Pra Dudu ler

Tempo é diferente?
Estava sentada na frente da máquina de escrever, mas não estava escrevendo nada. Não pensem que por falta de ideias, mas sim porque eu tinha tantas que estavam se sobrepondo umas sobre as outras, e eu sabia que se escrevesse tudo aquilo minha crônica ficaria sem nexo, sem pé nem cabeça, como minha avó disse rindo ao ouvir essas baboseiras.
 Eu sempre, em todas as hipóteses, escrevo sobre mim. Não sou uma dessas escritoras que têm criatividade suficiente para inventar histórias, (bem, nem sei se posso ser considerada uma, mas sempre sonhei em ser), afinal, acredito que no fundo todo escritor escreve, nem que seja um pouco, sobre si.
Na minha vida estava tudo indo mal, como diz Mallu Magalhães, “o tempo anda difícil, e a vida tropeçando”. “O tempo anda difícil...”, “o tempo anda...”, será que tempo anda? Pra mim ele corre. Mas depende do momento, quando estou sentada olhando o sol se pôr e as estrelas começarem a aparecer e escuto minha mãe gritar ‘menina, desce daí, tá ficando tarde’, parece até que o tempo correu, correu tanto, só pra me ver desgostosa. Por outro lado, quando estou num lugar que eu não queria, que fico contando os segundos pra ir embora, parece que o tempo começa a andar tão devagar, só pra me ver desgostosa.
Agora, falando/escrevendo assim pareceu que o tempo só quer nos ver desgostosos. Mas, a função do tempo é andar, a gente que se distraí e não vê que ele anda sempre do mesmo jeito, um segundo é sempre um segundo, um minuto nunca é uma hora, e assim por diante.
Sentada daqui vejo muitas coisas, olho pela janela e lá embaixo, cinco andares de distância há um casal sentado na praça, para eles, provavelmente, o tempo está correndo, mas para o senhor vendendo pipoca ao lado deles, nem tanto.
Temos somente que aprender a ver os dois lados, os dois lados da moeda, como disse, de novo, a minha avó. Ela, depois que eu terminei de ler disse assim “sabe, pra mim o tempo sempre foi diferente, eu acreditava que ele era assim também, parei pra pensar por esse lado. Mas, teve um tempo que eu passei a crer que o tempo é sim diferente para todos, veja, meu amor, pense comigo, o tempo para uma velha, como eu, é o mesmo para uma criança que acabou de nascer? Para mim o tempo já andou, correu, tropeçou e se levantou muito mais vezes do que para essa criança. O tempo pode ser o mesmo durante anos, séculos, milênios, mas cada pessoa extrai o que para si é o melhor dele. Talvez eu esteja certa, ou talvez eu só pense assim porque estou mais perto da morte e vejo tudo diferente, quem sabe?!? Só o próprio tempo vai dizer o que o tempo é.”
Minha avó com certeza estava certa, ela sempre estava, o tempo colocou as coisas no lugar, mas infelizmente o lugar dela não era aqui comigo... E como ela sempre costumava dizer:
“O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem, e eu respondi pro tempo que ele tem o tempo que eu quero que ele tenha. EU SOU DONA DO MEU TEMPO, ouviu tempo?”
Adeus, vovó.