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BDF

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Oct 25th, 2014
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  1. 85.
  2.  
  3. A curva se inclina mais e mais à esquerda, junto com um ódio descomunal subindo pelo peito. A curva acaba, mas o sentimento não.
  4.  
  5. 90.
  6.  
  7. Meu celular vibra mais uma vez jogado no banco do carona. Não olho. Vibra novamente. Outra vez. E mais outra. Outra curva, e ele escorrega um pouco pro lado.
  8.  
  9. Olho de relance pro celular que acabava de vibrar mais uma vez e o relógio indica 2h19, além de 14 mensagens não lidas. Madrugada, lua cheia no céu estrelado de uma noite que não precisava ter chegado. Ou não precisava ter acontecido. Ou onde eu simplesmente não precisava existir.
  10.  
  11. 98.
  12.  
  13. Ligo o som. Vices me envolve e faz minha raiva se transformar em tristeza e arrependimento.
  14. Outra curva.
  15. Um carro vem na direção contrária. Abaixo a luz. Ainda sou uma pessoa civilizada, no fim das contas.
  16.  
  17. 99.
  18.  
  19. Aumento o volume e a voz do Mullins explode nos alto falantes.
  20.  
  21. “I’m in the tunnel, but i can’t see the light”.
  22. “I just wanna feel whole again
  23. So I can let you in”.
  24.  
  25. Meu celular vibra de novo. Por que ela não para? O que aconteceu não foi o suficiente pra ela me deixar em paz?
  26.  
  27. 107.
  28. Uma curva leve pra esquerda enquanto a música acaba.
  29.  
  30. 110.
  31.  
  32. Tinha que ser assim? Era realmente necessário?
  33. Eu merecia isso? Ela achava que eu merecia?
  34.  
  35. 126.
  36.  
  37. Sykes canta agora.
  38.  
  39. “But honestly dear
  40. The only way you’ll se me smiling
  41. Is if you cut me ear to ear”
  42.  
  43. 2h25 da madrugada. Estrada vazia, iluminada pela minha luz já alta novamente e a lua.
  44.  
  45. 139.
  46.  
  47. O acelerador vai no fundo. O carro pedia a quinta marcha, em um berro grave do motor, que eu havia esquecido de colocar. Quinta marcha, piso mais.
  48.  
  49. 147.
  50.  
  51. Silêncio.
  52.  
  53. 158.
  54.  
  55. Pego meu celular que havia caído no tapete do carona na última curva – que eu já estava fazendo de forma brusca – e abro o aplicativo de mensagens.
  56.  
  57. “Mãe, não esquece do teu guri nunca. Te amo.”
  58.  
  59. Jogo o celular pro banco do carona novamente sem olhar pro resto das chamadas pendentes. Uma curva e outro carro passa por mim.
  60. Danny Worsnop.
  61.  
  62. “I like to imagine that you smile
  63. When you hear my songs”
  64.  
  65. Vale a pena?
  66.  
  67. Dois quilômetros de reta. Uma curva fechada no fim. Além da curva, o rio.
  68. O rio onde, em outra altura, já nadei com a gurizada da minha rua, lá na minha infância.
  69.  
  70. 176.
  71.  
  72. Minha cabeça me obrigou a lembrar daquele tempo onde não tínhamos problemas.
  73.  
  74. Um quilômetro.
  75.  
  76. É a vez de Sykes cantar de novo. Sleepwalking.
  77.  
  78. O teclado ritmado me deixa isolado da felicidade do mundo.
  79.  
  80. 190.
  81.  
  82. Cem metros.
  83.  
  84. O tempo trava para me dar a possibilidade de descrever o que aconteceria.
  85. Eram aproximadamente 10 metros de queda em um barranco até o rio. Naquela altura do rio, e após a chuva do dia anterior, a profundidade era de aproximadamente 8 metros.
  86.  
  87. Um metro parece um quilômetro. Um segundo parece uma hora.
  88.  
  89. 193.
  90.  
  91. Não me senti na obrigação de fazer a curva.
  92.  
  93. Lembro de ter ouvido Sykes cantar antes do meu carro encostar na mureta de proteção. Grande merda de mureta.
  94.  
  95. “I’m at the edge of the world
  96. Where do i go from here?
  97. Do i disappear?”
  98.  
  99. Aquela porra de mureta era totalmente inútil. Todo mundo sabia disso.
  100.  
  101. “Edge of the world
  102. Should i sink or swim?
  103. Or simply disappear?”
  104.  
  105. Afundei.
  106.  
  107. Desapareci.
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