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CPLP

Sep 16th, 2018
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  1. Hoje a Escola de Guerra Naval encerra os debates da V Conferência das Marinhas da CPLP. Ao sediar o evento, o Brasil aprofunda os compromissos que vem firmando com seus irmãos lusófonos desde 1996, ano de fundação da Comunidade. Quando falamos da CPLP, devemos ter em mente que ela não é um projeto de governo, mas de Estado. Foi idealizada no âmbito do Itamaraty em 1993. Na época, nossas Forças Armadas contribuíam para a estabilização de Angola e Moçambique, participando de quatro missões de paz – UNAVEM-I, UNAVEM-II, UNAVEM-III e ONUMOZ. À luz daquele contexto, ficou claro que o Brasil reunia condições para exercer um papel geopolítico singular no Atlântico Sul e na costa ocidental da África, sobre a qual se debruçam quatro nações lusófonas: São Tomé e Príncipe, Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau.
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  3. Os mais céticos costumam indagar qual tem sido o retorno econômico obtido pelo Brasil com sua participação na CPLP. Via de regra, este questionamento vem de indivíduos que ignoram os ganhos consistentes que o País vem acumulando em termos de prestígio, influência diplomática e projeção geopolítica, que se convertem em ganhos econômicos no longo prazo. Para constatá-los, basta observar os superávits que o Brasil obtém no seu comércio com países da África ocidental - lusófonos ou não. Quantos aqui sabem que 10% do PIB de Angola é gerado por multinacionais brasileiras? E que lá vivem milhares de compatriotas nossos? Além disso, várias previsões apontam o Atlântico Sul como arena de uma corrida por petróleo off-shore e nódulos polimetálicos, com repercussões para os interesses do Brasil. Não é por acaso que os EUA e a China têm buscado aumentar sua influência na área, fornecendo assistência militar aos países da costa africana no combate à pirataria e ao terrorismo. A região figura em 2º lugar no ranking de ataques a navios-tanques e plataformas de petróleo.
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  5. O Brasil, dentro dos limites impostos pelo seu orçamento, tem contribuído para o reforço da segurança marítima do Atlântico Sul, tema das cinco conferências realizadas pelas Marinhas da CPLP desde 2008. A Marinha Brasileira mantém missões permanentes em duas nações lusófonas – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe –, a cujos oficiais ministra treinamento e instrução teórica. Elas se somam à missão instalada na Namíbia, admitida na CPLP na condição de sócia-observadora. Ao mesmo tempo, deste lado do Atlântico Sul, dezenas de militares oriundos de Angola e demais países da CPLP freqüentam as escolas das Forças Armadas Brasileiras.
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  7. Portugal também tem prestado valiosa colaboração nesta tarefa, com destaque para o acordo assinado em 2015, que autoriza sua Marinha a patrulhar as águas de São Tomé e Príncipe, cuja Guarda Costeira não consegue enfrentar a pirataria e o terrorismo sem ajuda externa. Ademais, teve a nação lusitana a fidalguia de ceder seu território para a instalação do Secretariado Permanente de Assuntos de Defesa da CPLP.
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  9. Seria possível enumerar outras atividades conduzidas no âmbito da CPLP, como as freqüentes reuniões entre Chefes de Estado-Maior e Diretores de Inteligência das Forças Armadas dos países-membros, que propiciam a troca oportuna de informações e pareceres sobre problemas de segurança, viabilizando consensos e ações conjuntas. Ou mencionar a Operação Felino, cuja 18ª edição ocorrerá no próximo mês, na forma de exercício combinado para eventuais missões de paz – cenário sempre possível, dada a instabilidade crônica de Guiné-Bissau. Pode-se citar, ainda, a doação de fuzis, lanchas e uniformes às guardas costeiras de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, bem como o recente envio do navio-patrulha 'Araguari' para manobras de adestramento com ambas.
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  11. A CPLP OCUPA LUGAR CENTRAL NO ESFORÇO DO BRASIL PARA EXERCER O PAPEL GEOPOLÍTICO QUE LHE CABE NO ATLÂNTICO SUL
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  13. A cooperação militar do Brasil com seus pares da CPLP se inscreve num contexto mais amplo de projeção estratégica do País no Atlântico Sul, que inclui a participação da Marinha nas manobras IBSAMAR e ATLASUR, a adesão da Namíbia e do Senegal ao CDRL-LRIT Brasil, a venda de Super Tucanos à Nigéria e a prevista exportação de navios NPa 500-BR para países daquela região. Em linhas gerais, nossa atuação na área prende-se a três objetivos:
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  15. (1) Reforçar a segurança marítima da costa ocidental africana, incrementando a capacidade das forças militares locais para proteger navios e plataformas de petróleo contra ações de pirataria e terrorismo. E aqui não se trata apenas dos quatro países lusófonos, embora eles mereçam atenção prioritária. Estamos falando do Congo, onde a MONUSCO é comandada pelo General Elias Rodrigues Martins Filho, e da Nigéria, onde cidades inteiras já caíram sob controle do Boko Haram. Quem imagina que a queda da Nigéria não afetaria o Brasil pode mudar de idéia lendo algumas reportagens ("Brasil aceita pedido de refúgio de nigerianos", "Brasil vira destino de nigerianos em fuga do Boko Haram", "Boko Haram alia-se ao Estado Islâmico").
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  17. (2) Viabilizar a estabilização política dos países situados na costa ocidental africana, sobretudo Guiné-Bissau, cujo histórico de rebeliões decorre da sua posição de trampolim dos narco-aviões que saem da América do Sul para a Europa. A infiltração do narcotráfico nas instituições só será minorada com a profissionalização das Forças Armadas locais. O Brasil está devendo uma contribuição mais expressiva para esta tarefa. O País fornece instrutores ao UNIOGBIS, mas até hoje não cumpriu o acordo bilateral que prevê a instalação de uma missão das Forças Armadas Brasileiras em Guiné-Bissau, ratificado há 10 anos (Projeto de Decreto Legislativo nº 89/2008). Prestar assistência direta seria melhor do que fazê-lo por intermédio da ONU.
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  19. (3) Assegurar que a arquitetura de segurança e defesa do Atlântico Sul não será moldada por interesses extra-regionais incompatíveis com os interesses do Brasil. É notório que atores externos – como China, EUA e União Européia – buscam influenciar o ambiente geoestratégico da área, perseguindo objetivos que podem ser coincidentes ou conflitantes com os propósitos do Brasil, conforme o caso.
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  21. O tópico (3) merece uma reflexão. Falemos primeiro da segurança cooperativa. Algumas iniciativas americanas e européias buscam melhorar a capacidade de vigilância e interdição antipirataria, antinarcóticos e antiterrorismo das esquadras locais, razão pela qual recebem apoio do nosso País. Para citar apenas três exemplos, a Marinha Brasileira participou do exercício Obangame Express 2017, que reuniu a US Navy, a Marinha angolana e as forças navais outras 13 nações da costa africana. Também assessora oficiais do Centro de Coordenação Inter-Regional, construído em Camarões com verbas da União Européia. A Marinha lusa, por sua vez, capacitou os militares cabo-verdianos encarregados de operar o COSMAR - Centro de Operação e Segurança Marítima, erguido com doações do United States Africa Command. Enfim, estamos falando de iniciativas que, embora provenientes de potências extra-regionais, coincidem com os interesses brasileiros naquele espaço. São esforços que se somam ao trabalho da CPLP para combater a proliferação de ameaças transnacionais na região.
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  23. Entretanto, nem sempre a influência de atores externos é compatível com as aspirações da Nação Brasileira. Falemos da segurança conflitiva. Não raro, a conduta de algumas potências extra-regionais introduz elementos desestabilizadores, competitivos e predatórios no ambiente político-estratégico do Atlântico Sul. Os exemplos são vários. Desde 2013, o Brasil trava uma corrida com a Rússia e a França pelo direito de preferência na exploração de minerais na Elevação do Rio Grande, em águas internacionais. Vence quem primeiro encontrar jazidas e apresentar requerimentos à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, órgão da ONU responsável pelo tema. Além disso, continua pendente o litígio anglo-argentino pelas Ilhas Malvinas, frente ao qual o Brasil mantém seu apoio diplomático a Buenos Aires. Some-se a isso que os EUA mantêm uma estação de espionagem eletrônica na Ilha de Ascensão, como parte da rede Echelon, utilizando-a inclusive para interceptar comunicações brasileiras. E por fim, deve-se ter em mente que os dois países permanecem em campos antagônicos em matéria de Direito do Mar. Os EUA não ratificaram a Convenção de Montego Bay e, portanto, não reconhecem a soberania do Brasil sobre as suas águas jurisdicionais. Reafirmaram esta posição em 2004, quando a delegação americana contestou os levantamentos batimétricos feitos pela Marinha e apresentados à ONU para justificar os limites da nossa Plataforma Continental. E voltaram a realçá-la em 2014, quando a US Navy realizou um exercício do tipo 'Freedom of Navigation' na Zona Econômica Exclusiva do Brasil – uma óbvia provocação. Quanto à China, algumas avaliações produzidas no âmbito da Marinha indicam que ela vem erodindo a influência militar do Brasil na Namíbia, uma vez que as embarcações doadas por Pequim sempre serão mais baratas do que aquelas vendidas pela dupla INACE-Emgepron. Pode-se presumir que o mesmo esteja acontecendo em outros países da costa ocidental africana, o que tende a dificultar a planejada exportação do NPa 500-BR.
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  25. Diante das adversidades acima, há quem alegue que o Brasil deve abrir mão de certos objetivos no Atlântico Sul, dadas as suas desvantagens competitivas no campo econômico e as deficiências do seu aparato militar frente aos atores em cena. O argumento parece sedutor em tempos de recessão. Com efeito, o poder naval brasileiro é insuficiente para desencorajar ações unilaterais de potências extra-regionais no Atlântico Sul. Tanto o Prosub como o Prosuper estão com seus cronogramas atrasados, mercê da verba liberada a conta-gotas. O primeiro submarino nuclear deveria ter sido comissionado em 2017, mas só sairá em 2020, como vimos na palestra do Almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, postada aqui no dia 1º. Hoje dificilmente a Marinha teria condições de fazer frente à Hipótese de Emprego B, prevista na Estratégia Militar de Defesa: "Defesa da soberania, com a preservação da integridade territorial, do patrimônio e dos interesses nacionais relativos ao Oceano Atlântico" (Portaria Normativa nº 578, Confidencial, de 27 de dezembro de 2006). Entretanto, esta transitória debilidade não impede o Brasil de defender seus interesses por outros meios. É verdade que o Brasil não consegue dissuadir ações militares unilaterais, mas é igualmente verdadeiro que sem o seu apoio nenhuma potência extra-regional consegue viabilizar ou modificar arranjos multilaterais de segurança no Atlântico Sul. Encontraria grande dificuldade para fazê-lo sem respaldo do Brasil, dado o peso regional do País. Prova disso tivemos em 2010, quando a Marinha Brasileira boicotou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, proposta por alguns países da OTAN (Relatório nº 02/2011, da Subchefia de Política e Estratégia do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas). Aliás, esta foi a rationale que levou o Brasil a costurar a criação da ZOPACAS em 1986: preservar o Atlântico Sul como zona neutra, impedindo que as tensões EUA x Rússia-China afetem esta parte do globo.
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  27. E O QUE ISSO TUDO TEM A VER COM GUERRA CULTURAL?
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  29. A esta altura, alguns leitores devem estar se indagando: "Mas o que levou o administrador da página a escrever um post tão extenso sobre a V Conferência das Marinhas da CPLP? E o que isso tem a ver com guerra cultural?" Tem tudo a ver. O silêncio das redes sociais sobre este evento é o sintoma de uma doença – doença tão profunda que sequer é percebida como tal pelo paciente: o nosso imaginário político e cultural vem sendo colonizado por valores completamente estranhos à formação da nacionalidade brasileira. Conseqüentemente, os posts sobre política internacional priorizam temas que pouca importância têm para os interesses do País. E para piorar, o debate é travado a partir de referenciais alheios à nossa realidade e às nossas origens. Muitos nem reparam na redoma mental em que estão aprisionados.
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  31. Reflitamos por um instante. Recordem a quantidade de posts que os brasileiros publicaram, compartilharam e comentaram sobre a crise da Coréia e a guerra na Síria, questões que não afetam os interesses vitais do Brasil. E o pior: 99% dos internautas discutiram tais temas partindo de premissas ideológicas. Quase ninguém tentou debatê-los tomando como referência as repercussões indiretas que poderiam atingir o Brasil. Isso nos leva ao que foi dito no post de 28 de junho: "Certos aspiras da direita pensam e falam como se morassem em Nova York, enquanto ignoram os desafios enfrentados pelo seu próprio País. Na verdade, são muito mais liberais do que conservadores, muito mais americanos do que brasileiros" (link abaixo, na seção de comentários).
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  33. Em circunstâncias normais, hoje veríamos numerosos posts sobre a V Conferência das Marinhas da CPLP. O evento mobilizaria a atenção dos internautas, que comentariam o tema tomando como referência o Brasil, as suas aspirações, a sua História e o seu Destino. As pessoas debateriam a situação internacional com base nas nossas prioridades, tendo como lastro o ethos do estamento diplomático-militar, bem como a nossa formação lusitana. As discussões estariam centradas no nosso Entorno Estratégico – que abrange a América do Sul, o Atlântico Sul e a costa ocidental africana, tal como definem os documentos das Forças Armadas. E obviamente também envolveriam as relações Brasil-EUA, Brasil-China, Brasil-Espanha, etc., com tudo que elas trazem de riscos e oportunidades, além das relações Brasil-Portugal, importantíssimas.
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  35. Isso não aconteceu nem acontecerá tão cedo, porque boa parte da 'nova direita brasileira' está dopada pelo liberalismo anglo-americano, esta praga anticatólica e antinacional que virou moda em certos bolsões. Aliás, o neodireitista tupiniquim costuma ser uma figura engraçada. O tipo de pergunta que ele faz ("Qual o retorno econômico obtido pelo Brasil com sua participação na CPLP?") já evidencia a obsessão dinheirista que permeia algumas seitas pseudo-cristãs. Via de regra, ele repete chavões assimilados na UFF – Universidade Federal do Facebook. No máximo, conhece autores do pensamento liberal ou 'liberal-conservador' (expressão que sequer deveria existir), mas ignora por completo os autores da 'velha direita', que inclusive era predominante até os anos 80. Desconhece a Doutrina Social da Igreja, desconhece os expoentes do tradicionalismo católico, desconhece toda a escola geopolítica gerada no seio das Forças Armadas, desconhece o acervo diplomático do Itamaraty, bem como a conexão deste e daquela com a nossa origem lusitana. Resumindo, o neodireitista típico costuma ser um cabo eleitoral do Partido Republicano dos EUA. Quando muito, tenta macaquear o 'conservadorismo' da Inglaterra, aquele país cuja tradição postiça se assenta numa igreja fake/cismática, criada de afogadilho para legalizar a fornicação do rei com uma prostituta.
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  37. Por que esta reflexão? Porque hoje, pela primeira vez em muitos anos, existem condições para o surgimento de um sólido movimento reacionário em nosso País. Sim, reacionário, porque nas atuais circunstâncias não basta ser conservador. Portanto, a oportunidade existe, mas nenhuma direita brasileira prosperará em bases duradouras se não tomar para si a bandeira do patriotismo, o que significa examinar todos os problemas à luz da fé católica e dos interesses nacionais, especialmente os problemas de política externa.
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  39. Uma última palavra sobre a V Conferência das Marinhas da CPLP. A página parabeniza a Escola de Guerra Naval pela iniciativa de hospedar o evento e espera que instituição publique, como de costume, as respectivas atas e vídeos. Felizmente, a CPLP não é um bloco comercial. Ela é muito mais do que isso. É um espaço de cooperação econômica, cultural e militar entre nações que se acham indissoluvelmente ligadas por laços de sangue, porque a Portugalidade é acima de tudo uma grande família.
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