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Arthiola

2020 - Processo Penal II - Prova I

Oct 10th, 2020 (edited)
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  1. Processo Penal II - Prova 1
  2.  
  3. PRIMEIRA PARTE - ATOS JURISDICIONAIS
  4. 01) Decisões judiciais e sua (necessária) motivação. Superando o paradigma cartesiano. Princípio da correlação (congruência). Coisa julgada
  5. 1.1. Dikelogía: La Ciencia de La Justicia
  6. -> GOLDSCHMIDT (La Ciencia de La Justicia) - Filho propõe um debate em torno da justiça, não só pela perspectiva axiológica, mas também axiosófica
  7. - "A justiça como tema de uma ciência própria (dikelogía) é uma proposta complexa
  8. - "Dikelogía"
  9. ~ Dike: é a justiça do caso concreto
  10.  
  11. - Ulpiano: define justiça como a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu, contemplando nessa descrição de justiça o hábito volitivo e intelectual de valoração, estimando de um modo positivo e negativo
  12. ~ Justiça é virtude e é valor. Mas também é um tema ético
  13.  
  14. - "el principio supremo de la justicia estatuye la libertad del desarrollo de la personalidad"
  15. - "La justicia protege al individuo contra toda influencia que ponga en peligro su libertad de desarrollar su personalidad"
  16.  
  17. -> Tendência vista nas principais constituições europeias, que asseguram o direito fundamental "al libre desarrollo de la personalidad"
  18. -> "O ato de julgar, e todo o complexo ritual judiciário, não é algo que possa ser pensado - exclusivamente - desde o Direito, pois precisa dialogar, em igualdade de condições, com a Filosofia"
  19. - É também um tema antropológico, "pois nosso juiz é um ser-no-mundo, que jamais partirá de um grau zero de compreensão"
  20. - Une-se a essa liga científica, a psicanálise e a neurociência
  21.  
  22. -> "Dessarte, ainda que dessas questões não se tenha ocupado (expressamente) Werner Goldschmidt, pensamos que a denominação dikelogía bem expressa a complexa “ciência da justiça” que se deve construir"
  23. - "Nessa perspectiva deve ser pensado a ato decisório, pluridimensional e complexo, pois, melhor do que qualquer outro ato judicial, dá representatividade e realidade à justiça"
  24.  
  25. 02) Controle da racionalidade das decisões e legitimação do poder
  26. -> Para o controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa, bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência, é fundamental que as decisões judiciais estejam suficientemente motivadas
  27. - Fundamentação: permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder
  28. - Premissa de um processo penal democrático
  29. - Art. 93, inciso IX, da Constituição
  30.  
  31. -> "No modelo constitucional não se admite nenhuma imposição de pena:"
  32. - "sem que se produza a comissão de um delito;"
  33. - "sem que ele esteja previamente tipificado por lei;"
  34. - "sem que exista necessidade de sua proibição e punição;"
  35. - "sem que os efeitos da conduta sejam lesivos para terceiros;"
  36. - "sem o caráter exterior ou material da ação criminosa;"
  37. - "sem a imputabilidade e culpabilidade do autor; e"
  38. - "sem que tudo isso seja verificado por meio de uma PROVA EMPÍRICA, levada pela acusação a um juiz imparcial em um processo público, contraditório, com amplitude de defesa e mediante um procedimento legalmente preestabelecido"
  39.  
  40. -> Juízo penal e toda a atividade jurisdicional é um "saber-poder, uma combinação de conhecimento (veritas) e de decisão (auctoritas)"
  41. - Quanto maior é o poder, menor é o saber, e vice-versa
  42. - Montesquieu: no mundo ideal de jurisdição, o poder é nulo
  43.  
  44. -> Motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial
  45. - "Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades
  46. ~ "O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que o levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade"
  47.  
  48. - Motivação demonstra o "saber" que legitima o "poder"
  49. - IBÁÑEZ: "ius dicere" em matéria de direito punitivo deve ser uma aplicação/explicação: "um exercício de poder fundado em um saber consistente por demonstradamente bem adquirido. Essa qualidade na aquisição do saber é condição essencial para legitimidade do atuar jurisdicional"
  50.  
  51. -> Não se trata de "razão" no sentido cartesiano, que separa a mente do cérebro e do corpo, visto que "não existe racionalidade sem sentimento, emoção, daí a importância de assumir a parcela inegável de subjetividade no ato decisório"
  52. -> "Em síntese, o poder judicial somente está legitimado enquanto amparado por ARGUMENTOS COGNOSCITIVOS SEGUROS E VÁLIDOS (não basta apenas a boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis"
  53. -> Fundamentação das decisões é:
  54. - Controle da racionalidade e, principalmente;
  55. - Controle de limite ao poder
  56.  
  57. 2.1. Invalidade substancial da norma e o controle judicial
  58. -> CF/88: "muitos dispositivos do atual CPP não resistem à necessária passagem pelo filtro constitucional"
  59. - "Recordando a lição de BOBBIO, com a constitucionalização dos direitos naturais, o tradicional conflito entre o direito positivo e o direito natural e entre o positivismo jurídico e o jus naturalismo perdeu grande parte do seu significado"
  60.  
  61. -> Juiz passa a assumir uma relevante função de "garantidor"
  62. - Não pode ficar inerte ante violações ou ameaças de lesão aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados
  63. - Juiz não pode confundir vigência com validade
  64. ~ Pois "só assim poderá identificar a substancial invalidade de uma determinada lei processual, que não sobreviveu ao filtro constitucional (de validade)"
  65.  
  66. -> Validade é analisada sob os aspectos FORMAL e SUBSTANCIAL
  67. - Validade SUBSTANCIAL: diz "respeito ao significado, à própria substância do direito"
  68. ~ Princípios, "como fator limitador e vinculante da atividade legislativa"
  69.  
  70. - Validade FORMAL: vigência (existência)
  71.  
  72. -> FERRAJOLI: distingue duas dimensões
  73. - Regularidade (ou legitimidade) das normas: vigência ou existência, que diz respeito à forma do ato normativo
  74. - Validade propriamente dita (ou, em se tratando de leis, a "constitucionalidade"): tem a ver com seu significado ou conteúdo
  75. ~ É "uma questão de coerência ou compatibilidade das normas produzidas com as de caráter substancial sobre sua produção"
  76.  
  77. -> FERRAJOLI: identifica duas classes de normas sobre a PRODUÇÃO JURÍDICA
  78. - Formais: "condicionam a validade e também dão a dimensão formal da democracia política, pois se referem ao 'QUEM' e ao 'COMO' das decisões. São garantidas pelas normas que disciplinam as formas das decisões, assegurando com elas a expressão da vontade da maioria"
  79. - Materiais: "refere-se à democracia substancial, posto que relacionada ao 'QUE' não se pode decidir, ou deva ser decidido por qualquer maioria, e está garantida pelas normas substanciais, que regulam a substância e o significado das mesmas decisões"
  80.  
  81. -> Direitos fundamentais são "vínculos negativos, gerados pelos direitos de liberdade, que nenhuma maioria pode violar; e os vínculos positivos, gerados pelos direitos sociais, que nenhuma maioria pode deixar se satisfazer"
  82. - Fora do campo de disponibilidade do mercado e da política
  83. - FERRAJOLI: "esfera do que é indecidível"
  84.  
  85. -> "Mais do que a filtragem constitucional, deve o juiz atentar para o controle da convencionalidade das leis ordinárias, ou seja, se o CPP, o CP ou qualquer lei ordinária não está em conflito com a Convenção Americana de Direitos Humanos"
  86.  
  87. 2.2. A superação do dogma da completude jurídica. Quem nos protege da bondade dos bons?
  88. -> "Verificada a vigência de uma norma (dimensão formal), cumpre indagar se ainda assim é possível haver lacunas e conflitos internos (dicotomias)"
  89. - Antinomias e lacunas do sistema são perfeitamente possíveis
  90.  
  91. -> Dogma da completude jurídica está há muito superado
  92. - BOBBIO ensina que a escola da exegese foi abandonada e substituída pela escola científica
  93.  
  94. -> "O papel do juiz no processo penal constitucional é o de alguém que deve fazer a filtragem constitucional e eleger os significados válidos da norma e das versões trazidas pelas partes, fazendo constantemente juízos de valor"
  95. - "É elementar que a administração da justiça não pode depender da bondade, do bom senso ou de qualquer outro tipo de abertura axiológica desse estilo para legitimar o exercício do poder"
  96. - "[...] além da necessária conformidade constitucional, deve o juiz estrito respeito às regras do jogo (e aos valores em jogo), especialmente no processo penal, em que o due process of law adquire um valor inegociável"
  97.  
  98. 2.3. À guisa de conclusões provisórias: rompendo o paradigma cartesiano e assumindo a subjetividade no ato de julgar, mas sem cair no decisionismo. A preocupação com a qualidade da fundamentação das decisões
  99. -> "O juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um"
  100. -> "Não se pode, jamais, adverte com muito acerto STRECK, permitir que o juiz possa dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, ou seja, há limites na formação da decisão e no espaço constitucional de interpretação"
  101. -> "A decisão tem que ser construída no processo penal, em contraditório, e demarcada pelo limite da legalidade (leia-se, respeito às regras do jogo). Não pode ser apenas um 'decido conforme a minha consciência'. Isso seria perfilar-se na superada dimensão da filosofia da consciência e avalizar um perigosíssimo e ilegal decisionismo"
  102. -> Importante avanço com a Lei n. 13.964/2019 e a inserção do art. 315: "A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada" (ver, ainda, § 2º)
  103. - ensejadora de nulidade, vide nova redação do art. 564, inciso V, do CPP)
  104.  
  105. -> A decisão judicial "somente é válida e eficaz quando 'construída processualmente no espaço jurídico discursivo da condicionalidade estatal expressa na estrutura procedimental (devido processo legal) legitimadora de sua prolação"
  106.  
  107. 03) Decisão penal: análise dos aspectos formais
  108. -> Os atos jurisdicionais são classificados nas seguintes categorias:
  109. - DESPACHOS DE MERO EXPEDIENTE: atos meramente ordenatórios, sem cunho decisório e que não causam prejuízo para acusação ou defesa, sendo, portanto, irrecorríveis
  110.  
  111. - DECISÕES:
  112. ~ Interlocutórias SIMPLES: possui um mínimo de caráter decisórios e gera gravame para uma das partes; como regra, não cabe recurso dessa decisão, salvo expressa disposição legal, sem negar-se, contudo, a possibilidade de utilização das ações impugnativas (HC, MS), sendo exemplos a decisão que recebe a denúncia ou queixa, indefere o pedido de habilitação como assistente da acusação etc
  113. ~ Interlocutórias MISTAS: possuem cunho decisório e geram gravame ou prejuízo para a parte atingida; ENCERRAM O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO OU FINALIZAM UMA ETAPA DO PROCEDIMENTO
  114. ~> Podem ser TERMINATIVAS OU NÃO
  115. ~> Como regra, não há produção de COISA JULGADA MATERIAL
  116. ~> Atacáveis pela via do RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (há exceções, quando a lei prevê o recurso de apelação)
  117. -> Exemplos: decisões de rejeição da denúncia ou queixa, pronúncia, impronúncia, desclassificação
  118.  
  119. - SENTENÇAS: podem ter eficácia CONDENATÓRIA, ABSOLUTÓRIA (própria ou imprópria) ou DECLARATÓRIA (extinção da punibilidade)
  120. ~ Pleno cunho decisório, gerando prejuízo para a parte atingida
  121. ~ Como regra, o recurso cabível é o de apelação
  122. ~ Exemplos: sentenças penais condenatórias, absolutórias, a absolvição sumária
  123.  
  124. -> "Excetuando-se os despachos de mero expediente, as decisões e sentenças devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade"
  125. -> "Somente a sentença resolve, com plenitude, acerca do objeto do processo penal, que, como vimos anteriormente, é a pretensão acusatória (cujo elemento objetivo é o caso penal)"
  126. -> Sentença deve conter (cf. art. 381 do CPP):
  127. - Relatório: são indicados os nomes das partes, a descrição objetiva dos acontecimentos do processo
  128. - Motivação: ponto mais importante da sentença, dando-se em duas dimensões (fática, com a valoração das provas, e jurídica, apreciando as teses jurídicas adotadas)
  129. ~ É viável a invocação do art. 489 do CPC, especialmente o disposto no parágrafo primeiro
  130.  
  131. - Dispositivo: se afirmará a absolvição (art. 386 do CPP) ou a condenação (art. 387 do CPP e, ainda, arts. 59 e 68 do CP)
  132.  
  133. -> "Sendo a sentença condenatória, deverá observar o disposto no art. 387 do CPP"
  134. - "Quanto aos incisos I, II e III, devem ser lidos em conjunto com as regras estabelecidas no art. 59 e s. do Código Penal, que disciplinam a dosimetria da pena"
  135. - "O inciso IV é uma inovação introduzida pela Lei n. 11.719/2008, que alterou a sistemática brasileira para permitir a cumulação da pretensão acusatória com outra, de natureza indenizatória"
  136. ~ Vide, ainda, parágrafo único do art. 63
  137. ~ Essencial, nesse caso, que conste expressamente na inicial acusatória o pedido de pagamento de um valor mínimo para a reparação dos danos causados
  138.  
  139. - Inciso V está revogado, desde a reforma da parte geral do Código Penal de 1984
  140.  
  141. 04) Princípio da congruência (ou correlação) na sentença penal
  142. 4.1. A imutabilidade da pretensão acusatória. Recordando o objeto do processo penal
  143. -> "Além do estudo dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e também das regras do sistema acusatório (como veremos na continuação), a correlação vincula-se ao objeto do processo penal"
  144. -> Objeto do processo penal = pretensão acusatória, cujo titular é o Ministério Público ou o particular
  145. - Exercício da pretensão acusatória é a ACUSAÇÃO, sendo ela quem "demarca os limites da decisão jurisdicional"
  146.  
  147. -> "Ao acusador (público ou privado) corresponde apenas o poder de invocação (acusação), pois o Estado é o titular soberano do poder de punir, que será exercido no processo penal através do juiz e não do Ministério Público (e muito menos do acusador privado)"
  148. -> BADARÓ: "é preciso explicar que o objeto do processo penal está ligado à imputação, que consiste na formulação da pretensão processual penal [...], isto é, o fato enquadrável em um tipo penal, que se atribui a alguém e que deve PERMANECER IMUTÁVEL AO LONGO DO PROCESSO, pois o OBJETO DA SENTENÇA TEM DE SER O MESMO OBJETO DA IMPUTAÇÃO"
  149. -> A regra geral é a imutabilidade do objeto do processo penal
  150. - Garantia da vinculação temática do juiz, da imparcialidade
  151. - Juiz não tem a gestão da prova tampouco invade o elemento objetivo da pretensão para alterá-lo
  152.  
  153. -> A regra é relativizada através dos institutos da "emendatio libelli" e "mutatio libelli", previstos nos arts. 383 e 384 do CPP
  154. - Para "realizar qualquer modificação é imprescindível observar-se os princípios da inércia (e sua vinculação ao sistema acusatório), da jurisdição, do direito de defesa e, principalmente, do contraditório"
  155.  
  156. 4.2. Princípios da correlação ou congruência: princípios informadores. A importância do contraditório e do sistema acusatório
  157. -> ARAGNESES ALONSO, congruência: princípio normativo dirigido a delimitar as faculdades resolutórias do órgão jurisdicional, pelo qual deve existir identidade entre a decisão e o debatido, oportunamente, pelas partes
  158. - Vincula-se com o princípio da inércia da jurisdição e com o contraditório
  159.  
  160. -> BADARÓ: "do 'ne procedat iudex ex officio' deriva que o juiz não pode prover sem que haja um pedido e, como consequência, daí
  161. decorre outro princípio:"
  162. - O "juiz não pode prover diversamente do que lhe foi pedido"
  163.  
  164. -> Não pode o juiz decidir sobre questões que não foram debatidas pelas partes no processo
  165. - Necessidade de releitura do art. 383 do CPP
  166. - Limites da decisão vêm demarcados por uma dupla dimensão: acusação e contraditório
  167.  
  168. -> A correlação entre a imputação e a decisão se opera tanto no interior da instrução quanto nas relações que se estabelecem entre a instrução e o julgamento
  169. - "A correlação na verdade não é apenas entre acusação e sentença, mas entre acusação, defesa, instrução e sentença"
  170.  
  171. -> É possível alterar a pretensão acusatória, mas desde que exista estrita observância do contraditório
  172. - "Dessarte, é evidente a incompatibilidade do contraditório e do sistema acusatório com o ativismo judicial, ou seja, com o juiz agindo de ofício nessa modificação da pretensão acusatória"
  173.  
  174. 4.3. A complexa problemática da EMENDATIO LIBELLI - Art. 383 do CPP. Para além do insuportável reducionismo do axioma narra mihi factum, dabo tibi ius. Rompendo os grilhões axiomáticos
  175. -> Art. 383 do CPP estabelece a emendatio libelli, nos seguintes termos:
  176. - Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
  177. § 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
  178. § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.
  179.  
  180. -> Emendatio Libelli "não se ocupa de fatos novos, surgidos na instrução, mas sim de fatos que INTEGRAM A ACUSAÇÃO e que devem ser objeto de uma MUTAÇÃO NA DEFINIÇÃO JURÍDICA"
  181. -> "Infelizmente, o senso comum teórico segue afirmando que o réu se defende dos fatos, de modo que a emendatio libelli seria uma mera correção na tipificação, que o juiz poderia fazer nos termos do art. 383 sem qualquer outra preocupação"
  182. - Isso é identificado em parte da doutrina e predominantemente nos tribunais brasileiros
  183.  
  184. -> Em "muitos casos, a correção na tipificação legal decorre, na essência, do desvelamento de nova situação fática, como sói ocorrer, v.g., na mudança de crime doloso para culposo"
  185. -> Há diferenças no conceito de fato para o Direito Penal e para o processo penal
  186. - No primeiro, relaciona-se com o tipo penal abstrato; no segundo, confunde-se com o fato concreto, o que aconteceu na vida real
  187. - "Essa distinção será útil para analisar-se em que medida é possível a alteração do fato, sem que isso conduza a uma mutação da pretensão acusatória (objeto do processo penal)"
  188.  
  189. -> Qualificação jurídica do fato é elemento imprescindível da acusação (cf. art. 41 do CPP)
  190. -> Fato processual é mais amplo que o fato penal, "pois abrange o acontecimento naturalístico, com todas as suas circunstâncias e também a classificação do crime (exigência do art. 41); ou seja, fato processual = fato natural + fato penal"
  191. -> "Seguindo o estudo, se mudanças no fato processual podem ser irrelevantes para o direito penal, o sentido inverso não é verdadeiro"
  192. -> "As chamadas 'questões de direito' estão intimamente vinculadas ao fato penal e, portanto, estão abrangidas pelo conceito de fato processual, devendo o juiz, ainda que o art. 383 não exija, oportunizar às partes que se manifestem sobre a possibilidade (ou não) de uma modificação na qualificação jurídica"
  193. -> Problemas:
  194. - Se a nova capitulação legal importar em delito cuja ação penal é de iniciativa privada ou condicionada à representação, e já tiverem passados os 6 meses do prazo legal, haverá decadência
  195. - Quando o processo inicia através de queixa-crime e o juiz procede a emendatio libelli, resultando em um tipo penal cuja ação é de iniciativa pública, o processo originário deverá ser extinto por manifesta ilegitimidade ativa
  196. ~ Mas isso não impede que o Ministério Público ofereça denúncia (salvo nos casos de prescrição)
  197. ~ A queixa-crime supre a representação, se for o caso
  198.  
  199. -> "Mas deve-se ter muita cautela nessa matéria, pois a mera redução do fato na sentença, em razão da falta de provas de sua ocorrência, não gera uma sentença incongruente, pois existem casos de desclassificação que não exigem a mutatio libelli"
  200. - Exemplo: peculato -> apropriação indébita
  201. roubo -> furto
  202.  
  203. - Tipo penal "decomponível", pois o afastamento de uma elementar, por falta de prova, conduz a uma "atipicidade relativa"
  204.  
  205. -> Em síntese:
  206. - Existe alteração processual e penalmente relevante, situação em que o aditamento é imprescindível, nos termos do art. 384
  207. - A alteração é apenas do fato processual, sendo penalmente irrelevantes as mutações, mas imprescindível a "mutatio libelli"
  208. - Não há alteração do fato processual (apenas na dimensão da tipificação legal), sendo aplicável a emendatio libelli, nos termos do art. 383 do CPP, mas com a exigência de contraditório prévio em relação às questões de direito
  209.  
  210. -> "Ainda que a mutatio libelli não seja imprescindível nesses casos, pois não existe um fato novo, impõe-se que o juiz atente para a garantia do contraditório e, ainda, que dispense o aditamento, pelo menos oportunize às partes que se manifestem previamente sobre a possível (nova) tipificação legal atribuível aos fatos, ou, no mínimo, que tenham oportunizada vista para conhecimento e manifestação após a emendatio libelli"
  211.  
  212. 4.4. É possível aplicar o art. 383 quando do recebimento da denúncia?
  213. -> "[S]ustentamos a possibilidade de aplicação do art. 383 no momento do recebimento da denúncia, com o natural contraditório em relação a essa nova classificação jurídica do fato, que já se dará na resposta à acusação. Inclusive, quanto mais cedo for aplicado o art. 383, melhor, adverte PRADO, pois só assim se garante a máxima eficácia do contraditório e da estrutura acusatória do sistema processual"
  214.  
  215. OBS: É possível "emendatio libelli" em segundo grau (art. 617 do CPP), exceto se for caso de recurso exclusivo da defesa e essa modificação importar pena mais grave (AURY NÃO CONCORDA)
  216.  
  217. 4.5. MUTATIO LIBELLI - Art. 384 do CPP. O problema da definição jurídica mais favorável ao réu e a ausência de aditamento
  218. -> Diferente da emendatio libelli (onde há alteração de classificação jurídica), na mutatio libelli há alteração do fato, nos termos do art. 384 do CPP:
  219. - Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a
  220. denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
  221. § 1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
  222. § 2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
  223. § 3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.
  224. § 4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
  225. § 5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.
  226.  
  227. -> Incumbe exclusivamente ao acusador proceder a mutatio libelli
  228. -> Parágrafo primeiro é inconstitucional, se considerada a redação original do art. 28
  229. -> "O campo de incidência do art. 384 é distinto daquele previsto para o art. 383, pois aqui existe um fato processual novo, ou seja, nenhuma dúvida ou discussão se estabelece em torno do binômio fato penal/fato processual ou, ainda, questões de fato e questões de direito"
  230. - "A nova definição jurídica decorre da PRODUÇÃO DE PROVA de uma ELEMENTAR ou CIRCUNSTÂNCIA não contida na acusação"
  231. ~ Elementar: dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta ou relativa
  232. ~ Circunstâncias: elementos acessórios, "satelitários" em relação ao tipo penal, afetando apenas a dosimetria da pena
  233.  
  234. -> A mutatio libelli seria possível uma vez encerrada a instrução
  235. - Iniciativa é exclusiva do MP, "e a queixa a que faz menção o artigo não é originária, mas sim a queixa subsidiária (art. 29 do CPP), aquela situação excepcional em que o ofendido, em crime de ação penal de iniciativa pública, pode propor a queixa, diante da inércia do parquet"
  236.  
  237. -> Prazo de aditamento é de 5 dias
  238. - "Mas, feito o aditamento, será objeto de análise pelo juiz nos mesmos termos em que o é a denúncia, podendo ser recebido ou rejeitado nos termos do art. 395 do CPP"
  239. - "Nesse ato deverá o Ministério Público arrolar até 3 testemunhas"
  240.  
  241. -> O § 2º estabelece que "ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento"
  242. - "Em que pese a redação não ser das melhores, pensamos que o juiz deverá abrir o prazo de 5 dias para manifestação escrita da defesa e, somente após a resposta da defesa, decidir entre receber ou rejeitar o aditamento"
  243.  
  244. -> E caso a nova definição jurídica do fato seja mais favorável ao réu, pode o juiz decidir nessa linha sem prévio aditamento do Ministério Público?
  245. - Duas soluções, segundo AURY:
  246. ~ Diante da inércia do MP, o juiz aplica o art. 28 do CPP; e após o aditamento, o juiz pode julgar o crime que é mais favorável ao réu
  247. ~ Não havendo aditamento, e afastada a figura mais gravosa ao réu pelo contexto probatório, deverá o juiz absolver o réu, pois não está demonstrada a tese acusatória (o contrário seria proferir uma sentença incongruente e, portanto, nula)
  248.  
  249. -> Súmula 453 do STF: "Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa"
  250.  
  251. 4.6. Mutações: de crime doloso para culposo; consumado para tentado; autor para partícipe e vice-versa. Necessidade de Mutatio Libelli
  252. -> Alterações feitas na imputação, em torno dos elementos subjetivo (dolo) e normativo (culpa) afetam a regra da correlação?
  253. - Para AURY, sim: "A rigor, não cabe a modificação de tipo doloso para tipo culposo sem mutatio libelli"
  254. - A alteração de doloso para culposo não é apenas correção da tipificação legal, mas sim, implica em alteração da situação fática
  255.  
  256. -> Na mudança de crime consumado para tentado e vice-versa, há alteração da situação fática, o que atrai a necessidade de observância do art. 384 do CPP
  257. -> Na alteração de autor para partícipe e vice-versa, tratam-se de situações fáticas distintas, o que exige a aplicação do previsto no art. 384 do CPP
  258. -> "Situação completamente distinta ocorre quando há apenas uma redução da imputação por ausência de provas, e, sendo o tipo penal decomponível, possível a condenação por outro delito sem a necessidade de aditamento (não é caso de mutatio libelli), pois o afastamento da elementar, por falta de prova, conduz a uma atipicidade relativa"
  259.  
  260. 4.7. As sentenças incongruentes. As classes de incongruência. Nulidade
  261. -> Incongruência por extra petita
  262. - Quando o juiz julga "fora" do que foi imputado ao réu, atua de ofício, violando o contraditório e o sistema acusatório
  263. - "É uma sentença extra petita aquela em que o juiz, sem prévio aditamento do Ministério Público, altera o objeto do processo penal, ou, mais especificamente, diante de uma mudança do fato processual, não respeita o necessário contraditório e a regra do art. 384 do CPP"
  264. ~ Inclui casos em que o delito doloso é desqualificado para o delito culposo
  265.  
  266. -> Incongruência por citra petita
  267. - É quando a sentença fica aquém do que foi pedido
  268. - "É incongruente a sentença (citra petita) que condena o réu pela figura simples, sem justificar o afastamento da qualificadora"
  269.  
  270. -> Violação à regra da correlação conduz à nulidade absoluta, nos seguintes termos:
  271. - Quando é citra petita: o juiz julga menos do que deveria em relação à imputação, violando o disposto no art. 5º, LV, da Constituição e gerando a nulidade prevista no art. 564, III, "m", do CPP;
  272. - Quando é extra petita, o juiz julga fora da imputação, violando os arts. 5º, LV, e 129, I, da Constituição, causando a nulidade prevista no art. 564, III, "a", do CPP (pois está condenando sem denúncia em relação àquele fato)
  273.  
  274. -> Quanto à extensão da nulidade na sentença, há que se analisar caso a caso, pois nem sempre a nulidade será total
  275.  
  276. 4.8. Pode(ria) o juiz condenar quando o Ministério Público requerer a absolvição? O eterno retorno ao estudo do objeto do processo penal e a necessária conformidade constitucional. A violação da regra da correlação
  277. -> Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada
  278. -> "O Ministério Público é o titular da pretensão acusatória, e, sem o seu pleno exercício, não se abre a possibilidade de o Estado exercer o poder de punir, visto que se trata de um poder condicionado"
  279. - "Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém"
  280. - Nesses casos, não poderia o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação
  281.  
  282. -> "Igualmente grave – e nula a sentença – é a previsão feita na última parte do art. 385 do CPP: poderá o juiz reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada na acusação"
  283.  
  284. 05) Coisa julgada formal e material
  285. -> LEONE: Coisa julgada significa coisa sobre a qual há recaído a decisão do juiz, expressa, portanto, uma entidade passada, fixa, firme no tempo
  286. -> Coisa julgada: decisão imutável e irrevogável; significa imutabilidade do mandamento que nasce da sentença
  287. - É uma garantia individual, prevista no art. 5o, XXXVI, daCF
  288. - Possui dupla dimensão:
  289. ~ Constitucional: como garantia individual
  290. ~ Processual: preclusão e imutabilidade da decisão
  291.  
  292. - Está posta a serviço do réu, evitando que este seja julgado novamente pelo mesmo fato em outro processo
  293. ~ Por isso somente se permite a revisão criminal quando favorável ao réu
  294.  
  295. -> Qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente pode ser feita em favor da defesa
  296. -> Coisa julgada poderá ser formal ou material, sendo que a segunda pressupõe a primeira
  297. - Formal: há decisão irrecorrível ou que se torna preclusa (imutável no próprio processo, sem que haja a produção exterior de seus efeitos)
  298. - Material: quando há julgamento sobre o mérito e há a produção exterior dos efeitos da decisão (é imutável para além do processo)
  299.  
  300. -> "A coisa julgada no processo penal é peculiar, pois somente produz sua plenitude de efeitos (coisa soberanamente julgada) quando a sentença for absolutória ou declaratória de extinção da punibilidade, pois nesses casos não se admite revisão criminal contra o réu (ou pro societate), ainda que surjam (novas) provas cabais da autoria e materialidade"
  301. - "Já a sentença condenatória, por ser passível de revisão criminal a qualquer tempo, inclusive após a morte do réu (art. 623 do CPP), jamais produzirá uma plena imutabilidade de seus efeitos"
  302.  
  303. -> Quando ocorre somente a coisa julgada formal, diz-se que houve preclusão; já o trânsito em julgado conduz à coisa julgada material, e somente se produz nos julgamentos de mérito"
  304.  
  305. 5.1. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada
  306. -> Limites objetivos: dizem respeito ao fato natural, objeto do processo e posterior sentença, não interessando a qualificação jurídica que receba
  307. - "A coisa julgada proíbe que exista uma nova acusação em relação ao mesmo fato natural"
  308.  
  309. -> Limites subjetivos: a coisa julgada fica circunscrita, subjetivamente, pela identidade da pessoa do réu (e, objetivamente, pela identidade do fato)
  310. -> "Como explica MAIER, para que a regra da coisa julgada funcione e produza seu efeito impeditivo característico, a imputação tem de ser idêntica, e isso somente ocorre quando tiver por objeto o mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa. Assim, nada impede que outras pessoas sejam acusadas pelo mesmo fato (seja porque se demonstrou a participação ou coautoria, ou ainda porque o réu foi absolvido), ou ainda que o réu seja novamente processado por outros fatos criminosos praticados"
  311.  
  312. 5.2. Algumas questões em torno da abrangência dos limites da coisa julgada. Circunstâncias elementares não contidas na denúncia. O problema do concurso de crimes. Concurso formal, material e crime continuado. Crime habitual. Consumação posterior do crime tentado.
  313. -> BADARÓ: "ao se julgar a imputação, ainda que todo o fato naturalístico não tenha sido imputado, a coisa julgada irá se formar sobre o acontecimento da vida em sua inteireza, o que impedirá a nova imputação sobre o mesmo fato"
  314. - O "que faz coisa julgada no juízo criminal é fato tal como efetivamente realizado, independentemente do acerto ou equívoco na sua imputação"
  315. - "O afetado pela coisa julgada é o fato natural com todas as suas circunstâncias e/ou elementares, tenham sido ou não incluídas na acusação"
  316.  
  317. -> Concurso formal: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
  318. -> Continuidade delitiva: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
  319. -> Crime habitual: o manto da coisa julgada acoberta todo o fato natural
  320. -> Concurso material: o manto da coisa julgada NÃO ACOBERTA todos os fatos naturais
  321. -> A "coisa julgada impede novo processo quando houver a produção posterior de resultado mais grave"
  322. - Ex. tentativa de homicídio quando a morte efetivamente se dá após a sentença transitada em julgado
  323.  
  324. -> A "sentença penal absolutória, mesmo que absolutamente nula, uma vez transitada em julgado, produz plenamente os efeitos da coisa julgada material, não mais podendo ser alterada"
  325.  
  326. SEGUNDA PARTE - RECURSOS
  327. 01)
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