Comunidade dos Sonetos Cardinais, 21 de junho de 1839.
Vetusta Família Diligente,

Almejo cravar essa mensagem com minha canônica pena a fim de registrar minhas poucas palavras para futuras gerações. É possível cotejar essa escrita com as já produzidas de outrora. Todavia, quero salientar a diferença. Enquanto que em uma não sou eu que vos escrevo, e sim uma máquina operada por mim, agora sou eu que utilizo de minha própria caligrafia para vos enviar essa mensagem. A pena também é operada por minha pessoa, eu sei. No entanto, as formas são diferentes. Ao utilizar tal método, vossa senhoria poderá ver meus traços, meus pingos no i, minhas curvas, meus erros de concordância e, o mais importante, minha tentativa irônica de fazer uso de uma bela caligrafia mesmo já sabendo que vosso olhar deverá ser mais próximo para a compreensão.
Não tenho uma razão especial para escrever a presente epístola. Minha morada nessa habitação de teor muito familiar já se aproxima do fim. Quiçá um dia isso seja uma razão especial para escrever algo a alguém. Não escrevo como despedida. Não escrevo como saudação. Escrevo para tornar público o meu agir. E me torno consciente de incontáveis interpretações quando torno público o meu ato.
Amei, e estou amado. Sou fantasma. De algum modo, essa energia amorosa e de uma natureza libidinal perpassa o espaço-tempo. Quiçá um dia também compreendam que espaço e tempo são apenas um. Pretérito, presente e futuro fazem parte apenas de nosso leque de meras convenções humanas. Eu vos escrevo agora, por exemplo. Mas, ao relatar o meu agora amanhã, meu agora se tornará ontem. E, como bem espero, quando vossos descendentes encontrarem essa tensão de energias opostas expressa em poucos dizeres, tornar-se-á provável uma reconstrução do ontem no agora. Eu sei que vos deixarei com saudade, eu estarei ausente.

Sinto vossa falta. Vejo-te ontem.
O Fantasma Que Habita Ao Lado Do Hoje.
P.S.: Ana, seu nome também está escrito aqui. Leia nas entrelinhas. Por obséquio, não se encoste ao broche que serve de peso para este papel. O broche pode ser atrativo com seu formato de doutas espirais, eu sei. É uma má atração. É perigosa. Leia em nossas entrelinhas.