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- Processo Penal II - Prova 1
- PRIMEIRA PARTE - ATOS JURISDICIONAIS
- 01) Decisões judiciais e sua (necessária) motivação. Superando o paradigma cartesiano. Princípio da correlação (congruência). Coisa julgada
- 1.1. Dikelogía: La Ciencia de La Justicia
- -> GOLDSCHMIDT (La Ciencia de La Justicia) - Filho propõe um debate em torno da justiça, não só pela perspectiva axiológica, mas também axiosófica
- - "A justiça como tema de uma ciência própria (dikelogía) é uma proposta complexa
- - "Dikelogía"
- ~ Dike: é a justiça do caso concreto
- - Ulpiano: define justiça como a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu, contemplando nessa descrição de justiça o hábito volitivo e intelectual de valoração, estimando de um modo positivo e negativo
- ~ Justiça é virtude e é valor. Mas também é um tema ético
- - "el principio supremo de la justicia estatuye la libertad del desarrollo de la personalidad"
- - "La justicia protege al individuo contra toda influencia que ponga en peligro su libertad de desarrollar su personalidad"
- -> Tendência vista nas principais constituições europeias, que asseguram o direito fundamental "al libre desarrollo de la personalidad"
- -> "O ato de julgar, e todo o complexo ritual judiciário, não é algo que possa ser pensado - exclusivamente - desde o Direito, pois precisa dialogar, em igualdade de condições, com a Filosofia"
- - É também um tema antropológico, "pois nosso juiz é um ser-no-mundo, que jamais partirá de um grau zero de compreensão"
- - Une-se a essa liga científica, a psicanálise e a neurociência
- -> "Dessarte, ainda que dessas questões não se tenha ocupado (expressamente) Werner Goldschmidt, pensamos que a denominação dikelogía bem expressa a complexa “ciência da justiça” que se deve construir"
- - "Nessa perspectiva deve ser pensado a ato decisório, pluridimensional e complexo, pois, melhor do que qualquer outro ato judicial, dá representatividade e realidade à justiça"
- 02) Controle da racionalidade das decisões e legitimação do poder
- -> Para o controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa, bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência, é fundamental que as decisões judiciais estejam suficientemente motivadas
- - Fundamentação: permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder
- - Premissa de um processo penal democrático
- - Art. 93, inciso IX, da Constituição
- -> "No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena:"
- - "sem que se produza a comissão de um delito;"
- - "sem que ele esteja previamente tipificado por lei;"
- - "sem que exista necessidade de sua proibição e punição;"
- - "sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros;"
- - "sem o caráter exterior ou material da ação criminosa;"
- - "sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e"
- - "sem que tudo isso seja verificado por meio de uma PROVA EMPÍRICA, levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público, contraditório, com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido"
- -> Juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um "saber-poder, uma combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas)"
- - Quanto maior é o poder, menor é o saber, e vice-versa
- - Montesquieu: no mundo ideal de jurisdição, o poder é nulo
- -> Motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial
- - "Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades
- ~ "O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade"
- - Motivação demonstra o "saber" que legitima o "poder"
- - IBÁÑEZ: "ius dicere" em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicação/explicação: "um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido. Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional"
- -> Não se trata de "razão" no sentido cartesiano, que separa a mente do cérebro e do corpo, visto que "não existe racionalidade sem sentimento, emoção, daí a importância de assumir a parcela inegável de subjetividade no ato decisório"
- -> "Em síntese, o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por ARGUMENTOS COGNOSCITIVOS SEGUROS E VÁLIDOS (não basta apenas a boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis"
- -> Fundamentação das decisões é:
- - Controle da racionalidade e, principalmente;
- - Controle de limite ao poder
- 2.1. Invalidade substancial da norma e o controle judicial
- -> CF/88: "muitos dispositivos do atual CPP não resistem à necessária passagem pelo filtro constitucional"
- - "Recordando a lição de BOBBIO, com a constitucionalização dos direitos naturais, o tradicional conflito entre o direito positivo e o direito natural e entre o positivismo jurídico e o jus naturalismo perdeu grande parte do seu significado"
- -> Juiz passa a assumir uma relevante função de "garantidor"
- - Não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados
- - Juiz não pode confundir vigência com validade
- ~ Pois "só assim poderá identificar a substancial invalidade de uma determinada lei processual, que não sobreviveu ao filtro constitucional (de validade)"
- -> Validade é analisada sob os aspectos FORMAL e SUBSTANCIAL
- - Validade SUBSTANCIAL: diz "respeito ao significado, à própria substância do direito"
- ~ Princípios, "como fator limitador e vinculante da atividade legislativa"
- - Validade FORMAL: vigência (existência)
- -> FERRAJOLI: distingue duas dimensões
- - Regularidade (ou legitimidade) das normas: vigência ou existência, que diz respeito à forma do ato normativo
- - Validade propriamente dita (ou, em se tratando de leis, a "constitucionalidade"): tem a ver com seu significado ou conteúdo
- ~ É "uma questão de coerência ou compatibilidade das normas produzidas com as de caráter substancial sobre sua produção"
- -> FERRAJOLI: identifica duas classes de normas sobre a PRODUÇÃO JURÍDICA
- - Formais: "condicionam a validade e também dão a dimensão formal da democracia política, pois se referem ao 'QUEM' e ao 'COMO' das decisões. São garantidas pelas normas que disciplinam as formas das decisões, assegurando com elas a expressão da vontade da maioria"
- - Materiais: "refere-se à democracia substancial, posto que relacionada ao 'QUE' não se pode decidir, ou deva ser decidido por qualquer maioria, e está garantida pelas normas substanciais, que regulam a substância e o significado das mesmas decisões"
- -> Direitos fundamentais são "vínculos negativos, gerados pelos direitos de liberdade, que nenhuma maioria pode violar; e os vínculos positivos, gerados pelos direitos sociais, que nenhuma maioria pode deixar se satisfazer"
- - Fora do campo de disponibilidade do mercado e da política
- - FERRAJOLI: "esfera do que é indecidível"
- -> "Mais do que a filtragem constitucional, deve o juiz atentar para o controle da convencionalidade das leis ordinárias, ou seja, se o CPP, o CP ou qualquer lei ordinária não está em conflito com a Convenção Americana de Direitos Humanos"
- 2.2. A superação do dogma da completude jurídica. Quem nos protege da bondade dos bons?
- -> "Verificada a vigência de uma norma (dimensão formal), cumpre indagar se ainda assim é possível haver lacunas e conflitos internos (dicotomias)"
- - Antinomias e lacunas do sistema são perfeitamente possíveis
- -> Dogma da completude jurídica está há muito superado
- - BOBBIO ensina que a escola da exegese foi abandonada e substituída pela escola científica
- -> "O papel do juiz no processo penal constitucional é o de alguém que deve fazer a filtragem constitucional e eleger os significados válidos da norma e das versões trazidas pelas partes, fazendo constantemente juízos de valor"
- - "É elementar que a administração da justiça não pode depender da bondade, do bom senso ou de qualquer outro tipo de abertura axiológica desse estilo para legitimar o exercício do poder"
- - "[...] além da necessária conformidade constitucional, deve o juiz estrito respeito às regras do jogo (e aos valores em jogo), especialmente no processo penal, em que o due process of law adquire um valor inegociável"
- 2.3. À guisa de conclusões provisórias: rompendo o paradigma cartesiano e assumindo a subjetividade no ato de julgar, mas sem cair no decisionismo. A preocupação com a qualidade da fundamentação das decisões
- -> "O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um"
- -> "Não se pode, jamais, adverte com muito acerto STRECK, permitir que o juiz possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, ou seja, há limites na formação da decisão e no espaço constitucional de interpretação"
- -> "A decisão tem que ser construída no processo penal, em contraditório, e demarcada pelo limite da legalidade (leia-se, respeito às regras do jogo). Não pode ser apenas um 'decido conforme a minha consciência'. Isso seria perfilar-se na superada dimensão da filosofia da consciência e avalizar um perigosíssimo e ilegal decisionismo"
- -> Importante avanço com a Lei n. 13.964/2019 e a inserção do art. 315: "A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada" (ver, ainda, § 2º)
- - ensejadora de nulidade, vide nova redação do art. 564, inciso V, do CPP)
- -> A decisão judicial "somente é válida e eficaz quando 'construída processualmente no espaço jurídico discursivo da condicionalidade estatal expressa na estrutura procedimental (devido processo legal) legitimadora de sua prolação"
- 03) Decisão penal: análise dos aspectos formais
- -> Os atos jurisdicionais são classificados nas seguintes categorias:
- - DESPACHOS DE MERO EXPEDIENTE: atos meramente ordenatórios, sem cunho decisório e que não causam prejuízo para acusação ou defesa, sendo, portanto, irrecorríveis
- - DECISÕES:
- ~ Interlocutórias SIMPLES: possui um mínimo de caráter decisórios e gera gravame para uma das partes; como regra, não cabe recurso dessa decisão, salvo expressa disposição legal, sem negar-se, contudo, a possibilidade de utilização das ações impugnativas (HC, MS), sendo exemplos a decisão que recebe a denúncia ou queixa, indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação etc
- ~ Interlocutórias MISTAS: possuem cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida; ENCERRAM O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO OU FINALIZAM UMA ETAPA DO PROCEDIMENTO
- ~> Podem ser TERMINATIVAS OU NÃO
- ~> Como regra, não há produção de COISA JULGADA MATERIAL
- ~> Atacáveis pela via do RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (há exceções, quando a lei prevê o recurso de apelação)
- -> Exemplos: decisões de rejeição da denúncia ou queixa, pronúncia, impronúncia, desclassificação
- - SENTENÇAS: podem ter eficácia CONDENATÓRIA, ABSOLUTÓRIA (própria ou imprópria) ou DECLARATÓRIA (extinção da punibilidade)
- ~ Pleno cunho decisório, gerando prejuízo para a parte atingida
- ~ Como regra, o recurso cabível é o de apelação
- ~ Exemplos: sentenças penais condenatórias, absolutórias, a absolvição sumária
- -> "Excetuando-se os despachos de mero expediente, as decisões e sentenças devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade"
- -> "Somente a sentença resolve, com plenitude, acerca do objeto do processo penal, que, como vimos anteriormente, é a pretensão acusatória (cujo elemento objetivo é o caso penal)"
- -> Sentença deve conter (cf. art. 381 do CPP):
- - Relatório: são indicados os nomes das partes, a descrição objetiva dos acontecimentos do processo
- - Motivação: ponto mais importante da sentença, dando-se em duas dimensões (fática, com a valoração das provas, e jurídica, apreciando as teses jurídicas adotadas)
- ~ É viável a invocação do art. 489 do CPC, especialmente o disposto no parágrafo primeiro
- - Dispositivo: se afirmará a absolvição (art. 386 do CPP) ou a condenação (art. 387 do CPP e, ainda, arts. 59 e 68 do CP)
- -> "Sendo a sentença condenatória, deverá observar o disposto no art. 387 do CPP"
- - "Quanto aos incisos I, II e III, devem ser lidos em conjunto com as regras estabelecidas no art. 59 e s. do Código Penal, que disciplinam a dosimetria da pena"
- - "O inciso IV é uma inovação introduzida pela Lei n. 11.719/2008, que alterou a sistemática brasileira para permitir a cumulação da pretensão acusatória com outra, de natureza indenizatória"
- ~ Vide, ainda, parágrafo único do art. 63
- ~ Essencial, nesse caso, que conste expressamente na inicial acusatória o pedido de pagamento de um valor mínimo para a reparação dos danos causados
- - Inciso V está revogado, desde a reforma da parte geral do Código Penal de 1984
- 04) Princípio da congruência (ou correlação) na sentença penal
- 4.1. A imutabilidade da pretensão acusatória. Recordando o objeto do processo penal
- -> "Além do estudo dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e também das regras do sistema acusatório (como veremos na continuação), a correlação vincula-se ao objeto do processo penal"
- -> Objeto do processo penal = pretensão acusatória, cujo titular é o Ministério Público ou o particular
- - Exercício da pretensão acusatória é a ACUSAÇÃO, sendo ela quem "demarca os limites da decisão jurisdicional"
- -> "Ao acusador (público ou privado) corresponde apenas o poder de invocação (acusação), pois o Estado é o titular soberano do poder de punir, que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público (e muito menos do acusador privado)"
- -> BADARÓ: "é preciso explicar que o objeto do processo penal está ligado à imputação, que consiste na formulação da pretensão processual penal [...], isto é, o fato enquadrável em um tipo penal, que se atribui a alguém e que deve PERMANECER IMUTÁVEL AO LONGO DO PROCESSO, pois o OBJETO DA SENTENÇA TEM DE SER O MESMO OBJETO DA IMPUTAÇÃO"
- -> A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal
- - Garantia da vinculação temática do juiz, da imparcialidade
- - Juiz não tem a gestão da prova tampouco invade o elemento objetivo da pretensão para alterá-lo
- -> A regra é relativizada através dos institutos da "emendatio libelli" e "mutatio libelli", previstos nos arts. 383 e 384 do CPP
- - Para "realizar qualquer modificação é imprescindível observar-se os princípios da inércia (e sua vinculação ao sistema acusatório), da jurisdição, do direito de defesa e, principalmente, do contraditório"
- 4.2. Princípios da correlação ou congruência: princípios informadores. A importância do contraditório e do sistema acusatório
- -> ARAGNESES ALONSO, congruência: princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional, pelo qual deve existir identidade entre a decisão e o debatido, oportunamente, pelas partes
- - Vincula-se com o princípio da inércia da jurisdição e com o contraditório
- -> BADARÓ: "do 'ne procedat iudex ex officio' deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e, como consequência, daí
- decorre outro princípio:"
- - O "juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido"
- -> Não pode o juiz decidir sobre questões que não foram debatidas pelas partes no processo
- - Necessidade de releitura do art. 383 do CPP
- - Limites da decisão vêm demarcados por uma dupla dimensão: acusação e contraditório
- -> A correlação entre a imputação e a decisão se opera tanto no interior da instrução quanto nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento
- - "A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença, mas entre acusação, defesa, instrução e sentença"
- -> É possível alterar a pretensão acusatória, mas desde que exista estrita observância do contraditório
- - "Dessarte, é evidente a incompatibilidade do contraditório e do sistema acusatório com o ativismo judicial, ou seja, com o juiz agindo de ofício nessa modificação da pretensão acusatória"
- 4.3. A complexa problemática da EMENDATIO LIBELLI - Art. 383 do CPP. Para além do insuportável reducionismo do axioma narra mihi factum, dabo tibi ius. Rompendo os grilhões axiomáticos
- -> Art. 383 do CPP estabelece a emendatio libelli, nos seguintes termos:
- - Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
- § 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
- § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.
- -> Emendatio Libelli "não se ocupa de fatos novos, surgidos na instrução, mas sim de fatos que INTEGRAM A ACUSAÇÃO e que devem ser objeto de uma MUTAÇÃO NA DEFINIÇÃO JURÍDICA"
- -> "Infelizmente, o senso comum teórico segue afirmando que o réu se defende dos fatos, de modo que a emendatio libelli seria uma mera correção na tipificação, que o juiz poderia fazer nos termos do art. 383 sem qualquer outra preocupação"
- - Isso é identificado em parte da doutrina e predominantemente nos tribunais brasileiros
- -> Em "muitos casos, a correção na tipificação legal decorre, na essência, do desvelamento de nova situação fática, como sói ocorrer, v.g., na mudança de crime doloso para culposo"
- -> Há diferenças no conceito de fato para o Direito Penal e para o processo penal
- - No primeiro, relaciona-se com o tipo penal abstrato; no segundo, confunde-se com o fato concreto, o que aconteceu na vida real
- - "Essa distinção será útil para analisar-se em que medida é possível a alteração do fato, sem que isso conduza a uma mutação da pretensão acusatória (objeto do processo penal)"
- -> Qualificação jurídica do fato é elemento imprescindível da acusação (cf. art. 41 do CPP)
- -> Fato processual é mais amplo que o fato penal, "pois abrange o acontecimento naturalístico, com todas as suas circunstâncias e também a classificação do crime (exigência do art. 41); ou seja, fato processual = fato natural + fato penal"
- -> "Seguindo o estudo, se mudanças no fato processual podem ser irrelevantes para o direito penal, o sentido inverso não é verdadeiro"
- -> "As chamadas 'questões de direito' estão intimamente vinculadas ao fato penal e, portanto, estão abrangidas pelo conceito de fato processual, devendo o juiz, ainda que o art. 383 não exija, oportunizar às partes que se manifestem sobre a possibilidade (ou não) de uma modificação na qualificação jurídica"
- -> Problemas:
- - Se a nova capitulação legal importar em delito cuja ação penal é de iniciativa privada ou condicionada à representação, e já tiverem passados os 6 meses do prazo legal, haverá decadência
- - Quando o processo inicia através de queixa-crime e o juiz procede a emendatio libelli, resultando em um tipo penal cuja ação é de iniciativa pública, o processo originário deverá ser extinto por manifesta ilegitimidade ativa
- ~ Mas isso não impede que o Ministério Público ofereça denúncia (salvo nos casos de prescrição)
- ~ A queixa-crime supre a representação, se for o caso
- -> "Mas deve-se ter muita cautela nessa matéria, pois a mera redução do fato na sentença, em razão da falta de provas de sua ocorrência, não gera uma sentença incongruente, pois existem casos de desclassificação que não exigem a mutatio libelli"
- - Exemplo: peculato -> apropriação indébita
- roubo -> furto
- - Tipo penal "decomponível", pois o afastamento de uma elementar, por falta de prova, conduz a uma "atipicidade relativa"
- -> Em síntese:
- - Existe alteração processual e penalmente relevante, situação em que o aditamento é imprescindível, nos termos do art. 384
- - A alteração é apenas do fato processual, sendo penalmente irrelevantes as mutações, mas imprescindível a "mutatio libelli"
- - Não há alteração do fato processual (apenas na dimensão da tipificação legal), sendo aplicável a emendatio libelli, nos termos do art. 383 do CPP, mas com a exigência de contraditório prévio em relação às questões de direito
- -> "Ainda que a mutatio libelli não seja imprescindível nesses casos, pois não existe um fato novo, impõe-se que o juiz atente para a garantia do contraditório e, ainda, que dispense o aditamento, pelo menos oportunize às partes que se manifestem previamente sobre a possível (nova) tipificação legal atribuível aos fatos, ou, no mínimo, que tenham oportunizada vista para conhecimento e manifestação após a emendatio libelli"
- 4.4. É possível aplicar o art. 383 quando do recebimento da denúncia?
- -> "[S]ustentamos a possibilidade de aplicação do art. 383 no momento do recebimento da denúncia, com o natural contraditório em relação a essa nova classificação jurídica do fato, que já se dará na resposta à acusação. Inclusive, quanto mais cedo for aplicado o art. 383, melhor, adverte PRADO, pois só assim se garante a máxima eficácia do contraditório e da estrutura acusatória do sistema processual"
- OBS: É possível "emendatio libelli" em segundo grau (art. 617 do CPP), exceto se for caso de recurso exclusivo da defesa e essa modificação importar pena mais grave (AURY NÃO CONCORDA)
- 4.5. MUTATIO LIBELLI - Art. 384 do CPP. O problema da definição jurídica mais favorável ao réu e a ausência de aditamento
- -> Diferente da emendatio libelli (onde há alteração de classificação jurídica), na mutatio libelli há alteração do fato, nos termos do art. 384 do CPP:
- - Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a
- denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
- § 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
- § 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
- § 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.
- § 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
- § 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.
- -> Incumbe exclusivamente ao acusador proceder a mutatio libelli
- -> Parágrafo primeiro é inconstitucional, se considerada a redação original do art. 28
- -> "O campo de incidência do art. 384 é distinto daquele previsto para o art. 383, pois aqui existe um fato processual novo, ou seja, nenhuma dúvida ou discussão se estabelece em torno do binômio fato penal/fato processual ou, ainda, questões de fato e questões de direito"
- - "A nova definição jurídica decorre da PRODUÇÃO DE PROVA de uma ELEMENTAR ou CIRCUNSTÂNCIA não contida na acusação"
- ~ Elementar: dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta ou relativa
- ~ Circunstâncias: elementos acessórios, "satelitários" em relação ao tipo penal, afetando apenas a dosimetria da pena
- -> A mutatio libelli seria possível uma vez encerrada a instrução
- - Iniciativa é exclusiva do MP, "e a queixa a que faz menção o artigo não é originária, mas sim a queixa subsidiária (art. 29 do CPP), aquela situação excepcional em que o ofendido, em crime de ação penal de iniciativa pública, pode propor a queixa, diante da inércia do parquet"
- -> Prazo de aditamento é de 5 dias
- - "Mas, feito o aditamento, será objeto de análise pelo juiz nos mesmos termos em que o é a denúncia, podendo ser recebido ou rejeitado nos termos do art. 395 do CPP"
- - "Nesse ato deverá o Ministério Público arrolar até 3 testemunhas"
- -> O § 2º estabelece que "ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento"
- - "Em que pese a redação não ser das melhores, pensamos que o juiz deverá abrir o prazo de 5 dias para manifestação escrita da defesa e, somente após a resposta da defesa, decidir entre receber ou rejeitar o aditamento"
- -> E caso a nova definição jurídica do fato seja mais favorável ao réu, pode o juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público?
- - Duas soluções, segundo AURY:
- ~ Diante da inércia do MP, o juiz aplica o art. 28 do CPP; e após o aditamento, o juiz pode julgar o crime que é mais favorável ao réu
- ~ Não havendo aditamento, e afastada a figura mais gravosa ao réu pelo contexto probatório, deverá o juiz absolver o réu, pois não está demonstrada a tese acusatória (o contrário seria proferir uma sentença incongruente e, portanto, nula)
- -> Súmula 453 do STF: "Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa"
- 4.6. Mutações: de crime doloso para culposo; consumado para tentado; autor para partícipe e vice-versa. Necessidade de Mutatio Libelli
- -> Alterações feitas na imputação, em torno dos elementos subjetivo (dolo) e normativo (culpa) afetam a regra da correlação?
- - Para AURY, sim: "A rigor, não cabe a modificação de tipo doloso para tipo culposo sem mutatio libelli"
- - A alteração de doloso para culposo não é apenas correção da tipificação legal, mas sim, implica em alteração da situação fática
- -> Na mudança de crime consumado para tentado e vice-versa, há alteração da situação fática, o que atrai a necessidade de observância do art. 384 do CPP
- -> Na alteração de autor para partícipe e vice-versa, tratam-se de situações fáticas distintas, o que exige a aplicação do previsto no art. 384 do CPP
- -> "Situação completamente distinta ocorre quando há apenas uma redução da imputação por ausência de provas, e, sendo o tipo penal decomponível, possível a condenação por outro delito sem a necessidade de aditamento (não é caso de mutatio libelli), pois o afastamento da elementar, por falta de prova, conduz a uma atipicidade relativa"
- 4.7. As sentenças incongruentes. As classes de incongruência. Nulidade
- -> Incongruência por extra petita
- - Quando o juiz julga "fora" do que foi imputado ao réu, atua de ofício, violando o contraditório e o sistema acusatório
- - "É uma sentença extra petita aquela em que o juiz, sem prévio aditamento do Ministério Público, altera o objeto do processo penal, ou, mais especificamente, diante de uma mudança do fato processual, não respeita o necessário contraditório e a regra do art. 384 do CPP"
- ~ Inclui casos em que o delito doloso é desqualificado para o delito culposo
- -> Incongruência por citra petita
- - É quando a sentença fica aquém do que foi pedido
- - "É incongruente a sentença (citra petita) que condena o réu pela figura simples, sem justificar o afastamento da qualificadora"
- -> Violação à regra da correlação conduz à nulidade absoluta, nos seguintes termos:
- - Quando é citra petita: o juiz julga menos do que deveria em relação à imputação, violando o disposto no art. 5º, LV, da Constituição e gerando a nulidade prevista no art. 564, III, "m", do CPP;
- - Quando é extra petita, o juiz julga fora da imputação, violando os arts. 5º, LV, e 129, I, da Constituição, causando a nulidade prevista no art. 564, III, "a", do CPP (pois está condenando sem denúncia em relação àquele fato)
- -> Quanto à extensão da nulidade na sentença, há que se analisar caso a caso, pois nem sempre a nulidade será total
- 4.8. Pode(ria) o juiz condenar quando o Ministério Público requerer a absolvição? O eterno retorno ao estudo do objeto do processo penal e a necessária conformidade constitucional. A violação da regra da correlação
- -> Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada
- -> "O Ministério Público é o titular da pretensão acusatória, e, sem o seu pleno exercício, não se abre a possibilidade de o Estado exercer o poder de punir, visto que se trata de um poder condicionado"
- - "Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém"
- - Nesses casos, não poderia o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação
- -> "Igualmente grave – e nula a sentença – é a previsão feita na última parte do art. 385 do CPP: poderá o juiz reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada na acusação"
- 05) Coisa julgada formal e material
- -> LEONE: Coisa julgada significa coisa sobre a qual há recaído a decisão do juiz, expressa, portanto, uma entidade passada, fixa, firme no tempo
- -> Coisa julgada: decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandamento que nasce da sentença
- - É uma garantia individual, prevista no art. 5o, XXXVI, daCF
- - Possui dupla dimensão:
- ~ Constitucional: como garantia individual
- ~ Processual: preclusão e imutabilidade da decisão
- - Está posta a serviço do réu, evitando que este seja julgado novamente pelo mesmo fato em outro processo
- ~ Por isso somente se permite a revisão criminal quando favorável ao réu
- -> Qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente pode ser feita em favor da defesa
- -> Coisa julgada poderá ser formal ou material, sendo que a segunda pressupõe a primeira
- - Formal: há decisão irrecorrível ou que se torna preclusa (imutável no próprio processo, sem que haja a produção exterior de seus efeitos)
- - Material: quando há julgamento sobre o mérito e há a produção exterior dos efeitos da decisão (é imutável para além do processo)
- -> "A coisa julgada no processo penal é peculiar, pois somente produz sua plenitude de efeitos (coisa soberanamente julgada) quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade, pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu (ou pro societate), ainda que surjam (novas) provas cabais da autoria e materialidade"
- - "Já a sentença condenatória, por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo, inclusive após a morte do réu (art. 623 do CPP), jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos"
- -> Quando ocorre somente a coisa julgada formal, diz-se que houve preclusão; já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material, e somente se produz nos julgamentos de mérito"
- 5.1. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada
- -> Limites objetivos: dizem respeito ao fato natural, objeto do processo e posterior sentença, não interessando a qualificação jurídica que receba
- - "A coisa julgada proíbe que exista uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural"
- -> Limites subjetivos: a coisa julgada fica circunscrita, subjetivamente, pela identidade da pessoa do réu (e, objetivamente, pela identidade do fato)
- -> "Como explica MAIER, para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico, a imputação tem de ser idêntica, e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa. Assim, nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato (seja porque se demonstrou a participação ou coautoria, ou ainda porque o réu foi absolvido), ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados"
- 5.2. Algumas questões em torno da abrangência dos limites da coisa julgada. Circunstâncias elementares não contidas na denúncia. O problema do concurso de crimes. Concurso formal, material e crime continuado. Crime habitual. Consumação posterior do crime tentado.
- -> BADARÓ: "ao se julgar a imputação, ainda que todo o fato naturalístico não tenha sido imputado, a coisa julgada irá se formar sobre o acontecimento da vida em sua inteireza, o que impedirá a nova imputação sobre o mesmo fato"
- - O "que faz coisa julgada no juízo criminal é fato tal como efetivamente realizado, independentemente do acerto ou equívoco na sua imputação"
- - "O afetado pela coisa julgada é o fato natural com todas as suas circunstâncias e/ou elementares, tenham sido ou não incluídas na acusação"
- -> Concurso formal: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
- -> Continuidade delitiva: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
- -> Crime habitual: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
- -> Concurso material: o manto da coisa julgada NÃO ACOBERTA todos os fatos naturais
- -> A "coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave"
- - Ex. tentativa de homicídio quando a morte efetivamente se dá após a sentença transitada em julgado
- -> A "sentença penal absolutória, mesmo que absolutamente nula, uma vez transitada em julgado, produz plenamente os efeitos da coisa julgada material, não mais podendo ser alterada"
- SEGUNDA PARTE - RECURSOS
- 01)
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