Advertisement
Guest User

Untitled

a guest
Apr 30th, 2017
110
0
Never
Not a member of Pastebin yet? Sign Up, it unlocks many cool features!
text 4.64 KB | None | 0 0
  1. Mauro
  2.  
  3. Mauro era um homem bonito. Alto, atlético, moreno. Mas era bobo. Era extremamente bobo. Até sua mulher, Laurita, que há 8 anos lia O Pequeno Príncipe e não conseguia terminar, se impacientava com ele.
  4. - Francamente, Mauro.
  5. - Cui é?
  6. Uma das bobagens do Mauro era sempre pronunciar o "u" como se tivesse trema.
  7. - Deixa de ser bobo.
  8. - Não escuenta, não escuenta.
  9. Os amigos tinha certeza que Laurita só aguentava Mauro porque ele era alto, atlético e moreno. E rico. Devido ao sobrenome importante Mauro estava no conselho de direção de três ou quatro grandes empresas, nas quais não fazia nada.
  10. A princípio era convocado para reuniões semanais. Depois nem isto. As empresas até davam o dia da reunião errado, para evitar que Mauro aparecesse. Era bobo demais. Um dia, numa reunião em Brasília com os ministros da área econômica, Mauro fizera um estilingue com um clipe e um elástico e por pouco não acertara um míssil de papel no Delfim.
  11. - Acuele alvo enorme na minha frente...não aguentei.
  12. - Francamente, Mauro!
  13. O que Mauro gostava mesmo era de ir à praia destruir castelo de areia de criança. Fingia que vinha caminhando, distraído, e pisava nos castelos. As crianças protestavam:
  14. - Pô!
  15. E Mauro, fingindo surpresa:
  16. - Cue foi?
  17.  
  18. No carnaval, combinaram o encontro na casa de Mauro e Laurita. De lá sairiam para o baile. Os homens de sarongue, as mulheres fantasiadas delas mesmo, de biquíni. Laurita anunciou que Mauro tinha uma surpresa para todos.
  19. E suspirou, como se dissesse "Mais esta...". Os outros também suspiraram. Ter que aguentar o Mauro a noite inteira era um sacrifício que só faziam pela Laurita, a coitada. Ainda bem que no baile Mauro se entreteria encher a boca de estranhos com confete e não os incomodaria.
  20. A surpresa de Mauro é que ia fantasiado de pele-vermelha. Pulou no meio da sala com sua tanga e o corpo pintado, levantaou a palma da mão e fez:
  21. - Rau!
  22. - O que é isso, Mauro?
  23. - É saudação de índio americano. Rau!
  24. Todos se entreolharam. Mas, que diabo, era carnaval.
  25. - Rau, Mauro, rau. Agora vamos embora.
  26. Mauro foi fazendo rau para todo o mundo até o clube.
  27.  
  28. Mauro insistia em dançar como índio no meio do salão. Não havia lugar. Ele atropelava os outros. Para quem protestasse, levantava a palma da mão e dizia rau. Como era forte e grande, impunha respeito. Mas crescia no salão uma surda revolta contra o pele-vermelha. Um dos amigos de Laurita, voltando do banheiro para a mesa sobre a qual as mulheres rebolavam todas juntas, captou no ar uma conspiração contra Mauro. Um grupo de quatro - dois havaianos, um legionário romano e um índio brasileiro - combinavam uma ação conjunta para pegar o chato. Algo sobre atirá-lo ao mar. O melhor seria retirar Mauro do meio do salão. Laurita concordou. Os amigos, a custo, conseguiram puxar Mauro para a mesa.
  29. - O cue é isso? O cue é isso? - disse Mauro, que continuava pulando enquantoera arrastado para longe do perigo - Por cue?
  30. - Tem uma turma aí que está a fim de pegar você.
  31. - Cue venham. Índio valente. Índio bate. Índio...
  32. - Senta, Mauro.
  33.  
  34. Na volta para casa, três casais dentro do carro, exaustos, ninguém aguentava mais o Mauro, que continuava fazendo rau. No baile ele aprontara várias. Subira na mesa para rebolar com as mulheres e a mesa desabara. Roubara a gravata borboleta de um garçom para fingir de bigode ("Índio português. Índio se chama Manuel..."). E agora fazia rau para postes, para garis, para tudo. Até que passaram por um bar aberto e Mauro gritou: "Pára!". E abriu a porta do carro antes mesmo que o carro parasse. Dirigiu-se para o bar.
  35. Era um boteco. Um balcão alto de fórmica e várias camadas de bebuns na frente. Alguns na última cerveja da noite, outros na primeira do dia. Mauro parou sobre a calçada, levantou a palma da mão e gritou:
  36. - Rau, proletas!
  37. Do carro, alguém chamou:
  38. - Vamos embora, Mauro!
  39. Mauro não deu bola. Repetiu o gesto. Gritou:
  40. - Rau!
  41. De dentro do bar saiu um negrão com camiseta do Vasco, calção floreado e sandália de dedo. Tinha o mesmo tamanho do Mauro e era mais largo. Falou:
  42. - Se disser rau de novo, vai ter.
  43. - Mauro! - gritou Laurita.
  44. - Vai ter o cue?
  45. - Diz que você vai ver.
  46. Mauro levantou a mão de novo. Do carro, Laurita gritou: "Mauro, não!". Mauro repetiu:
  47. - Rau!
  48. E saiu correndo, com toda a população do bar atrás. Não chegou muito longe. Laurita tentou saltar do carro mas foi contida.
  49. - Espera - disse um amigo.
  50. - Mas vão massacrá-lo! Temos que ajudá-lo!
  51. - São muitos.
  52. - Então vamos chamar a polícia!
  53. - Espera um pouquinho - disse outro amigo
  54. Laurita se recostou no banco.
  55. - Está bem. Cinco minutos.
Advertisement
Add Comment
Please, Sign In to add comment
Advertisement