SOLITAIRE.

A vida de Hoshi foi toda projetada e moldada por seus pais desde seu primeiro ano de idade. Seu destino estava traçado antes mesmo de ter noção o suficiente do que aquilo significava.

Uma mansão luxuosa com vista para o mar em Fukuoka era o lar da família Minatozaki, mas o conceito de "lar" e "família" nunca foi algo muito claro para Hoshi. Sempre ouvia falar sobre um lugar acolhedor e calorosidade, porém, sua casa não era nada acolhedora, e seus pais não eram nada calorosos.

Sua vida era monótona e pacata desde criança. As aulas de piano e teoria musical que recebia no colégio era uma das poucas coisas capazes de entretê-lo e fazê-lo fugir da realidade monocromática da rotina. Ele enxergava cores na melodia daquelas teclas em preto e branco.

Cresceu com a pressão de ser o filho perfeito e herdeiro de uma chaebol em ascensão no mercado. As expectativas em cima do menino só cresciam e cresciam. Hide Minatozaki, apesar de ser um pai ausente, queria acompanhar de perto o desempenho de seu sucessor.

A sanidade mental de Hoshi foi posta em jogo rapidamente. Ele não era visto como um filho ou sequer ser humano, ele era uma máquina que faria o patrimônio da família aumentar. Uma máquina que recebia punições severas caso não atendesse as expectativas impostas.

As cicatrizes que Hide deixou em Hoshi iam muito além das marcas nas costas e queimaduras de charuto, elas estavam na mente do garoto toda vez que ele ia se deitar aos prantos, pensando nas mãos daquele homem no seu corpo, arrancando sua inocência e tirando seu sono.

Viver era como um inferno. O garoto sentia tristeza, ansiedade, raiva, e culpa por não atender aos desejos do pai e ser um filho exemplar, mesmo colocando todas suas energias em horas de estudo.

Se mudar para Coreia do Sul e morar com seus avós maternos aos quinze anos foi um momento para respirar. Havia sido uma decisão abrupta feita por sua mãe, seu pai pareceu relutante, mas não se opôs.

A mulher que lhe deu a luz era mesquinha e arrogante. Desde o seu nascimento ela não parecia sequer se importar com sua existência, então era um mistério para Hoshi a razão pela qual ela tomou aquela atitude inesperada, mas que mudou o caminho de sua vida para sempre.

Se adaptar a um novo país, um novo colégio, uma nova língua e uma nova cultura foi difícil, mas Hoshi estaria tranquilo enquanto estivesse longe daquele monstro que era obrigado a chamar de pai. Começou a ter pesadelos constantes, mas tentava ignorar enquanto recolhia os cacos que restaram de sua saúde mental.

Ainda existia pressão com o futuro, mas seus avós eram compreensivos e não tão exigentes.

A ideia de se atrair por garotos sempre soou impossível para Hoshi. Ele havia sido criado para se casar com uma mulher. Quando começou a enxergar o garoto engraçado e charmoso de sua turma de uma forma diferente, ele soube que havia um problema.

Foi doloroso. Hoshi se sentia uma decepção para seus pais, uma decepção para seus avós e, pior, uma decepção para si mesmo. Pensava que todo aquele sentimento, toda aquela atração não eram nada além de reflexos dos abusos que sofreu nas mãos de seu pai. Se sentia sujo, repugnante, ao ponto de sequer conseguir se olhar no espelho.

Sua angústia se perdurou por muito tempo até descobrir que era correspondido pelo tal garoto. Eles passaram um bom tempo juntos durante o ensino médio, viveram um relacionamento intenso e secreto. Nem tudo eram rosas, mas ele fazia Hoshi se sentir bem.

Entretanto, a paixão adolescente dividia o coração com seu amor pela música. As melodias românticas que Mariah Carey e Utada Hikaru cantavam o faziam sentir como se estivesse escutando algo mágico, parecia magia em sua mais pura forma.

A onda de música pop que estava se desdobrando no mercado sul-coreano naquela época fez Hoshi ter uma nova perspectiva e sonhar em estar nos palcos. Mas, para realizar tal sonho, ele teria que abrir mão de muitas coisas, incluindo seu relacionamento.

Ele fez audições em segredo para diversas empresas de entretenimento sediadas em Seul, se ele queria cumprir seu objetivo, então ele teria que sair de Busan e tentar a sorte na capital. Manter um relacionamento a distância parecia inconcebível, por isso teve que escolher entre o namoro e sua grande paixão.

No mesmo dia que recebeu a notícia que havia passado nas audições de uma das principais empresas de entretenimento, o seu relacionamento veio ao fim. O término foi turbulento, eles passaram por uma discussão feia e que resultou em muitas lágrimas no final do dia. Porém Hoshi estava decidido em alcançar o que queria, isso o levou a confrontar tanto seus pais quanto seus avós.

Tentar seguir uma carreira como idol significava ir contra o destino que estava fadado a ter. Ele esperava rejeição de ambos os lados, mas acabou causando um conflito na família. Diferente do que esperava, seus avós apoiaram sua decisão, indo totalmente contra seus pais que pareciam irredutíveis e até mesmo ordenaram para que ele voltasse para Fukuoka.

No final, Hoshi continuou o caminho que escolheu trilhar e isso custou seu nome no testamento da família, mas ele não se importava com tal futilidade. Ele só queria realizar seu desejo de fazer música.

Após três anos de treinamento árduo, Hoshi conseguiu sua chance de brilhar em cima dos palcos como líder e vocalista principal do grupo masculino em ascensão, Boys' Generation.

As consequências de ter um sobrenome importante o seguiram por todo o caminho, passou um bom tempo sendo visto como sombra de seu pai. Até provar que era mais do que o filho de um empresário importante, mas sim um grande artista. Ele se tornou querido e era muito grato por todo o amor que recebia de suas fãs, porém o sonho rapidamente se tornou um pesadelo.

Além de receber comentários criticando sua personalidade mais reservada e também sofrer muito preconceito por ser estrangeiro, pouco antes do terceiro retorno do grupo, todos os portais de notícia online foram infestados com a informação que Hoshi Minatozaki, integrante da boygroup do momento e filho de um dos empresários mais tradicionais do Japão, era homossexual. As informações haviam sido vazadas por uma sasaeng que comprou fotos e informações pelo ex-namorado de Hoshi. A partir daquele momento, tudo caiu por terra.

Foi atacado tanto pelas fãs quanto pelos internautas mais conservadores, fotos dele ao lado de seu ex-namorado estavam sendo espalhadas por toda a internet e o pior de tudo, todos pareceram virar as costas para si naquele momento. Foi humilhado pelo presidente da empresa na frente de seus colegas de grupo, estes que assistiram tudo calados. Seu manager não conseguia nem manter contato visual, e suas fãs pareceram nunca terem jurado amor eterno.

Seus avós, que haviam apoiado sua jornada como idol, fizeram questão de cortar contato. Ele havia se tornado um mártir para ambos, aquilo que ele sempre temeu. Em contrapartida, seus pais quiseram que ele voltasse imediatamente para Fukuoka, mas diante aquela situação, depois de tudo pelo o que havia passado, Hoshi preferia morrer a ter que voltar a ser infernizado por seu pai.

Seu contrato foi encerrado e uma nota oficial foi emitida anunciando sua expulsão do grupo. Tudo o que ele havia construído com tanto esforço desmoronou com um castelo de areia.

A incerteza sobre o futuro assolavam seus pensamentos. Ele estava sozinho, mais do que nunca. Precisava se reerguer, mas não sabia como fazê-lo enquanto seu nome era assunto para todo os país e a depressão parecia consumir seu corpo.

Ele não podia mais estar nos palcos porque nenhuma empresa iria contata-lo, e porque também sentia medo de todos os ataques, medo de todo o julgamento. estava desmotivado pelo medo.

Encontrou na ilha de Jeju uma forma de reorganizar seus pensamentos. Ele odiava o litoral por diversos motivos, mas ele precisava recomeçar em algum lugar e aquilo lhe parecia certo.

Ele não era mais o herdeiro de uma empresa chaebol. Ele não era mais o cantor, líder do grupo idol bem sucedido. Ele era apenas uma pessoa comum.

Seu caminho se cruzou com o de Lee Sora, uma senhora gentil e dona de um pequeno, mas popular, café. Ela lhe ofereceu seu primeiro emprego.

O vínculo que criou com a mulher foi instantâneo. Ela o acolheu de uma forma calorosa que nunca havia experimentado antes, não demorou para estabelecerem uma verdadeira relação de mãe e filho. Ela não julgava Hoshi por ser quem ele era, e também não hesitou em lhe oferecer um teto.

Viver uma vida regular ao lado de Sora fez o rapaz enxergar o aconchego na simplicidade, era o abraço e aquela mulher que o faziam não desistir totalmente de sua vida. Entretanto, o sentimento de que não podia contar com mais ninguém além dela permanecia ali.

Hoshi não queria ser dependente para sempre, ainda mais por se sentir um empecilho na vida daquela senhora que lhe dava tudo, mesmo não tendo nenhum laço de sangue com ele.

Conhecer a Jeju University foi algo que chegou em uma hora conveniente, prometeu a si mesmo e para Sora que iria conseguir a melhor bolsa que pudesse dentro daquela universidade e dar continuidade ao seu sonho de viver pela música, mesmo que não estivesse mais em cima dos palcos.

Passar com cem por cento de aprovação pareceu surreal para Hoshi, porém o sorriso orgulhoso no rosto de Sora confirmou que aquilo era mesmo realidade. Havia tirado um peso das costas e estava prestes a reescrever um novo capítulo de sua vida.

Mesmo que ainda sentisse tristeza em seu âmago, Hoshi preferiu conviver com o sentimento de letargia, vivendo um dia de cada vez, buscando preencher o vazio com notas musicais.