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A importância de um item mágico.

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Jul 28th, 2017
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  1. [DICA DE INTERPRETAÇÃO] [DICA DE LEITURA]
  2. Não raro vejo jogares perguntando sobre a criação de item mágico. Até meus jogadores as vezes tratam um item mágico como algo quase que banal. Neste trecho, Bruenor se vê no momento mais esperado de sua vida: o momento que ele faria uma arma obra prima. Os detalhes podem ajudar tanto DMs a narrar quanto a jogadores a entender uma das formas do processo de criação de Itens Mágicos. O texto é relativamente grande, mas vale muito a pena.
  3. **************
  4. Bruenor construíra sua forja ao ar livre num recesso escondido, remotamente aconchegado no sopé do Sepulcro de Kelvin. Era uma região raramente visitada no vale dos anões, a extremidade setentrional, com a Via de Bremen a se perder na vasta tundra e a contornar a encosta ocidental da montanha, e o Desfiladeiro do Vento Gélido a fazer o mesmo no leste. Para sua surpresa, Bruenor descobriu que a pedra ali era resistente e pura, profundamente impregnada com a força da terra, e serviria muito bem como seu pequeno templo.
  5. Como sempre, Bruenor aproximou-se daquele lugar sagrado com passos calculados e reverentes. Ele agora carregava os tesouros de sua herança, e sua mente viajou pelos séculos até o Salão de Mitral, o antigo lar de seu povo, e aquilo que o pai lhe dissera no dia em que recebera seu primeiro martelo de ferreiro.
  6. — Se 'cê tiver mesmo talento para a arte — dissera-lhe o pai — e tiver a sorte de viver bastante tempo e sentir a força da terra, 'cê vai encontrar um dia especial. Uma bênção especial, ou uma maldição, dizem alguns, foi lançada sobre nosso povo, pois qualquer obra feita por ele anteriormente. Cuidado com esse dia, filho, pois você vai colocar um bom tanto de si mesmo nessa arma. Nunca mais na vida 'cê vai igualar a perfeição dela e, sabendo disso, vai perder boa parte daquele desejo de artífice que impele seu martelo. Pode ser que 'cê ache a vida vazia depois desse dia, mas se 'cê for bom como sua estirpe diz que é, 'cê vai ter fabricado uma arma lendária que vai continuar viva muito tempo depois de seus ossos terem virado pó.
  7. O pai de Bruenor, abatido quando as trevas chegaram ao Salão de Mitral, não viveu o suficiente para encontrar seu dia especial, muito embora, caso o tivesse, vários dos objetos que Bruenor agora carregava teriam sido usados por ele. Mas o anão não via nenhum desrespeito em tomar os tesouros como seus, pois sabia que criaria uma arma para deixar orgulhoso o espírito do pai.
  8. O dia de Bruenor chegara.
  9. ***
  10. A imagem de um martelo de duas cabeças, oculta no bloco de mitral, ocorrera a Bruenor num sonho, no início daquela semana. O anão compreendeu o sinal no mesmo instante e sabia que devia se mexer rapidamente a fim de deixar tudo pronto para a noite de poder que célere se aproximava. A lua já estava imensa e brilhante no céu. Atingiria sua plenitude na noite do solstício, aquela época intermediária entre as estações quando havia magia no ar.
  11. A lua cheia só aumentaria o encanto daquela noite, e Bruenor acreditava que ele capturaria um poderoso encantamento ao pronunciar as palavras mágicas.
  12. O anão tinha muito trabalho pela frente caso quisesse estar preparado. Seu esforço começara com a construção da pequena forja. Essa parte era fácil, e ele ocupou-se dela mecanicamente, tentando manter seus pensamentos fixos na tarefa imediata e longe da perturbadora expectativa pela criação da arma.
  13. Agora havia chegado o momento pelo qual ele tanto aguardara. Tirou o pesado bloco de mitral de sua mochila, sentindo-lhe a pureza e a força. Já havia antes segurado blocos similares e ficou apreensivo por um instante. Ele fitou o metal prateado.
  14. Durante um bom tempo, o metal permaneceu um bloco de ângulos retos. Depois, os lados pareceram se arredondar quando a imagem de um maravilhoso martelo de guerra mostrou-se claramente ao anão. O coração de Bruenor disparou e ele ofegava.
  15. Sua visão fora real.
  16. Ele acendeu a forja e imediatamente deu início a sua obra, trabalhando noite adentro até que a luz da aurora dispersasse o encanto que pairava sobre ele. Voltou à casa naquele dia apenas para apanhar o bastão de adamantita que havia reservado para a arma, retornando à forja para dormir e, mais tarde, andar nervosamente de um lado para outro enquanto esperava pelo cair da noite.
  17. Assim que a luz do dia desapareceu no horizonte, Bruenor voltou ansiosamente ao trabalho. O metal deixava-se moldar com facilidade por suas habilidosas mãos, e ele sabia que, antes de o amanhecer vir interrompê-lo, a cabeça do martelo estaria pronta. Embora ainda tivesse horas de trabalho pela frente, Bruenor sentiu uma onda de orgulho naquele instante. Sabia que cumpriria seu exigente programa. Ele fixaria a empunhadura de adamantita na noite seguinte e tudo estaria pronto para o encantamento sob a lua cheia na noite do solstício de verão.
  18. ***
  19. A coruja precipitou-se silenciosamente sobre o pequeno coelho, orientada em direção à presa por sentidos incomparavelmente aguçados. Seria uma morte rotineira e o desafortunado animal sequer perceberia a aproximação do predador. No entanto, a coruja estava estranhamente agitada e sua concentração de caçador vacilou no último instante. Raramente a grande ave errava, mas, dessa vez, ela voou de volta a seu abrigo na encosta do Sepulcro de Kelvin sem a refeição.
  20. Bem longe, na tundra, um lobo solitário aguardava, imóvel como uma estátua, ansioso, mas paciente, enquanto o disco de prata da imensa lua de verão rompia a orla plana do horizonte. Ele esperou até que o orbe fascinante aparecesse inteiro no céu e então retomou o antigo uivo de sua raça. Responderam-lhe, inúmeras vezes, os lobos distantes e outros habitantes da noite, todos a invocar o poder dos céus.
  21. A noite do solstício de verão, quando havia magia no ar e agitavam-se todas as criaturas com exceção dos seres racionais que rejeitavam impulsos instintivos tão simples, começara.
  22. Em seu estado emocional, Bruenor sentia distintamente a magia. Mas, absorvido na culminação dos esforços de sua vida, ele atingira um nível de calma concentração. As mãos já não tremiam quando ele abriu a tampa dourada do pequeno cofre.
  23. O pujante martelo de guerra jazia preso à bigorna diante do anão. Representava a melhor obra de Bruenor, poderosa e lindamente trabalhada mesmo então, mas aguardando ainda as delicadas runas e os encantamentos que a transformariam numa arma de poder especial.
  24. Bruenor reverentemente retirou do cofre o pequeno macete e o cinzel de prata e aproximou-se do martelo de guerra. Sem hesitação, pois sabia que tinha pouco tempo para um trabalho tão intrincado, ele apoiou o cinzel sobre o mitral e martelou-o solidamente com o macete. Os metais imaculados emitiram uma nota pura e clara que fizeram o grato anão sentir um frio na espinha. Ele sabia, no âmago de seu ser, que todas as condições eram perfeitas e estremeceu novamente ao pensar no resultado dos trabalhos daquela noite.
  25. Ele não viu os olhos escuros que o examinavam atentamente desde um cômoro a uma pequena distância dali.
  26. Bruenor não precisava de modelo para os primeiros entalhes: eram símbolos gravados em seu coração e em sua alma. Solenemente, ele inscreveu o martelo e a bigorna de Moradin, o Forjador da Alma, na lateral de uma das cabeças do martelo de guerra, e os machados cruzados de Clangeddin, o Deus das Batalhas para os anões, diametralmente opostos ao primeiro símbolo, na lateral da outra cabeça. Depois, ele pegou o tubo de prata para pergaminhos e gentilmente removeu-lhe a tampa de diamante. Suspirou aliviado ao ver que o pergaminho sobrevivera às décadas. Enxugando o suor oleoso de suas mãos, ele removeu o rolo e lentamente o desenrolou, depositando-o na parte plana da bigorna. De início, a página parecia branca, mas, aos poucos, os raios da lua cheia persuadiram seus símbolos, as runas secretas de poder, a aparecer.
  27. Eram a herança de Bruenor e, embora ele nunca as tivesse visto antes, suas linhas e curvas arcanas pareciam familiares. Com mão firme e confiante, o anão colocou o cinzel de prata entre os símbolos dos dois deuses e começou a gravar as runas secretas no martelo de guerra. Sentiu a magia das runas transferindo-se do pergaminho para a arma através dele e assistiu, assombrado, a cada uma delas desaparecer do rolo depois de ter sido inscrita no mitral.
  28. O tempo já não tinha mais significado, e ele sentiu-se profundamente perdido no transe de seu trabalho, mas, ao completar as runas, notou que a lua havia ultrapassado seu ponto culminante e começava a minguar.
  29. O primeiro teste real da perícia do anão deu-se quando ele superpôs às runas a joia no interior do símbolo da montanha de Dumathoin, o Guardião dos Segredos. Os contornos do símbolo do deus alinhavam-se perfeitamente com os das runas, obscurecendo os secretos desenhos mágicos.
  30. Bruenor soube então que sua obra estava quase completa. Removeu o pesado martelo de guerra de sua tenaz e tirou da mochila a pequena bolsa de couro. Precisou inspirar profundamente várias vezes para se acalmar, pois este era o teste final e mais decisivo de sua competência. Ele soltou a corda que fechava a bolsa e maravilhou-se com as suaves cintilações do pó de diamante sob a tênue luz da lua.
  31. Por trás do cômoro, Drizzt Do'Urden retesou-se de expectativa, mas teve o cuidado de não perturbar a total concentração de seu amigo.
  32. Bruenor acalmou-se mais uma vez e, depois, subitamente, agitou o mais alto que pôde a pequena bolsa, liberando no ar da noite seu conteúdo. Atirou a bolsa de lado, agarrou o martelo de guerra com as duas mãos e o ergueu acima da cabeça. O anão sentiu a própria força sendo sugada ao pronunciar as palavras de poder, mas ele só saberia se teve êxito quando a obra estivesse completa. O nível de perfeição dos entalhes determinava o sucesso das entoações, pois enquanto ele gravava as runas na arma, a força que delas emanava fluíra para seu coração. Esse poder era o que atrairia o pó mágico para a arma e o poder desta, por sua vez, seria avaliado pela quantidade de partículas cintilantes que capturasse.
  33. As trevas acometeram o anão. A cabeça girava e ele não entendia o que o mantinha ainda de pé. Mas o poder devorador das palavras era maior do que ele próprio. Embora nem mesmo tivesse consciência de suas palavras, elas continuavam a fluir de seus lábios numa inegável torrente, exaurindo cada vez mais as forças de Bruenor. Nesse momento, ele caiu misericordiosamente, mas o vácuo da inconsciência o arrebatou muito antes de sua cabeça atingir o solo.
  34. Drizzt virou-se e recostou-se novamente ao cômoro rochoso; ele também estava exausto com o espetáculo. Não sabia se seu amigo sobreviveria à provação daquela noite, mas estava emocionado. Pois ele testemunhara o momento de triunfo do anão, apesar de Bruenor tê-lo perdido, quando a cabeça de mitral do martelo tremeluziu com a magia viva e atraiu a chuva de diamante.
  35. E nem uma única partícula do pó cintilante escapara ao chamado de Bruenor.
  36. A Estilha de Cristal, Capítulo 11: Garra de Palas
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