >até que uma vadia colou do meu lado
  212. >”eu vi você falando com o patrão... tu deve ser importante né?”
  213. >olhei pro lado
  214. >”ele chamou e a gente veio, é assim que funciona as coisas po”
  215. >ela deu uma risada
  216. >”meu nome é Amanda.... vamo nos conhecer melhor?” ela perguntou, já com cara de safada
  217. >eu já sabia quem ela era
  218. >era uma amiga da Luana, de vez em quando o Lambari comia ela também
  219. >fiquei receoso “porra, pensei que tu saísse com o Lambari”
  220. >”ah, eu saio as vezes sim... mas hoje eu quero sair é contigo... vai querer ou não? Eu sei que tu me achou gostosa” ela disse, já metendo o mãozão no meu pau
  221. >”ah porra, eu não sei...” eu falei... lógico que eu queria comer a gostosa, mas isso podia dar uma merda...
  222. >”tu não é fechamento do Playboy? Então... para de ser medroso e vamo logo fuder, ou você não é homem o suficiente?”
  223. >porra piranha, não precisava lançar essa também né
  224. >ela me puxou pela mão e foi me levando
  225. >passamos perto da hidromassagem, onde o Joe tava metendo na negona no meio de todo mundo
  226. >ele olhou pra minha cara cheio de malícia
  227. >”vai que é tua muleque” ele falou pra mim por telepatia
  228. >dava pra ler nos olhos dele
  229. >porra Joe
  230. >subi com a Amanda pra um quartinho
  231. >a mulher não me deixou fazer nada
  232. >foi só eu tirar a roupa que ela já chegou chupando
  233. >que porra é essa piranha?
  234. >montou em mim e quicou mais de uma hora
  235. >eu já tinha gozado duas vezes e a vadia não parava
  236. >caralho
  237. >quando ela terminou, fomos dormir exaustos, suados, e eu com um sorrisão imenso na cara
  238. >aí sim muleque
  239. >acordei no dia seguinte com o Joe me chamando
  240. >deixei a piranha dormindo na cama e fui com o parceiro
  241. >lá na pista, tava os bondes reunidos, vários carros e motos, todas as armas entocadas
  242. >fomos em direção ao patrão, que tava trocando uma ideia com os uns caras
  243. >ele nos viu chegando e, colocando a mão no ombro do Joe, falou em alto e bom som para todos ouvirem
  244. >”atenção bandidagem, aqui quem tá falando é o Playboy, o frente da Pedreira”
  245. >”tamo reunido aqui hoje em razão do apoio que nós temos o dever de prestar aos irmãos que tão indo lutar na Maré”
  246. >”eu como sou frente vou puxar o bonde da Pedreira que vai barulhar os alemão na Maré”
  247. >”na minha ausência, vou deixar o morro nas mãos do Joe, meu homem de confiança”
  248. >”geral conhece ele e sabe que o muleque é disposição”
  249. >”disciplina no bagulho e fé em Deus” ele falou, sob aplausos dos seus funcionários
  250. >em pouco tempo, o bonde partiu em direção a Maré, deixando eu, Joe e uns 20 outros bandidos pra tomar conta do morro
  251. >os primeiros dias foram tranquilos, conseguimos levar a situação na moral
  252. >eu aconselhei o Joe a aumentar o arrego pros cana do 41º, pra evitar mal-entendidos na comunidade
  253. >mas a atenção do Rio de Janeiro tava voltada para a Maré
  254. >era tiroteio dia e noite, noite e dia
  255. >o governador deixou a favela em quarentena, estava esperando ajuda do governo federal pra entrar com o Exército
  256. >enquanto não recebia a resposta, a guerra comia lá dentro
  257. >nosso bonde tomou muita boca, mataram muito alemão
  258. >chegava a ser bonito ver a união de vários morros da nossa facção juntos num único ideal
  259. >mas vida de bandido nunca é bonida
  260. >”porra mermão, não sei como tu não cansa dessa porra”
  261. >”o dia inteiro fazendo conta” o Joe falou, me zoando
  262. >”porra viado, alguém tem que ter cérebro aqui nessa porra né” respondi, rindo
  263. >”se arruma aí, vamo descer lá na boca pra fumar umzinho” ele disse, colocando uma camisa
  264. >me arrumei e fui com ele lá
  265. >só não sabia que aquela seria a última vez que eu iria vê-lo
  266. (Parte IV)
  267. >depois de matarem Joe, tudo ficou mais difícil
  268. >eu fui escolhido pra ficar de frente na Pedreira, por ter matado o caveira
  269. >mas eu não tinha cabeça pra mais nada
  270. >me tranquei na nossa casa e fiquei um dia chorando
  271. >caralho mermão, como a vida pode fazer isso?
  272. >tirar de você, na crueldade, a única pessoa que já se importou contigo
  273. >a única pessoa que você tinha
  274. >a única
  275. >o Joe era meu irmão porra, ele era tudo pra mim
  276. >eu tinha 16 anos e tava sozinho no mundo, sem ninguém, e com uma favela inteira dependendo de mim
  277. >tentei manter o contexto no bagulho, mas os outros caras também tavam abalados
  278. >e no final das contas, não faria muita diferença
  279. >alguns dias depois, um bonde embicou pra dentro da favela
  280. >eram os mesmos carros que saíram, o que significa que o patrão tava voltando
  281. >reuni os irmãos e fomos pro pátio receber o patrão
  282. >mas não era o patrão
  283. >era o Lambari
  284. >ele já desceu matando todo mundo, só deixou eu vivo
  285. >”agora tu vem comigo, seu filha da puta” ele disse, me arrastando pra casa do Playboy
  286. >veio ele e mais uns crias dele
  287. >”quer dizer então que tu é fechamento do Playboy e que tá querendo me atrasar no bagulho”
  288. >”tira a mão de mim comédia, nos somos o mesmo fechamento”
  289. >ele me deu um murro na cara que me fez cair no chão
  290. >”mesmo fechamento é o caralho mermão, a intenção de vocês era de me matar naquela porra”
  291. >ele veio pra cima de mim, cheio de ódio
  292. >lambari era um negão alto e forte, com uma cara de mau
  293. >não conhecia a história dele e nem queria conhecer
  294. >só sei que ele me bateu muito naquele dia
  295. >”tu vai sofrer por causa da tua vacilação” ele me falou
  296. >me acorrentou na sala e me expôs como troféu
  297. >trazia os amigos dele pra me bater
  298. >no começo era só porrada
  299. >mas depois foi piorando
  300. >apagavam cigarro na minha pele
  301. >passavam a faca em mim só pra ver o sangue descer
  302. >e vocês imaginam o que eles decidiram fazer depois disso né...
  303. >o filho da puta até trouxe a Luana e a Amanda, as ex namoradas dele
  304. >matou as duas na minha frente
  305. >irmão, você tem ideia do que é isso?
  306. >minha vontade era implorar pra morrer mas não ia dar pra ele esse gostinho
  307. >” quem diria que o comédia aí ia aguentar tanta porrada chefe “ um dos amigos dele disse
  308. >” porra é verdade, pensei que esse viado aí só ficava na caneta e no caderno mesmo “ outro respondeu
  309. >” teria futuro se tivesse fechado com nois, comédia... mas preferiu ficar na covardia e agora vai morrer “ o Lambari emendou
  310. >aquele dia eu tinha certeza que seria meu último
  311. >mas quem disse que a vida é assim, maninho?
  312. >do nada um rajadão de tiro destruiu o vidro da casa
  313. >lá de baixo a gente ouvia os marginais gritando e fugindo
  314. >”corre porra, corre!”
  315. >”sujou, sujou!”
  316. >o viado do Lambari juntou os seguranças dele
  317. >mandou todos saírem e segurarem os canas
  318. >enquanto isso ele ia juntar o dinheiro
  319. >o filho da puta esqueceu de mim e começou a correr de um lado pro outro, alucinado
  320. >jogando a grana dentro de uma bolsa
  321. >e o tiroteio ficando mais e mais intenso
  322. >ocasionalmente um tiro acertava uma parte das vidraças, ou alguma coisa dentro da casa
  323. >até que um barulho forte veio do portão
  324. >Lambari pegou sua Glock e deu uma rajada em direção a porta
  325. >esvaziou a porra do pente, trocando tiro
  326. >mas óbvio que o doente não acertou nada, tremendo do jeito que tava
  327. >vimos um cara entrando, um cara enorme, do tamanho do lambari, com farda preta e cara de puto
  328. >olhei para a identificação dele na farda
  329. >sargento Yuri
  330. >o caveira chegou dando tiro e o Lambari correu, se escorando atrás de uma pilastra bem na minha frente
  331. >mas pelo que parece, o fuzil do caveira também descarregou
  332. >como a vida é irônica, não é mesmo?
  333. >Lambari reparou e não perdeu a chance
  334. >partiu pra cima do caveira, acertando um chute na costela dele
  335. >o pm soltou um urro, mas conseguiu segurar a perna do lambari
  336. >fechou a mão e deu um soco tão forte no lambari que o viado caiu no chão
  337. >o caveira partiu pra cima dele, mas Lambari pegou uma garrafa de cerveja que tava ali do lado e quebrou ela na cabeça do caveira
  338. >o pm caiu no chão do lado dele, com a cabeça sangrando, desorientado
  339. >lambari se levantou e começou a chutar o pm
  340. >eu já tava vendo o pm morrer, com cada chutão que eu tava levando
  341. >mas aí eu vi o inacreditável
  342. >o caveira segurou a perna do lambari e acertou um soco no joelho do fdp
  343. >o soco foi tão forte, mais tão forte, que o osso do viado cortou a pele e saiu pra fora
  344. >fratura exposta
  345. >o filho da puta caiu do meu lado, berrando igual um animal, enquanto o caveira se arrastava na nossa direção pra nos matar
  346. >desesperado, o lambari pega a chave e me solta
  347. >”tem um pente no meu bolso viado, carrega a Glock e mata esse filho da puta!” ele disse, chorando de dor
  348. >eu pego a glock e o pente, e carrego a arma, apontando pro Yuri
  349. >o caveira rasteja, sujando o chão com seu sangue e olhando pra minha cara
  350. >eu encaro o caveira por alguns minutos
  351. >aquele filho da puta
  352. >pego a glock e descarrego ela na cara do Lambari
  353. >dou tiro até desfigurar
  354. >o caveira observa tudo, atônito
  355. >eu encaro ele novamente, e solto a glock ao alcance dele
  356. >lá fora os sons de tiro já estavam acabando
  357. >logo logo a favela estaria cheia de PM
  358. >ao invés de pegar a arma e me matar, ele deita de barriga pro alto e fecha os olhos
  359. >não sei se morreu ou não, mas optou por me deixar vivo
  360. >era só isso que eu queria
  361. >fugi pra mata antes que os caveiras pudessem me encontrar naquela casa
  362. >cambaleando, machucado e sangrando, consegui escapar daquele inferno
  363. >só não sabia aonde que eu iria agora
  364. (Parte V)
  365. >passei a noite na mata, mas na manhã do dia seguinte eu percebi que não dava mais
  366. >ia morrer se permanecesse ali
  367. >porra, pra onde eu vou?
  368. >pra bandido não tem hospital, SUS, essas porras
  369. >já tava fudido, delirando de febre
  370. >fui descendo o morro pela mata até chegar na rua
  371. >catei duas notas de dois que eu tinha no bolso e peguei um ônibus
  372. >o 474
  373. >conhecido na Zona Sul como “quatro sete crack”
  374. >o ônibus que os pivetes pegam pra fazer arrastão na praia
  375. >o ônibus que eu tantas vezes já peguei, em dias melhores
  376. >se fosse pra eu morrer, preferia morrer de frente pro mar
  377. >sentei lá no fundão, e não demorou muito até que eu desmaiasse de dor
  378. >acordei com uma menina me cutucando
  379. >”moço? Moço, você tá bem?” ela perguntava, consternada
  380. >não tive forças pra abrir os olhos
  381. >ela pegou um dos meus braços, colocou por cima do ombro e me carregou
  382. >descemos do ônibus e andamos mais um pouco
  383. >ela carregava meu peso, mesmo eu sentindo que ela era bem menor que eu
  384. >abri os olhos e vi de relance as pessoas na rua olhando atravessado pra nós
  385. >”porra, o que esse neguinho mal-encarado tá fazendo aqui?” elas deviam se perguntar
  386. >foda-se
  387. >eu via tudo em flashes, uma hora estávamos na rua, depois num prédio, num elevador e finalmente numa cama
  388. >deitei e desmaiei, apaguei, não vi mais nada
  389. >quando acordei, eu não sabia aonde estava, que dia era, só sabia que estava de manhã
  390. >”tem alguém aí?” eu perguntei, sem resposta
  391. >caralho, qq eu tô fazendo aqui
  392. >tentei me levantar, mas não consegui, doía muito
  393. >olhei para meu corpo, tava cheio de gaze e bandagens por todo lado
  394. >de repente, ouço o barulho da porta abrindo e depois fechando
  395. >passos vindo na direção do quarto
  396. >e a porta do quarto se abrindo
  397. >”você acordou!” disse a menina, num misto de preocupação e alegria
  398. >”eu fiquei preocupada, achei que não fosse resistir! Você estava muito machucado”
  399. >olhei bem pra ela
  400. >loirinha do olho azul, pele branquinha, devia ter 1,60 de altura, por aí
  401. >magrinha com uns peitos redondinhos, bem diferente das minas da favela que pareciam umas cavalas
  402. >tava usando uma blusinha branca e calça legging azul escura
  403. >”eu fui dar uma corridinha, mas já cheguei. Vou trazer seu café e tomar um banho” ela falou, reparando que eu olhava para ela
  404. >saiu do quarto e voltou alguns minutos mais tarde, com a bandeja cheia de comida
  405. >olhei praquela porra igual um esfomeado
  406. >”caralho, isso é café da manhã?” eu perguntei
  407. >”´é sim...” ela respondeu, meio constrangida “quê foi, não tá do seu agrado? Eu posso pedir alguma coisa se você preferir” ela falou, já vindo pegar a bandeja de volta
  408. >”não porra, é coisa pra caralho, tem mais comida nesse café da manhã do que no almoço que eu costumo comer “
  409. >ela parou e deu uma risada, enquanto eu atacava a comida
  410. >sentou do meu lado e começou a falar
  411. >”então, você deve estar se perguntando quem eu sou né... meu nome é Sophia, eu faço medicina na UFRJ... eu te encontrei no ônibus e vi que você não iria resistir”
  412. >”felizmente não tinha nenhum ferimento muito grave, apesar de você estar todo ferido”
  413. >”te trouxe aqui pra cuidar de você, mas fiquei preocupada porque eu não sabia se você estava indo pra casa da sua família ou se tinha alguém te esperando, enfim”
  414. >eu olhei pra ela, com a boca cheia de comida “tá tranquilo pô, não tinha ninguém me esperando não, valeu aí pela força”
  415. >”você fala engraçado” ela disse, rindo
  416. >”de onde você é?” ela perguntou, me olhando
  417. >caralho, fudeu, ela quer saber de onde eu sou
  418. >quando souber que sou favelado vai ligar pra polícia
  419. >se bem que, com a minha cara, não precisa ser o xeroque rolmes pra deduzir que eu sou do morro
  420. >olhei bem pra cara dela e falei “Sou da Pedreira pô”
  421. >ela me olhou meio confusa
  422. >”desculpa, eu não sou carioca, eu sou de Friburgo... onde fica essa Pedreira? É perto de Copacabana?”
  423. >eu soltei uma risada alta pra cacete
  424. >tá explicado porque a novinha me trouxe pra cá
  425. >é do interior, conhece porra nenhuma do Rio
  426. >”é mais ou menos por aí” eu falei, com sarcasmo
  427. >acho que ela não percebeu
  428. >”então... vamos ao que interessa... que séries você assiste?” ela perguntou, com os olhinhos brilhando
  429. >”quê?” eu perguntei, sem entender nada
  430. >”que séries você assiste, oras? Vai dizer que você não vê série nenhuma na netflix?” ela perguntou, de brincadeira
  431. >mas logo reparou pela minha cara que eu realmente não assistia série nenhuma
  432. >”meu Deus, como você se diverte??”
  433. >eu dei uma risadinha
  434. >”a gente arruma umas coisas lá pra se distrair tia”
  435. >”meu nome é Sophia, muito prazer... e o seu? “ ela perguntou
  436. >”me chama de Caneta que tá maneiro” eu respondi
  437. >”pois bem Caneta, se prepare porque enquanto você estiver aqui você vai assistir séries comigo”
  438. >ela ligou a TV do quarto e sentou no chão, do lado da cama
  439. >colocou na Netflix e começou a colocar as séries que ela gosta
  440. >mermão, eu vi Netflix até o cu fazer bico
  441. >ficamos nessa rotina praticamente a semana inteira
  442. >quando acabaram as séries que ela conhecia, começamos a ver séries novas
  443. >quando acabaram as novas, vimos filmes
  444. >quando enjoamos dos filmes, ela começou a ler pra mim
  445. >ler mano, tu tem noção?
  446. >tu acha que favelado conhece Lovecraft, Stephen King, Edgar Allan Poe?
  447. >a mina ia lendo as histórias comigo e depois ficava perguntando o que eu achava
  448. >percebi que ela era meio solitária, tímida, morando sozinha numa cidade que ela mal conhecia
  449. >e eu tava fazendo companhia pra ela e ela cuidava de mim
  450. >aos poucos fui recuperando o movimento
  451. >tive forças pra ficar em pé e me locomover, com a ajuda dela
  452. >um certo dia, quando eu já estava conseguindo ficar de pé relativamente bem, ela entra no quarto
  453. >alegre
  454. >sorridente
  455. >e de biquíni
  456. >”você já está se recuperando, então hoje vai tomar um banho para ficar bem cheiroso!” ela falou, animada
  457. >”tá, e pra que o biquíni? “ eu perguntei
  458. >”ué, eu vou te dar o banho né...” ela disse
  459. >”você vai me dar banho?”
  460. >”claro! Você não tem força ainda para ficar muito tempo de pé sozinho, especialmente fazendo esforço físico, por menor que seja. Vou lá pra te dar apoio e te ajudar no banho”
  461. >”além disso, seu corpo desacostumou com a temperatura da água, então se houver algum choque térmico, você vai precisar de alguém pra te ajudar”
  462. >”agora seja um bom menino e sente”
  463. >eu sentei na cama enquanto ela vinha, na inocência, tirando a minha roupa
  464. >a menina era boa de coração, dava pra ver que ela fazia aquilo só pra me ajudar
  465. >mas também eu estaria mentindo se dissesse que ela não reparou no tamanho do menino e que ela não dava umas olhadas de vez em quando
  466. >ela tentava disfarçar, mas as bochechinhas brancas dela ficaram tão coradas que nem precisava falar nada
  467. >quando ela ligou a água quente irmão, puta que pariu
  468. >que sensação boa
  469. >ela pegou o sabonete com a mãozinha dela e começou a passar no meu corpo
  470. >”se você é um cara legal quando tá fedido, imagina como vai ser quando tiver limpinho” ela falou, enquanto me limpava
  471. >e ela é boa nessa parada de limpar mano
  472. >mas convenhamos, ela é boa em tudo que ela fez até agora
  473. >que porra é essa, sobrenatural
  474. >chega uma hora que eu começo a encarar ela
  475. >meu corpo cheio de espuma e ela tb toda molhada do chuveiro
  476. >ela repara que eu to olhando pra ela e prende a respiração
  477. >querendo ou não, cria de favela tem um ar intimidador
  478. >enquadrei ela contra a parede
  479. >ela me olhava, congelada, num misto de medo e nervosismo
  480. >encostei minha boca na dela e beijei
  481. >sentia meu corpo fraco, mas me segurei pra não mostrar pra ela
  482. >não queria que ela visse mais fraqueza minha
  483. >ela jogou os braços por cima dos meus ombros
  484. >retribuiu o beijo
  485. >colou o corpo dela no meu enquanto eu a empurrava contra a parede
  486. >e a água quente caindo em cima de nós dois
  487. >de repente senti uma fraqueza
  488. >meus joelhos dobraram
  489. >caí no chão do banheiro
  490. >ela desligou o chuveiro, desesperada, e me levou de volta pra cama
  491. >me secou, me vestiu
  492. >e só parou quando eu insisti que tava tudo bem
  493. >ela disse que precisava sair para resolver alguma coisa, e antes que eu pudesse falar algo ela foi embora
  494. >me senti um merda
  495. >é só preto começar a ver filme americano pra achar que a vida é igual cinema
  496. >com romance e essas porras
  497. >nada a ver irmão
  498. >fiquei sozinho naquela cama pelo resto do dia
  499. >me perguntando o por que de eu ser tão idiota
  500. >o Joe tava certo, eu era um virjão mesmo
  501. >caralho, o Joe
  502. >ainda não tinha caído a ficha de que eu nunca mais o veria
  503. >já tinha passado a hora de eu voltar para a favela, mas algo naquele apartamento me prendia
  504. >quando chegou a noite, eu só sabia olhar pela janela, ver o movimento da zona sul
  505. >me perguntando por onde estaria a Sophia, e se ela me perdoaria pelo meu exagero
  506. >foi aí que ela chegou em casa
  507. >entrou no quarto sem falar comigo e foi direto pro banheiro, onde ela se trancou
  508. >”Sophia, me desculpa!” eu falei alto, pra ela ouvir
  509. >”eu não queria te assustar nem te forçar po”
  510. >”na hora eu não consegui me controlar, eu tive que te beijar”
  511. >”você é a mina mais linda e maravilhosa que eu já conheci”
  512. >”o tempo que eu to passando contigo tá sendo o melhor da minha vida”
  513. >”mas eu traí sua confiança e entendo que tu esteja puta comigo cara”
  514. >”se quiser eu vou embora hoje mesmo, não tem caô”
  515. >”juro, não vou guardar rancor”
  516. >e a porta continuava trancada, como se ela não estivesse ouvindo
  517. >fiquei encarando a porta, magoado por não saber o que fazer e por ter vacilado com a única pessoa que parecia se importar comigo agora que o Joe tinha morrido
  518. >foi quando ela destrancou a porta
  519. >e saiu do banheiro
  520. >nua
  521. >aquele corpo branco dela, como se tivesse sido feito com neve
  522. >sem pelo nenhum abaixo da sobrancelha
  523. >com um jeitinho delicado, quase infantil
  524. >ela me olhou e veio na minha direção, me hipnotizando
  525. >não tinha malícia no jeito dela, não igual às minas da favela
  526. >mas havia um fogo, um fogo diferente
  527. >ela abriu minha calça e montou em cima de mim, encaixando no meu pau
  528. >começou a subir e descer, me beijando e deixando escapar uns gemidos tímidos
  529. >eu sentia o tesão dela, mas também sentia que ela queria me agradar de todas as formas
  530. >depois de gozar, ela fez questão de me chupar até que eu gozasse na boca dela
  531. >e dormiu do meu lado, ainda nua, agarradinha
  532. >se antes eu não sabia se queria voltar para a favela, agora tinha certeza
  533. >meu lugar era aqui, com a minha deusa, o meu amor, a minha Sophia
  534. (Parte VI)
  535. >ficamos mais uns dias nessa rotina
  536. >vendo filme, transando muito e ela me ajudando a me recuperar
  537. >no final da semana seguinte, eu já estava praticamente bem
  538. >conseguia levantar, andar e fazer tudo que eu quisesse sozinho
  539. >ainda não dava pra correr ou sair na mão mas era questão de tempo
  540. >de noite, após mais uma bela sessão de sexo, ela falou pra mim
  541. >”amor, pensei em comemorarmos a sua recuperação...”
  542. >”como assim, princesa?” eu perguntei, enquanto assistia TV
  543. >”tem um casal que mora aqui do lado que são muito amigos meus”
  544. >”e o cara também tava machucado e já está se recuperando”
  545. >”aí eu combinei com a esposa dele de fazermos um jantar para comemorar nossos guerreiros, você e ele”
  546. >olhei para o corpinho lindo dela, com a cabeça dela encostada no meu peito
  547. >”claro amor, pode ser” respondi
  548. >”ótimo... vou marcar amanha com a ju”
  549. >algo nessa história me deixou meio apreensivo, mas deixei pra lá
  550. >era só uma janta, afinal
  551. >no dia seguinte, a Sophia me vestiu com uma roupa que ela tinha lá
  552. >nunca fiquei tão bonito na vida, quem me visse ia poder jurar que não sou favelado
  553. >motorista, talvez, garçom quem sabe, mas jamais traficante
  554. >ela colocou um vestido preto que deixava ela ainda mais linda, se é que isso era possível
  555. >fomos de mãos dadas no apartamento do lado
  556. >quando chegamos, demos logo de cara com a moça
  557. >uma tal de Juliana, aparentemente
  558. >pela barriga, dava pra reparar que estava nos primeiros meses de gravidez
  559. >me cumprimentou de uma forma muito simpática e nos convidou a entrar
  560. >disse que ia chamar o namorado e que já voltava
  561. >fiquei reparando na decoração bonita do apartamento dela, trocando alguma ideia boba com a Sophia quando o impossível aconteceu
  562. >um cara grande entrou na sala, andando de muleta, com bastante dificuldade
  563. >ele me viu na mesma hora que eu o vi
  564. >meu sangue gelou
  565. >era o caveira
  566. >o Yuri, sei lá
  567. >o que quase matou o Lambari
  568. >eu pensei que ele tinha morrido mas o sacana tava vivo
  569. >todo fudido, mas vivo
  570. >”então amor, essa é a Sophia que eu tava te falando, e esse é o namorado dela, o...” a juliana falou
  571. >”Anderson” eu emendei, falando meu nome meio nervosamente
  572. >”esse é o Anderson. Então, vamos nos sentar?”
  573. >nós quatro nos sentamos à mesa enquanto a Juliana nos servia
  574. >eu nunca tinha visto aquele prato lá, ela disse que se chamava “ceviche”
  575. >coisa de rico, foda-se
  576. >”ai meu Deus eu adoro frutos do mar” a Sophia falou, e começou a comer
  577. >a juliana gargalhou, enquanto eu e Yuri nos encarávamos
  578. >com certeza o caveira tava armado, e eu ali de bobeira
  579. >mas ele não ia me matar, não ali, na frente da esposa grávida dele
  580. >”mas então, Anderson, o que aconteceu contigo?” ela me pergunta, de um jeito meio simpático
  581. >”foi acidente de moto, moça” eu respondi, desviando o olhar do Yuri e provando a minha comida de um jeito meio estabanado
  582. >”puxa vida menino, que perigo! Pela sua cara você é novo... quantos anos você tem?” ela perguntou, curiosa
  583. >”16, faço 17 mês que vem” respondi, e ouvi o Yuri bufar do outro lado
  584. >Sophia olhou para o caveira, assustada
  585. >”não se preocupa não amiga, ele é assim mesmo”
  586. >”mas eu não tiro a culpa dele, a rotina é muito estressante”
  587. >”quem fez isso no corpo dele foram os traficantes lá de um morro chamado Pedreira, quase mataram ele, são uns bárbaros, uns verdadeiros animais”
  588. >a Sophia ouviu o nome do morro e imediatamente olhou pra mim, com os olhos bem arregalados
  589. >mas não disse nada
  590. >eu desviei o olhar novamente, tentando disfarçar
  591. >”que foi, amiga, aconteceu alguma coisa?” a Juliana perguntou, notando que todo mundo estava nervoso menos ela
  592. >”não, amiga, não é nada! A propósito, o ceviche está maravilhoso!” a Sophia falou, meio embaraçada
  593. >”ah amiga, que bom que vocês gostaram! Era o prato preferido do meu ex, o Arthur... eu já te contei a história dele, né? Ele e Yuri eram muito amigos, mas o Arthur veio a falecer... e por coincidência foi na mesma favela da Pedreira”
  594. >”quando soube que o Yuri foi pra lá eu fiquei desesperada, mas graças a Deus ele voltou pra casa bem” ela falou, pegando na mão do caveira
  595. >mas ele já tava puto
  596. >levantou bruscamente da mesa e foi andando para o sofá
  597. >Sophia observou aquilo tudo, atônita, enquanto a Juliana tentava amenizar a situação
  598. >”ah amiga, é o estresse pós traumático. É uma coisa muito complicada... você quer vir comigo pra cozinha pra eu te mostrar minhas receitas de frutos do mar? Assim a gente dá um pouco de espaço para os meninos conversarem”
  599. >Sophia olhou pra mim, angustiada, mas a Juliana pegou a mão dela e a levou pra cozinha, me deixando sozinho com o caveira
  600. >ficamos nos encarando por um longo tempo enquanto as meninas conversavam na cozinha
  601. >de repente ele falou, com uma voz meio rouca “chega aí”
  602. >levantei lentamente e fui sentar numa poltrona, perto do lugar que ele estava
  603. >ele me olhou, bem sério, e falou
  604. >”foi você que matou o sargento Costa, não foi?”
  605. >eu sabia que ele tava se referindo ao outro caveira
  606. >”fui eu” respondi, engolindo seco
  607. >”ele era meu amigo”
  608. >”era namorado da juliana”
  609. >”e era o pai do filho dela”
  610. >”você matou o meu melhor amigo” ele disse, com a voz carregada de rancor
  611. >”seu melhor amigo matou o meu melhor amigo” eu contra argumentei
  612. >esse tal de Costa tinha matado o Joe, e eu nunca iria me esquecer disso
  613. >”matou um marginal, e aí?” o Yuri perguntou, com desprezo
  614. >”e você só tá vivo agora porque o marginal aqui decidiu não te matar” eu respondi
  615. >afinal, eu poderia muito bem ter matado ele quando ele tava caído e machucado
  616. >”você sabe que mesmo machucado eu consigo te moer todinho, né? “ ele perguntou, se inclinando na minha direção
  617. >”eu to ligado, caveira... mas se tu for me matar, acho bom fazer isso logo”
  618. >”agora eu sei onde tu mora e se eu der um toque nos irmão eles brotam aqui e matam tu e tua namorada”
  619. >” e aí, qual vai ser? Vai me matar ou não vai? “ perguntei, encarando ele
  620. >ele cobriu o rosto com uma das mãos
  621. >o caveira tava tentando me intimidar, mas dava pra ver que ele tava preocupado com a família dele
  622. >e no final das contas, o bem estar da tal da Juliana valeu mais a pena que a vingança pelo amigo dele
  623. >mesmo com ele tentando tapar o rosto, consegui ver uma única lágrima correndo pela bochecha dele
  624. >e ele sussurrando bem baixinho
  625. >”me perdoa, irmão”
  626. >olhei pro lado, pra dar a ele um pouco de privacidade
  627. >querendo ou não, eu entendia a dor dele
  628. >ele tirou a mão do rosto e falou pra mim
  629. >”o Costa costumava dizer que tudo isso era uma guerra sem fim, que sempre ia ter mais gente querendo matar e querendo morrer”
  630. >”nós dois poderíamos ser amigos, se o destino não tivesse te colocado como meu inimigo”
  631. >”mas tu é guerreiro assim como eu e sabe que entre nós não pode ter amizade alguma”
  632. >”essa noite não tem guerra entre nós, mas se nós nos encontrarmos na pista, atira em mim pra matar, por que eu não vou atirar em tu pra morrer”
  633. >eu assenti com a cabeça, enquanto ele levantava pra ir pro quarto dele
  634. >antes de ele ir embora, eu falei
  635. >”promete pra mim que se eu morrer na guerra tu vai cuidar da Sophia como tu cuida da Juliana?”
  636. >”afinal, somos inimigos, mas as minas não tem nada a ver”
  637. >ele ponderou um pouco, virou e disse
  638. >”eu prometo, vou cuidar da sua mina”
  639. >”obrigado” eu respondi. “prometo que vou cuidar da Juliana também, se você morrer”
  640. >ele olhou pra mim atravessado e disse
  641. >”eu não vou morrer”
  642. (Parte VII)
  643. >”COMO ASSIM, ANDERSON? COMO ASSIM CARA?” a Sophia gritava, em prantos, quando chegamos em casa
  644. >”calma amor, me deixa explicar!”
  645. >”você é bandido, anderson? Você é envolvido com tráfico? “ ela me perguntou, já com os olhos marejados
  646. >não consegui responder
  647. >ela caiu na cama, cobrindo o rostinho com as mãos, chorando e soluçando
  648. >”o que eu fiz com a minha vida?” ela perguntava, entre os soluços
  649. >”por quê isso tá acontecendo comigo?” ela dizia
  650. >”por que??”
  651. >eu cheguei junto dela, ajoelhei do lado dela e comecei a fazer carinho
  652. >”amor, me perdoa por isso”
  653. >”mas não fui eu que escolhi essa vida”
  654. >”e se pudesse voltar no tempo, eu preferia ter morrido no ônibus”
  655. >”assim você não teria se envolvido nisso tudo”
  656. >”mas já que não posso voltar no tempo, juro que vou sumir e nunca mais te procurar”
  657. >”me perdoa por ter atrapalhado a sua vida”
  658. >ela virou, me olhando com os olhos vermelhos, e falou
  659. >”você não entende, né? Seu idiota”
  660. >”eu te amo, é óbvio que não vou conseguir te esquecer”
  661. >”mas eu não nasci pra viver no perigo amor, não nasci pra viver em troca de tiro”
  662. >”não quero ter que cuidar de você toda semana”
  663. >”não vou aguentar ver você ferido”
  664. >”por favor, sai dessa vida... vem morar aqui comigo, amor”
  665. >”eu te banco, eu faço o que você quiser, mas esquece o morro, esquece tudo”
  666. >eu olhei pela janela
  667. >a proposta era tentadora
  668. >passar o resto da vida vendo tv, comendo bem, transando e curtindo a mulher mais linda desse mundo
  669. >que tipo de louco negaria uma chance dessas?
  670. >mas eu tinha que negar
  671. >eu tinha uma missão, irmão
  672. >um propósito
  673. >uma dívida com meu mano Joe
  674. >e um dever a cumprir com a minha favela
  675. >”não posso amor... eu tenho que voltar”
  676. >”eu tenho que ir de volta pra Pedreira”
  677. >ela não se conteve, explodiu em lágrimas
  678. >me abraçou com toda força que seus braços delicados podiam fazer
  679. >”então deixa eu ir contigo, Anderson... deixa eu cuidar de você, deixa eu ficar do seu lado”
  680. >”não me obriga a ficar longe, a ficar me remoendo, todo dia preocupada, sem saber como você está”
  681. >”por favor” ela implorava, olhando nos meus olhos
  682. >eu a abracei firme e disse “amor, nada na minha vida é mais valioso que você”
  683. >”por isso que quero que minha princesa fique aqui, longe do perigo”
  684. >”não posso viver preocupado com a sua vida”
  685. >”prometo que vou te visitar sempre e que vou ficar bem”
  686. >”eu te amo”
  687. >deitei do lado dela na cama e consolei ela
  688. >ela se abriu pra mim, mesmo com lágrimas ainda correndo pela sua bochecha
  689. >fizemos amor pela última vez, curtindo cada segundo de prazer antes da dolorosa partida
  690. >no dia seguinte, levantei da cama de fininho
  691. >beijei ela na bochecha enquanto ela ainda dormia
  692. >e voltei para a Pedreira
  693. >subi o morro de cabeça erguida, pronto para enfrentar o que quer que fosse
  694. >mas não demorou muito para que os seguranças me cercassem e me levassem para o topo do morro
  695. >para a casa do patrão
  696. >ainda dava pra ver as marcas de tiro, mas a casa tinha sido reformada
  697. >estava nova
  698. >entrei sozinho, e lá dentro encontrei o frente
  699. >o único cara que ainda podia trazer ordem pra esse caos
  700. >o Playboy
  701. >ele olhou pra mim e me abraçou como um irmão, mesmo sendo meu superior
  702. >”caralho caneta, que falta tu me fez irmão”
  703. >”tu é um presente de Deus nessa favela”
  704. >”depois de tudo que aconteceu, tanta morte e traição”
  705. >”vou precisar de você do meu lado para reconstruir nossa favela juntos”
  706. >olhei pra ele, com os olhos marejados
  707. >dessa vez íamos fazer a coisa certa
  708. >até comecei a imaginar
  709. >um futuro em breve onde a favela tivesse tranquila
  710. >com um contexto maneiro
  711. >onde eu pudesse trazer a Sophia pra morar aqui
  712. >o Playboy era o cara certo pra liderar a gente
  713. >e, aparentemente, ele achava o mesmo de mim
  714. >me promoveu a gerente geral
  715. >toda a administração do morro tava sob meu comando
  716. >só respondia ao patrão, no caso, ele
  717. >”faz o que tem que ser feito, Caneta” ele me disse, dando carta branca
  718. >eu não dei mole
  719. >dobrei o arrego dos canas pra dar tranquilidade pro morro
  720. >proibi a venda de crack e os assaltos no entorno da favela, pra dar tranquilidade pro asfalto
  721. >organizei um baile bolado toda sexta feira, pra atrair clientela e oferecer entretenimento
  722. >fortaleci a favela, ajudando os moradores necessitados, pra reestabelecer o contexto no bagulho
  723. >regulamentei a venda de gás, internet, tv a cabo e vans, pra poder gerar mais lucro sem prejudicar o morador
  724. >na balança financeira, o saldo foi lá pro alto
  725. >os soldados tavam tudo armado até os dentes, com cordãozão de ouro
  726. >nessa hora que os frentes costumam aproveitar pra tomar outras favelas, mas não eu
  727. >sugeri ao Playboy que fortificássemos a Pedreira
  728. >ia ser nossa fortaleza
  729. >construímos esconderijos em toda a favela e fizemos uma trilha pela mata pra facilitar fugas
  730. >era a época de ouro do nosso morro
  731. >nosso esforço não passou despercebido
  732. >alguns meses depois, veio um toque da Rocinha
  733. >o QG da nossa facção
  734. >convocando o frente e o gerente geral da Pedreira
  735. >vulgo, Playboy e eu
  736. >para uma reunião na alta cúpula da facção
  737. >o Playboy sempre tinha sido um cara considerado, mas o meu nome era desconhecido
  738. >só me conheciam como o cara que matou um caveira
  739. >mas agora iam conhecer meu trabalho
  740. >eu e Playboy partimos pra lá de carro
  741. >eu dirigindo e ele no carona
  742. >”reparei que algo mudou em você, Caneta” ele disse, puxando assunto
  743. >”sei que o Lambari aloprou contigo, até te peço perdão por isso meu mano”
  744. >”mas tem mais coisa aí que tu não me contou”
  745. >continuei dirigindo, sem saber o que dizer
  746. >”acho que tudo que a gente precisa é de um motivo pra viver, patrão” falei
  747. >”o motivo do Lambari era o ódio, o do Joe era a alegria, mas eu nunca soube o meu”
  748. >”só fui descobrir algumas semanas atrás”
  749. >”é muito mais fácil sustentar o peso dessa guerra quando a gente sabe que tem alguém que faz tudo valer a pena”
  750. >o patrão balançou a cabeça, concordando
  751. >”se a bandidagem toda pensasse igual você, Caneta, teria muito menos sangue derramado nas favelas” ele falou, olhando pra fora
  752. >concordei com ele
  753. >quando finalmente chegamos na Rocinha, não teve como não se impressionar
  754. >o Playboy já conhecia a comunidade, mas eu não
  755. >uma favela tão imensa que poderia ser uma cidade
  756. >ele foi me guiando morro acima até chegarmos em uma casa bonita, mas discreta
  757. >paramos o carro e entramos
  758. >os seguranças nos guiaram até uma sala redonda, com uma mesa grande no meio e cercada de poltronas confortáveis que já estavam quase todas ocupadas
  759. >sentei do lado do patrão, enquanto que um homem magro e com grandes olhos começou a falar
  760. >era Nem, o chefe da Rocinha
  761. >”boa noite a todos. Estamos reunidos aqui hoje para traçar as novas diretrizes da nossa facção”
  762. >”nosso eixo de atuação, como todos sabem, tem sido muito direcionado ao complexo da Maré”
  763. >”mas após estudar melhor a situação, cheguei à conclusão de que nossa abordagem pode estar equivocada”
  764. >”enquanto as facções rivais ainda tiverem o controle de favelas nas redondezas da Maré, nunca vamos conseguir tomar todo o complexo, pois sempre que atacarmos eles vão pedir reforços”
  765. >”por outro lado, a Pedreira, sob liderança do Playboy, tem apresentado resultados muito encorajadores”
  766. >”sendo assim, eu proponho que nos juntemos para usar a Pedreira como nossa base de operações para tomar os morros nas cercanias da maré, e aí sim tomarmos o complexo para estabelecer nosso corredor dentro da cidade do Rio”
  767. >o Nem falava como um empresário, nem parecia que nós éramos bandidos
  768. >podia ser uma reunião de diretores de uma empresa qualquer
  769. >a maioria dos outros frentes concordaram com a ideia, menos o Playboy é claro, que não aceitaria que seu morro fosse feito de trampolim para as aventuras dos outros frentes
  770. >”por que não focar os nossos recursos para tomar os morros da Zona Sul, que são muito mais lucrativos?” ele perguntou, de um jeito meio desafiador
  771. >”qualquer tiroteio aqui na Sul dá muito mais visibilidade, é só estourar uma bombinha que já tem mil viaturas em cima da gente, não dá pra barulhar nem fazer guerra por aqui, ia gerar muito prejuízo para nossas favelas” respondeu Nem
  772. >”ah, mas quando é a minha favela que fica no prejuízo não tem problema, né?” ele disse, dessa vez contestando abertamente a autoridade do Nem
  773. >”se você tiver uma ideia melhor, estamos abertos para escuta-la” o Nem respondeu, calmamente
  774. >” eu tenho uma ideia melhor” falei, levantando a mão
  775. >”nossa meta está no caminho certo só que na proporção errada”
  776. >”explique-se” o Nem falou
  777. >”nossa meta desde o começo foi construir o nosso corredor do tráfico entre a Zona Norte a Zona Sul, para multiplicar nossos lucros”
  778. >”mas imagina só o quanto nós enriqueceríamos se parássemos de pensar só na CIDADE do Rio e começássemos a pensar no ESTADO do Rio”
  779. >”se controlarmos as rotas de venda de droga entre São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, nossa facção vai lucrar mais do que qualquer outra”
  780. >”já temos bases em Angra dos Reis e em Macaé, vamos usa-la para fazer o nosso corredor estadual, e ganharmos a força que precisamos pra sufocar nossos rivais”
  781. >olhei para o patrão, nervoso, torcendo pra não ter falado merda
  782. >”o que os senhores acham?” o Nem perguntou aos outros frentes
  783. >”de acordo” disse o Báu da Mineira
  784. >”de acordo” disse o Piloto do São Carlos
  785. >”de acordo” a Sara da Vila Vintém
  786. >”de acordo” o Magno da Coroa
  787. >”de acordo” o Kaká do Caju
  788. >”de acordo” o Batman dos Macacos
  789. >”de acordo” o Sávio do Vidigal
  790. >e finalmente, o Nem se pronunciou. “de acordo”
  791. >minha proposta tinha sido aceita
  792. >ganhei autoridade e prestígio perante os frentes da facção
  793. >e tomei a responsabilidade de levar a nossa bandeira para todo o Estado do Rio
  794. >depois de cumprimentar todos, fui embora com o Playboy, que estava mais quieto que uma múmia
  795. >pegamos o carro e saímos da Rocinha em direção à Pedreira
  796. >”porra, patrão, foi por um triz”
  797. >”eles queriam fazer nossa casa de acampamento”
  798. >”queriam voltar a fazer guerra na Zona Norte e acabar com a tranquilidade da nossa favela”
  799. >”mas foi o que você falou patrão, dessa vez vamos fazer a coisa certa” eu dizia, animado, enquanto o Playboy dirigia por uma estrada escura cercada de mato
  800. >de repente ele para o carro
  801. >”sim, Caneta”
  802. >”dessa vez vamo fazer a coisa certa”
  803. >puxando a pistola, ele dá dois tiros no meu peito antes que eu pudesse reagir
  804. >”eu já vi o Lambari ganhar condição e tentar tomar o meu lugar”
  805. >”não vou deixar isso acontecer novamente”
  806. >”desculpa irmão, mas to te matando como herói antes que tu se torne o vilão”
  807. >”não existe lealdade no crime, é matar ou morrer”
  808. >”então eu tenho que te matar pra não ter que morrer”
  809. >”me perdoa”
  810. >ele me jogou pra fora do carro e foi embora, me deixando na estrada de terra
  811. >virei pro alto, olhando pras estrelas e chorando
  812. >não vou poder cumprir minha promessa com a Sophia
  813. >não vou poder cuidar dela, levar ela pra minha casa, mostrar a ela meu mundo
  814. >meu corpo vai ficando frio enquanto o sangue sai do meu corpo
  815. >olho pras estrelas, que brilham fraco no céu
  816. >pelo menos havia uma pessoa com quem eu ainda podia contar
  817. >uma pessoa que eu tinha certeza que não ia me trair e que ia manter sua palavra
  818. >e por mais bizarro que isso seja, essa pessoa era meu inimigo
  819. >era um caveira
  820. >o Yuri
  821. >cuida da minha mina, mano
  822. >to indo pro céu pedir perdão pro teu irmão Costa
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