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Jan 20th, 2017
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  1. >tava lá eu, sentadão, saboreando minha cerva
  2. >porra mano fazia tempo que eu não tomava uma cervinha gelada dessas
  3. >entre goles de cerveja, eu repetia pela milhonésima vez a história que a Sophia tanto gostava de ouvir
  4. >ela adorava os detalhes do que eu fiz com o Playboy
  5. >cada vez que eu mencionava o barulho dos dedos dele quebrando
  6. >ou o grito de dor dele quando eu arrancava seus dentes com um alicate
  7. >o olho dela brilhava
  8. >era quase assustador
  9. >terminei logo a porra daquela história, já não aguentava mais falar disso
  10. >”mas eu tenho que te dizer uma coisa menina, você tem coragem mesmo hein” eu falei
  11. >”entrar na toca do lobo dessa forma, não é pra qualquer um”
  12. >ela me olhou, ainda saboreando a dor do Playboy
  13. >”você sabe que eu não fiz isso sem planejar milhares de vezes, Yuri”
  14. >”não é só porque eu não sou pm com 30 kilos de bíceps em cada braço que eu não possa ser perigosa” ela falou
  15. >porra, Deus me livre
  16. >eu sinceramente tenho medo dessas coisas
  17. >um meliante armado dá pra você alvejar, se tiver a técnica e a paciência
  18. >agora mulher vingativa irmão, não é pra qualquer um
  19. >”de qualquer forma, foi uma coisa perigosa que você fez, Sophia. Eu nem sei porque deixei você fazer isso” falei, virando o resto da minha latinha
  20. >”quem disse que eu preciso da sua autorização pra fazer o que eu quero, caveira? “ ela respondeu, cheia de ironia, enquanto ia levantando pra me buscar outra cerveja
  21. >”seu namorado, antes de morrer, me pediu pra ficar de olho em você” eu falei, abrindo o jogo com ela
  22. >porra, se tu esperava que eu fosse falar isso cheio de delicadeza e carinho você tá lendo o gt do cara errado
  23. >eu jogo limpo porra, comigo não tem espaço pra dúvida nem pra trololó
  24. >dei o papo reto
  25. >”você é inteligente mas gosta demais de se arriscar, poderíamos ter feito aquilo de outra forma”
  26. >ela me deu a cerveja, e percebi que o rosto dela tinha mudado de feição
  27. >deu pra ver que falar do Caneta ainda machucava ela
  28. >”ele pode até ter te pedido isso, Yuri” ela falou
  29. >”mas eu sei que se ele tivesse vivo e vocês estivessem em um tiroteio, você o mataria sem pensar duas vezes”
  30. >porra, a menina estava certa
  31. >é foda, eu nem tinha como negar
  32. >”ele me mataria também, se precisasse” respondi
  33. >”bom, o plano deu certo e é isso que importa” ela falou, tentando esconder o desconforto com aquele assunto
  34. >”além disso, não é pra falar sobre ele que eu te chamei aqui” ela disse, se sentando e tomando uma cerveja comigo
  35. >eu ainda não conseguia me acostumar com essa nova Sophia
  36. >eu nunca fui muito de conversa com ela, não sou de bater papo com vizinho
  37. >ela sempre tinha sido amiga da Juliana, vivia indo lá em casa
  38. >e quando eu olhava pra cara dela, sempre via uma menina quietinha, inocente, quase infantil de tão certinha
  39. >hoje em dia ela tinha uma malícia nos olhos
  40. >tava tão diferente que mal dava para reconhecer
  41. >”então diga, o que você quer?” perguntei
  42. >”bom, eu quero te informar que, agora que eu terminei a faculdade de Medicina, eu tava procurando onde trabalhar né”
  43. >”de preferência algum lugar diferente, que atenda meus interesses” ela começou a explicar
  44. >”hm, já sei” eu a interrompi
  45. >”você quer que eu arranje uma vaga pra você no hospital da PM?”
  46. >”não quero nenhum favor seu, Yuri” ela respondeu
  47. >”já consegui o trabalho que eu queria”
  48. >”e onde é?” perguntei
  49. >ela me olhou nos olhos e respondeu
  50. >”vou ser voluntária nos Médicos Sem Fronteiras. Eles abriram mais de 200 vagas para a minha especialidade”
  51. >”estou viajando semana que vem para o Líbano”
  52. >”vou passar seis meses lá”
  53. >fiquei encarando ela, sem acreditar
  54. >irmão, que tipo de doente mental faz uma coisa dessas?
  55. >a menina quer ir pro meio do Oriente Médio brincar de soldado?
  56. >”presta atenção Sophia, eu aceitei o negócio do playboy porque você tinha um motivo, vingar o Caneta”
  57. >”mas isso que você está querendo fazer agora é loucura e eu não vou permitir” falei, com firmeza
  58. >”você não tem que permitir nada, Yuri. Tem que aceitar, só isso” ela respondeu
  59. >”garota, de onde tu tirou essa ideia doentia? De boa”
  60. >”você já parou pra pensar que existem pessoas que gostam de você e que se importam com você?”
  61. >”e que você tem responsabilidades para com estas pessoas? E que não pode arriscar sua vida a toa?”
  62. >”Yuri, a única pessoa que eu amava e que me correspondia morreu a mais de um ano”
  63. >”não tem mais nada pra mim aqui. Eu vou pra um lugar onde eu possa realmente viver e fazer algo de útil”
  64. >”não quero passar o resto da minha vida trabalhando no consultório e gastando dinheiro com coisas fúteis”
  65. >”quero fazer algo que faça a diferença” ela falou, convicta
  66. >eu percebi que ela não ia mudar de ideia então foda-se
  67. >não vou ficar dando murro em ponta de faca
  68. >”muito bem Sophia, você é adulta e faz o que quiser da sua vida” eu respondi
  69. >”mas me diz uma coisa. O que o Caneta fez de tão especial pra você se apaixonar tanto assim?” eu perguntei, sem entender
  70. >eles ficaram tão pouco tempo juntos, eu não conseguia compreender esse fascínio que ela tinha por ele
  71. >ela se levantou e disse “ele me ensinou a lição mais importante de todas”
  72. >”não podemos esperar que os outros sejam fortes por nós. Nós é que temos que ser fortes” ela falou, enquanto virava e ia embora
  73. (Parte I)
  74. >acordei de madrugada, com o celular tocando baixinho do meu lado
  75. >5:30 da manhã, já era hora de fardar e ir pro batalhão
  76. >levantei meio com preguiça mais foda-se e fui me vestir
  77. >enquanto eu colocava a farda, olhei pra Ju
  78. >a minha guerreirinha
  79. >a missão que o meu irmão Costa tinha colocado na minha vida
  80. >eu ainda não tinha esquecido do sacrifício dele nem da missão que ele tinha me passado
  81. >ele salvou a minha vida
  82. >se não fosse o sacrifício dele, eu também teria entrado em depressão e me matado
  83. >mas ele me fez viver, para proteger o bem maior dele
  84. >a Juliana e o filho dele, o Rodrigo
  85. >o moleque tinha nascido a um mês
  86. >grandão igual o pai
  87. >dei um beijo na testa dos dois, antes de sair
  88. >mas de uns tempos pra cá, comecei a ficar preocupado
  89. >afinal, quem eu estava enganando?
  90. >a Juliana não precisava de mim, tinha dinheiro pra cuidar muito bem do Rodrigo sozinha
  91. >poderia estar com um cara muito mais rico
  92. >não precisava mais da minha proteção
  93. >o que eu estava fazendo ali?
  94. >será que eu estava atrasando a vida dela e do Rodrigo?
  95. >será que eu estava atrapalhando ao invés de ajudar?
  96. >passei o dia no quartel pensando nessas coisas enquanto a gente fazia nossos treinamentos
  97. >treinamos periodicamente pra não perder nosso condicionamento
  98. >e, recentemente, com as implantações das UPPs, o BOPE estava sendo cada vez menos requisitado
  99. >resultado: treinávamos mais do que qualquer outra coisa
  100. >eu gostava de treinar artes marciais, dar porrada (e tomar, ocasionalmente) é bem relaxante
  101. >no final do dia, saí do batalhão de carro e fui voltando pra casa, como de costume
  102. >mais um dia normal para o caveira encostado
  103. >foi aí que meu telefone deu aquele bip
  104. >era uma mensagem no whatsapp
  105. >mermão eu odeio essa porra, fica dando bip toda hora
  106. >tu manda mensagem vagabundo responde com carinha
  107. >enfia essa carinha no seu cu, filho da puta
  108. >mas dessa vez era coisa séria
  109. >um número desconhecido me mandou uma mensagem
  110. >”Me encontre no Bar do Adão na Aires Saldanha, em Copacabana”
  111. >não sabia quem era, mas fui
  112. >adoro o pastel do bar do Adão
  113. >mas deixei a Glock de prontidão pra caso fosse algum marginal de tocaia
  114. >cheguei lá, o bar estava mais ou menos vazio
  115. >tinha um casal de namorados em um canto
  116. >uma mãe com o filho pequeno em outro
  117. >uma gringa assistindo TV, provavelmente sem entender nada
  118. >e um homem de terno sentado no fundo, em um lugar afastado e quieto
  119. >com uma cara de sério, cabelos grisalhos
  120. >adivinha qual desses provavelmente tinha me chamado?
  121. >fui lá sentar com o cara
  122. >”presta atenção irmão, eu recebi a tua mensagem então me diz aí, sem gracinha”
  123. >”por que você me chamou aqui e o que você quer? “
  124. >o maluco sorriu, com uma cara estranha lá
  125. >”você é exatamente o que eu estava procurando, Sargento Yuri” ele falou
  126. >caralho, quem é esse cara e como ele sabia meu nome?
  127. >cheguei perto dele e falei
  128. >”olha só vovô, presta bem atenção no que eu vou te falar”
  129. >”eu tenho mais o que fazer do que ficar aqui batendo papo com maluco”
  130. >”então acho bom você desembuchar ou eu vou colocar tanto chumbo no seu corpo que você seu apelido no asilo vai ser Homem de Ferro”
  131. >o cara continuou sorrindo
  132. >”você é feliz com a sua vida, sargento?” ele perguntou
  133. >”com a sua mulher, que ganha mais que você”
  134. >”com a sua carreira no BOPE, que está congelada”
  135. >”com a bandidagem do Rio, que cada vez mata mais e mais policiais, seus irmãos de farda”
  136. >”você está satisfeito com isso?” ele perguntou
  137. >”é claro que não” eu respondi, intuitivamente
  138. >”muito bem, sargento. Eu vim aqui para te oferecer uma oportunidade”
  139. >”uma oportunidade de fazer diferente”
  140. >”estou ouvindo” eu disse, meio desconfiado
  141. >”antes de mais nada, deixa eu me apresentar. Me chamam de Duque, sou diretor do centro assuntos extraordinários da ABIN”
  142. >eu conhecia esse nome, ABIN
  143. >a agência brasileira de inteligência
  144. >a equivalente à CIA do Brasil
  145. >”nós temos acompanhado seu desempenho há anos, você é um policial excepcional e cheio de recursos”
  146. >”recursos?” eu perguntei, sem entender o que aquele coroa tava querendo dizer
  147. >”sim, claro. Nós ficamos sabendo da sua jogada com aquela menina, a Sophia” ele disse
  148. >meus olhos arregalaram na hora
  149. >caralho, como esses filhos da puta sabem disso? Só eu e ela sabíamos daquele plano de matar o playboy
  150. >”a propósito, não se preocupe, temos uma célula no Líbano e vamos monitora-la para garantir o bem estar dela” ele disse, com aquela voz mansa dele
  151. >”enfim, precisamos de homens como você para realizar uma missão especial”
  152. >”que missão especial é essa?” perguntei, curioso
  153. >”sargento, o que vocês fazem aqui no Rio de Janeiro é enxugar gelo”
  154. >”você mata um bandido hoje, amanhã tem dois na rua. Vocês apreendem um fuzil hoje, amanhã tem três no crime”
  155. >”você já pensou em terminar com todo esse problema de uma só vez? Cortando o mal pela raiz e poupando a cidade de mais décadas e décadas de violência?”
  156. >”isso é impossível” eu respondi
  157. >”não, não é. Nossos agentes rastrearam o homem que repassa drogas e armas para as maiores facções criminosas no Brasil”
  158. >”caso algo aconteça com esse homem, o baque será tremendo em toda a estrutura da criminalidade brasileira”
  159. >”é tudo uma questão de estratégia, uma intervenção cirúrgica que permitirá que o crime desabe como um castelo de cartas” ele falou
  160. >porra, a ideia era genial
  161. >eu abri minha boca para fazer uma pergunta, mas antes que eu pudesse falar, ele se levantou
  162. >”bem, eu já falei demais. se você quiser saber mais, estarei esperando pelo seu contato. Você tem 24 horas para dizer se quer ir”
  163. >“mas, se não for do seu interesse, basta não me responder. Não vou insistir nem voltarei a te procurar”
  164. >”você tem meu número. Estarei aguardando”
  165. >ele foi embora do restaurante, entrando num carro preto e saindo pelas ruas de Copacabana
  166. >eu tinha 24 horas para decidir
  167. >mas na minha cabeça, eu já tinha a resposta
  168. (Parte II)
  169. >já era noite
  170. >a Juliana tinha colocado o Rodrigo pra dormir
  171. >porra o pirralho é enjoado pra cacete, só quer saber de ficar assistindo peppa
  172. >ela tava lá, me esperando na cama
  173. >um daqueles raros momentos onde um casal com filho pode transar
  174. >e eu lá, na varanda, com a porra do telefone na mão
  175. >”vem pra cama amooor” ela disse, tentando não acordar o bebê
  176. >porra, é foda, eu não podia abandonar minha família assim
  177. >mas eu ainda tinha aquele espírito de polícia, de moleque
  178. >sentia saudade pra caralho da época do GAT, eu e Costa dando prejuízo pra vagabundagem
  179. >porra, eu ia fazer isso
  180. >ia aceitar o convite do coroa, do duque
  181. >mas não ia ser só por mim
  182. >ia ser pelo Costa também
  183. >tamo junto irmão
  184. >liguei pro número que ele me deu lá
  185. >”finalmente hein, achei que nunca iria ligar” o velho respondeu, do outro lado da linha
  186. >”to dentro do bagulho Duque, o que eu faço agora?” perguntei
  187. >”você vai vir pra Brasília pra ser integrado à equipe. Esteja no aeroporto de Jacarepaguá amanhã às 9 da manhã”
  188. >”não conte nada a ninguém, nem à sua mulher”
  189. >”não se atrase” ele terminou, antes de desligar
  190. >voltei pra dentro do quarto, e a Ju tava me olhando com a carinha de safada
  191. >ela ainda era uma mulher muito bonita, apesar da gravidez
  192. >”eu acho que você é viado, Yuri... você fica mais tempo marcando paintball com os caras do batalhão do que comigo” ela falou, dando risada
  193. >”era isso que você tava fazendo no celular? Ou tava vendo putaria pelo whatsapp? Já falei pra você sair desses grupos hein”
  194. >”não era nada disso, Juliana” eu respondi, meio sério
  195. >ela sentou e veio pra perto de mim
  196. >”que foi amor, o que houve?” ela perguntou, de um jeito carinhoso
  197. >eu odeio mentir, especialmente pra ela
  198. >ela sabia disso, e por isso confiava em mim incondicionalmente
  199. >mas dessa vez não ia ter jeito, eu ia ter que enganar, mesmo odiando
  200. >”vai ter um curso novo de combate urbano no BOPE e eu me inscrevi, vou ficar um tempo fora” falei
  201. >ela me olhou por um tempo, até abrir um sorrisão
  202. >”que bom amor!” ela disse, me abraçando “fico feliz, você é tão comprometido com o trabalho”
  203. >”se precisar de qualquer coisa me fala, estou aqui pra te apoiar” ela disse
  204. >porra, a mina é foda, olha que moral
  205. >”mas e o Rodrigo? Tu vai conseguir cuidar de boa?” perguntei, meio preocupado
  206. >”ah, deixa disso Yuri. Como se você trocasse as fraudas dele né” ela falou, deitando de novo na cama
  207. >”agora vem dormir porque você precisa descansar pra ficar bem pro curso” ela disse, me puxando
  208. >deitei abraçado com ela mas, aquela noite, eu não consegui dormir direito não parceiro
  209. >no dia seguinte, tomei café da manhã com ela pela primeira vez em um tempão
  210. >coloquei meus equipamentos numa mochila e me arrumei, com uma roupa à paisana
  211. >na hora de ir, fui dar um beijo no Rodrigo e depois na Ju
  212. >ela me segurou pelo braço e disse, bem séria
  213. >”eu sei que você vai fazer a coisa certa, amor. Tô sempre aqui, do seu lado”
  214. >me deu um beijo e depois praticamente me empurrou pra fora
  215. >ela me conhecia pra caralho, sabia que eu não ia conseguir sair sozinho
  216. >mas ela me ajudou, então eu fui
  217. >não vou mentir, eu não conseguia tirar aquela mina da cabeça
  218. >no final das contas, ela era a última pessoa que ainda tava ali pra mim
  219. >e ela sempre tava do meu lado, me incentivando
  220. >nessas horas você tem que ser forte, não tem jeito
  221. >peguei o carro e dirigi até o aeroporto de Jacarepaguá, conforme o que o Duque falou
  222. >lá, já tinha um avião particular esperando por mim
  223. >embarquei e ele decolou, rumo a Brasília
  224. >passei a viagem inteira pensando na Ju, no Costa, na nossa família
  225. >imaginando como seria se ele ainda tivesse vivo
  226. >nós curtindo o Rodrigo crescer, comendo churrasco na beira da piscina ao som de raça negra
  227. >mas fazer o quê irmão
  228. >a Sophia falou algo que é muito verdadeiro
  229. >não podemos esperar que os outros sejam fortes pra gente
  230. >nós temos que ser fortes nós mesmos
  231. >antes que eu pudesse perceber, o avião desceu em Brasília
  232. >pra minha surpresa, já havia uma equipe lá me esperando
  233. >uns caras de terno preto e óculos escuros, todos armados
  234. >parecia aquele filme lá do Will Smith, homens de preto
  235. >porra, eu olhei aquilo e dei mó risadão
  236. >um dos caras não gostou, veio me perguntar
  237. >”tem alguma coisa engraçada aqui?”
  238. >aí eu tive que responder
  239. >”po amigão, eu sou do BOPE e vou falar pra vocês, deixa a roupa preta pra gente porque em vocês fica ridículo”
  240. >comecei a gargalhar
  241. >mas aí vi que ninguém riu, então calei a boca
  242. >a viagem de carro foi curta, logo estávamos na sede da ABIN
  243. >um prédio alto e bonito, com uns vidros pretos, coisa bacana mesmo
  244. >os seguranças me levaram até uma sala no subsolo
  245. >”aqui você vai receber maiores informações sobre a operação”
  246. >eu abri a porta e entrei na sala
  247. >era uma sala relativamente pequena e bem escura, com um projetor lançando a imagem de um mapa em um quadro
  248. >em volta, várias cadeiras ocupadas por soldados
  249. >e em pé, um homem um pouco mais baixo que eu, magro e de pele morena, que aparentemente estava explicando a situação
  250. >ele olhou pra mim e falou “você deve ser o sargento Yuri?”
  251. >respondi que sim
  252. >”eu sou o tenente Fontes, oficial em comando dessa equipe” ele disse, se apresentando
  253. >fiz a continência e o cumprimentei
  254. >”a vontade, sargento. Na sala são seus companheiros, os sargentos Hotel, Golf, Victor, Sierra, Delta, Bravo, Alpha e Whisky”
  255. >era óbvio que esse não era o nome dos caras, ele pegou a inicial de cada nome e usou o alfabeto militar para preservar a identidade deles
  256. >deu pra ver que os caras aqui realmente eram profissionais
  257. >me sentei numa cadeira vazia e ele começou a falar
  258. >”o nosso alvo se chama Pedro Juan Caballero, um ex coronel do Exército Paraguaio que mora nesta fazenda, a 60 km da fronteira com o Paraná” ele apontou no mapa a localização da fazenda
  259. >”esse homem é a peça chave na articulação dos criminosos brasileiros com os produtores internacionais de maconha e cocaína, fora o tráfico ilegal de armas, pessoas e animais”
  260. >”nossa missão é mata-lo, da forma mais discreta e eficiente possível para evitar que as autoridades brasileiras possam ser identificadas como autoras da ação”
  261. >”se nossa identidade for revelada, podemos causar um estado de guerra entre o Brasil e os outros países, portanto, sigilo é fundamental”
  262. >”vamos de avião até Foz do Iguaçu, onde pegaremos helicópteros que nos levarão ao local da ação e nos retirarão de lá”
  263. >”tudo isso ocorrerá durante a noite, a duração máxima da operação será de exatos 30 minutos, ou seja, temos 30 minutos para entrar, executar o alvo e nos evadirmos do local”
  264. >”quem não tiver nos helicópteros nesse tempo será deixado para trás”
  265. >”alguma dúvida?” ele perguntou
  266. >um dos guerreiros levantou a mão: “e quanto à segurança do coronel Caballero?”
  267. >”nossos agentes informam que o local é protegido por cerca de 20 seguranças que se revezam em turnos”
  268. >”não deve ser difícil dominá-los de surpresa para executar o coronel”
  269. >”existe alguma precaução para o caso de dano colateral?” outro perguntou
  270. >explicando, dano colateral é como os militares chamam a possibilidade de civis serem atingidos em uma operação militar
  271. >”por questão de segurança, qualquer pessoa que esteja no local deve ser executada, inclusive não-combatentes” o tenente respondeu
  272. >”como não há mais dúvidas, os senhores estão liberados. Sgt Yuri, por favor, me acompanhe” ele disse, me chamando para falar com ele
  273. >fui junto dele, na direção oposta do resto da tropa
  274. >ele me guiou por um corredor enquanto ia falando comigo
  275. >”sinceramente, sargento, eu não sei por que você foi incluído na nossa equipe”
  276. >”especialmente na véspera de uma operação desse vulto”
  277. >”nossa equipe já está formada a tempo e tem um padrão técnico muito elevado”
  278. >”quero me garantir de que não vou ter nenhum tipo de surpresa negativa ao seu respeito”
  279. >eu o acompanhei, ouvindo toda aquela baboseira
  280. >quando ele terminou, pedi permissão pra falar
  281. >”tenente, com todo o respeito, eu acho que sei porque fui chamado”
  282. >”fui chamado porque precisam de um soldado de verdade na operação, entendeu? Um cara que entenda do assunto” falei, abrindo o jogo
  283. >o tenente parou e me olhou, com uma cara de surpreso
  284. >ao contrário da PM, os caras do Exército levam a hierarquia a ferro e fogo
  285. >não existe isso de sargento responder tenente
  286. >isso explica a cara de bunda do tenente lá
  287. >como eu não sou do Exército, falei mesmo, foda-se
  288. >”presta atenção tenente, eu sou caveira, eu tenho bastante experiência em troca de tiro e ação de alto risco”
  289. >”todos aqui temos uma formação especializada na área de combate de...” ele começou a falar
  290. >cortei o trololó dele rapidinho
  291. >”sim, sim, tenho certeza que as suas credenciais são impressionantes tenente, mas com certeza eu tenho mais operações nas costas do que você tem anos de vida”
  292. >”então vamos deixar uma coisa bem clara aqui entre a gente, ok? Você está no comando da operação, mas eu vou ajudar a guiar porque essa é a minha área e é o que eu faço”
  293. >”e eu espero que nós estejamos entendidos, porque não quero ouvir mimimi durante o tiroteio, fui claro?” perguntei
  294. >ele já ia me responder, mas nós chegamos à porta e uma voz nos mandou entrar
  295. >entramos
  296. >era o escritório do Duque
  297. >ele tava sentado atrás de uma mesa grande, de madeira
  298. >aquelas mesas bonitas que os manda chuva colocam o pé em cima nos filmes de hollywood
  299. >não, ele não tava com o pé em cima da mesa
  300. >em um canto da sala, tinha uma mesinha e uns sofás em volta
  301. >e sentados nos sofás tinha uma constelação
  302. >uns 5 ou 6 generais
  303. >era tanta estrela nos ombros daqueles caras que o escritório mais parecia o planetário
  304. >quando entramos, eles se retiraram. O tenente fez mó pose, ele é todo cheio de coisa com esse negócio de etiqueta militar
  305. >eu fiquei parado, nem muito reto nem muito relaxado, e aparentemente os generais não ligaram muito
  306. >depois de esvaziarem a sala, o Duque olhou bem pra cara do tenente e perguntou
  307. >”qual é o relatório da missão Serafim, tenente?”
  308. >”conforme o planejado senhor, a equipe já foi reunida e informada da operação, amanhã iremos para Foz do Iguaçu e depois de amanhã o alvo já estará morto”
  309. >falou com aquela voz monótona de militar que parecia um robô
  310. >”excelente” o Duque respondeu. “ tenho mais uma missão para você, tenente”
  311. >”depois de eliminar o alvo, preciso que você fotografe a casa, colete documentos, computadores, celulares, tudo”
  312. >”e retorne esse material para análise posterior”
  313. >”é imprescindível que você colete o máximo de material possível, entendido?”
  314. >”sim senhor” ele respondeu, com aquela cara de Capitão América
  315. >”além disso, quero que o sgt Yuri seja designado como subcomandante da missão”
  316. >”tenho fé na experiência e na capacidade do sgt”
  317. >”alguma dúvida?”
  318. >o tenente ficou com cara de cu, mas tinha que acatar
  319. >”não senhor” ele responde, dessa vez com bem menos entusiasmo
  320. >”dispensado” Duque respondeu
  321. >eu virei pra ir embora junto com o tenente, mas antes o Duque falou
  322. >”você fica”
  323. >eu me virei e encarei o coroa
  324. >”já conseguimos localizar a Sophia no Líbano e eu mandei pessoalmente destacar alguns homens para cuidar da segurança dela” ele me disse
  325. >pfff, como se aquela menina precisasse de segurança
  326. >mas fiquei aliviado, eu ainda estava preocupado com a loirinha
  327. >”além disso, estamos monitorando sua família também para garantir que nada de ruim aconteça na sua ausência” ele falou
  328. >”Duque, olha só, com todo respeito, eu não entendi que porra é essa ainda” eu falei
  329. >ele se reclinou contra a cadeira, um pouco espantado, e esperou eu explicar
  330. >”você nem me conhece, aí vem, me chama para uma missão super secreta, cuida da minha família e ainda me promove para subcomandante da missão?”
  331. >”tem alguma coisa aqui que tu não me contou, e eu não gosto de segredos” eu falei, com firmeza
  332. >o coroa me encarou por uns momentos, e depois cedeu
  333. >”sim, Yuri, tem algo que você deve saber”
  334. >”o tenente Fontes é um militar excepcional, foi um sacrifício trazê-lo para a minha equipe, tive que fazer um esforço tremendo”
  335. >”a carreira dele é brilhante, mas existe um problema”
  336. >”problema?” perguntei
  337. >”sim, uma complicação. Ainda não sei se posso confiar 100% na lealdade do tenente. Por isso chamei você e te promovi”
  338. >”sua missão é ficar na cola dele e garantir que ele não vá querer pular o muro. Se necessário for, precisarei que você use força letal”
  339. >”ué, mas por quê ele faria isso?” perguntei
  340. >o cara parecia 100% devoto à missão, eu sinceramente não esperava essa
  341. >”as missões aqui mudam muito as pessoas. Mas você já cumpriu mais missões que qualquer um e sei que posso confiar no seu julgamento”
  342. >”quero que você seja o meu homem de confiança, Yuri. A missão que eu to te dando é dolorosa, eu sei, mas se nós pudermos confiar um no outro, vamos nos dar muito bem”
  343. >”e você vai ter todo o prestígio que quiser, sua carreira voltará a ter aquele brilho que ela tinha no começo. Sei que isso é importante para você”
  344. >realmente era
  345. >o cara sabia pra caralho de mim mesmo
  346. >mas ele trabalhava pra uma agência de inteligência né, o que eu esperava?
  347. >o maluco devia saber até a cor da minha cueca
  348. >”certo chefia, pode confiar em mim, vou cumprir a missão direitinho”
  349. >o velho abriu um sorriso meio estranho
  350. >”você é um rapaz inteligente, Yuri”
  351. >”você vai ver, nós dois vamos lucrar muito com isso tudo” ele falou
  352. >pedi permissão e fui embora
  353. >a missão já tava certa, e não tinha mais dúvida do que fazer
  354. >era chegar lá e descer o dedo nos malandros
  355. >e nisso, modéstia à parte, eu sou bom pra caralho
  356. (Parte III)
  357. >depois de aterrissarmos em Foz do Iguaçu, seguimos direto para uma guarnição militar na cidade
  358. >começamos a nos equipar, enquanto os caras abasteciam o helicóptero
  359. >irmão, antes de mais nada, tu tem que entender uma coisa
  360. >eu gosto de trocar tiro pesadão, entendeu? Gosto de ir pro tiroteio bem armado
  361. >quando cheguei na reserva de armamento (que foi colocada à nossa disposição) eu fiquei de bobeira
  362. >o armamento do BOPE era de melhor qualidade, admito
  363. >mas os brinquedos ali eram bem masculinos também
  364. >tinha munição que penetra titânio irmão, titânio
  365. >eu nem sei que porra de metal é esse mas só pelo nome já dá pra sentir a moral
  366. >tinha uns coletes de alta qualidade também, capacete de kevlar com go-pro, camelback e NVG
  367. >vai, pesquisa essa porra aí no Google viadinho
  368. >e granada, muita granada
  369. >porra, adoro granada, no BOPE a gente não pode usar porque usar granada em favela é sacanagem
  370. >mas dessa vez eu enchi o cu de granada, porra, ia estourar todo mundo, quero ver perna voando
  371. >depois de nos equiparmos, subimos nos helicópteros e partimos pra missão
  372. >aquele friozinho na barriga de quem tá prestes a trocar tiro
  373. >fui no mesmo helicóptero que o tenente lá
  374. >dava pra ver que ele ainda tava nervoso, apesar de tudo
  375. >”fica calmo cara, vai dar tudo certo” eu disse pra ele
  376. >ele balançou a cabeça
  377. >”o plano tá bem elaborado, a execução vai ser direitinho, vai dar tudo certo mesmo” ele repetiu, tentando internalizar aquela porra
  378. >”esquece o plano, viado” eu falei
  379. >ele me olhou
  380. >”esquece o plano? Como assim esquece o plano?” ele perguntou, sem entender porra nenhuma
  381. >”mermão, no tiroteio não existe essa de plano. É você, o cara e quem acertar o tiro primeiro ganha”
  382. >”esquece essa porra de plano bem elaborado e se preocupa em acertar seus tiros na cabeça dos caras que vai ficar tudo bem”
  383. >ele respirou fundo e concordou
  384. >é foda, esses caras passam 5 anos na Academia Militar tendo aula teórica em sala de aula e dando tiro em manequim
  385. >a gente no BOPE pode ter bem menos instrução que eles, mas em termo de prática irmão, não tem quem se compare
  386. >o plano realmente tava excepcional, a formação do cara era muito boa mesmo
  387. >mas na hora do tiroteio você pode ter até 50 anos de treino nas costas, se não tiver a cabeça no lugar vai fazer merda
  388. >”dois minutos pra chegarmos” o piloto do helicóptero falou
  389. >preparamos as armas e respiramos fundo
  390. >era o último suspiro antes do mergulho
  391. >quando o helicóptero pousou, já descemos nos movimentando
  392. >não descemos atirando igual em filme de hollywood, isso não existe
  393. >progredimos na disciplina, como manda o figurino
  394. >cercamos o local e identificamos onde os seguranças estavam posicionados
  395. >”executar ação.... AGORA” o tenente falou, pelo rádio
  396. >simultaneamente, todos os elementos da equipe atacaram os seguranças ao mesmo tempo
  397. >não teve chance dos caras reagirem
  398. >os soldados ficaram na contenção enquanto eu e o tenente entrávamos na casa
  399. >vasculhamos o local à procura do coronel Caballero
  400. >ele estava na sala, mas correu pro segundo andar
  401. >com uma pistola na mão, ele tentou dar um tiro na gente, mas errou
  402. >acertei um na perna do filho da puta e ele subiu as escadas mancando
  403. >subimos atrás dele rápido, ele tava atravessando um corredor em direção a uma porta
  404. >antes que ele pudesse dar mais um passo eu e Fontes alvejamos ele
  405. >o cara ficou igual uma peneirinha, todo furado
  406. >fomos até o corpo dele e verificamos a morte
  407. >o tenente tirou as fotos, e continuamos vasculhando a casa
  408. >no quarto que ele ia, estava a mulher e os dois filhos dele
  409. >os três apavorados, nos olhando
  410. >eu olhei pro tenente, e vi a cara dele
  411. >ele não ia ter coragem
  412. >”vira” eu falei pra ele, e ele se virou
  413. >olhei de volta para os civis e desci o dedo neles
  414. >sim, matei pessoas desarmadas. Matei também os funcionários da casa que eu encontrei
  415. >até o cachorro do cara eu matei
  416. >missão não se discute irmão, se você não gostou da minha atitude, enfia a hipocrisia no seu cu
  417. >minha profissão é essa, matar
  418. >se eu mato bandido, por que não vou matar os caras lá?
  419. >no final das contas é a mesma coisa, os dois sangram igual, morrem igual
  420. >é a lei do cão, quem sobrevive é o mais forte
  421. >Sophia já tinha entendido isso... tava na hora do tenente também começar a entender
  422. >nós começamos a coletar as informações que o Duque pediu
  423. >porra, o lugar tava cheio de pasta, documento, computador, pendrive, essas porras
  424. >o Fontes saiu correndo atrás de tudo isso igual um maluco
  425. >eu fui investigar de novo o corpo do coronel, e achei um celular
  426. >liguei o celular e tava desbloqueado
  427. >”hmmm” falei, achando interessante
  428. >abri a porra do whatsapp, aquela merda
  429. >e fui ver as mensagens
  430. >vi um número que me era familiar
  431. >caralho, que porra é essa
  432. >era o número do Duque
  433. >CARALHO
  434. >fui passando, tinha o número de vários outros caras importantes
  435. >gente no Ministério da Justiça
  436. >juízes brasileiros
  437. >militares
  438. >puta que pariu
  439. >chamei o Fontes na hora, e mostrei tudo pra ele
  440. >ele leu, perplexo
  441. >e caiu sentado no chão
  442. >”porra Yuri”
  443. >”isso não é uma missão contra o tráfico” ele falou
  444. >”é uma queima de arquivos”
  445. >o Duque nos tinha mandado pra cá pra matar o cara que poderia incriminar ele e metade do governo do Brasil
  446. >filho da puta
  447. >nessa hora, ouvimos o barulho dos helicópteros novamente
  448. >olhamos pela janela e eles estavam indo embora, com o resto da equipe dentro
  449. >”porra” o Fontes falou, puto. “eles só deviam ir embora depois de meia hora, caralho! Ainda estão faltando oito minutos!”
  450. >eu olhei para o monte de flagrante que nós tínhamos e falei, no ouvido dele
  451. >”vamos sair logo daqui. Não vai demorar muito pra chegar mais gente e nós não podemos ser vistos”
  452. >”a fronteira fica a 60km daqui, Yuri” ele me disse, irritado
  453. >”então é melhor nós começarmos a andar” eu respondi, pegando as coisas no chão, botando em uma mochila e puxando ele pra fora da casa
  454. >saímos do local e rumamos em direção a uma velha estrada de barro que saía da fazenda
  455. >”você sabe pra onde estamos indo, pelo menos?” eu perguntei pra ele, sussurrando
  456. >naquele momento, não podíamos nos dar o luxo de falar alto
  457. >éramos apenas dois, e sem muita munição
  458. >”sim, eu estudei bastante os mapas da região. Essa estrada vai levar a gente até Foz do Iguaçu”
  459. >”mas não podemos andar pelo meio da estrada, senão vamos ficar muito expostos. Vamos pelo mato” ele disse
  460. >ai meu caralho
  461. >fomos pela merda do mato
  462. >aquele matagal de merda, cheio de lama e mosquito
  463. >mosquito
  464. >mosquito
  465. >não era pouco mosquito, meu amigo
  466. >e não é esse mosquitinho fofo que tem no parque da sua cidade não
  467. >era cada mosquitão transformer que chegava a dar medo
  468. >os mosquitos pareciam beija flor de tão grande
  469. >esses viados não tinham bico, tinham seringa
  470. >o Fontes reparou no meu sofrimento e deu uma risada
  471. >”qual a graça, viado?” eu perguntei
  472. >”Você, sargento. Cheio de marra de ser do BOPE, mas não aguenta um mosquitinho” ele disse, gargalhando
  473. >”aaah vai se fuder tenente, porra, eu troco tiro toda semana, se eu quisesse fazer passeio no mato eu não seria militar, seria escoteiro porra” eu respondi
  474. >porra, agora tu vê, que cara de pau
  475. >esse tenente aí querendo me zuar
  476. >continuamos andando, afinal, nós íamos ter que andar por um bom tempo
  477. >de repente, ouvimos um barulho vindo adiante
  478. >”sshhh! Agacha, agacha!” o Fontes falou
  479. >eu e ele agachamos no meio do mato, nos camuflando
  480. >pela estrada, um comboio de vários carros passou pela nossa frente
  481. >alguns homens de moto acompanhavam o comboio, todos pesadamente armados
  482. >”esse comboio tá vindo do Brasil” eu sussurrei
  483. >”sim, estão indo em direção à casa do coronel” ele respondeu
  484. >”devem estar indo à mando do viado do Duque” eu falei
  485. >”vamos esperar... sempre no final do comboio vem um batedor isolado. Vamos pega-lo e interroga-lo” ele respondeu
  486. >aí eu gostei
  487. >interrogar é uma parada que eu sei fazer bem
  488. >conforme disse o Fontes, no final do comboio, meio afastado, vinha um motociclista
  489. >mirei na perna dele e dei o tiro. Como a arma estava com o silenciador, o barulho foi bem baixo
  490. >o capacete do viado abafou o grito que ele deu, então nós rapidamente agarramos ele e puxamos ele da estrada pro mato
  491. >a essa altura, o comboio já havia se afastado bem
  492. >tirei o capacete e olhei na cara dele
  493. >”malandro, o negócio é o seguinte, eu quero saber quem vocês são, quem é o chefe de vocês e qual é a missão”
  494. >o cara me olhou, meio nervoso, mas decidiu encarar
  495. >”não vou te falar nada, seu viado” ele respondeu, tentando botar marra apesar de estar visivelmente apavorado
  496. >eu sorri
  497. >”vou ter que esculachar então né?”
  498. >adoro essa parte
  499. >o Fontes tava segurando ele deitado
  500. >eu dei um pisão no joelho dele que esmagou a articulação inteira
  501. >o maluco berrou, mas o Fontes abafou o grito
  502. >”pronto amigão, agora você é oficialmente um aleijado. E aí, vai desembuchar ou vou ter que te capar também?” perguntei, com um sorrisão na cara
  503. >o cara tava tremendo todo
  504. >”quem nos mandou foi um cara do governo... a gente não sabe quem ele é... falaram que era pra tomar uma casa e pegar as drogas e dinheiro que tá escondido lá...”
  505. >”cara de pau” o Fontes falou. “o Duque agora vai querer embolsar o espólio da operação”
  506. >”não é isso não...” o cara falou, nervosão
  507. >”desembucha, vacilão” eu falei, botando pressão
  508. >”a nossa missão... é permanente...”
  509. >”ele tá querendo tomar.... o lugar...”
  510. >”a gente trabalha... pra ele...’’
  511. >”pro Duque? Hein viado?” eu perguntei, mas o viadinho lá tinha desmaiado de dor
  512. >”deixa ele aí, vamos embora, a gente não pode ficar muito tempo parado não” o Fontes falou
  513. >”beleza, vamos lá” eu disse, cortando a garganta dele
  514. >não é um jeito digno de matar um homem mas ele tava desmaiado, eu ia poupar munição e ele não ia sentir dor
  515. >ia funcionar
  516. >o Fontes virou a cara, ele ainda tinha restrição a esse negócio de matar
  517. >na minha opinião, é uma viadagem. Mas eu entendo o lado dele. Não é qualquer um que tem estômago para isso
  518. >continuamos andando por algumas horas
  519. >”como você consegue, hein? Matar dessa forma?” o Fontes me perguntou, enquanto andávamos
  520. >eu sorri
  521. >”depois de um tempo, você acaba se acostumando” eu disse
  522. >é real, depois de tantas mortes, tanto sangue, pra mim aquilo já havia se tornado natural
  523. >”sempre antes de eu puxar o gatilho, eu penso no motivo de eu estar aqui. O motivo de tudo isso, sabe? Servir o país” ele começou a dizer, mas eu o interrompi
  524. >”assim você nunca vai se tornar um matador, Fontes”
  525. >”esse discurso aí é pros indecisos. Os convictos não precisam de motivos”
  526. >”nós vamos pra guerra porque é isso que está no nosso sangue. Somos matadores e não há nada que mude isso”
  527. >”queria ter essa sua força de vontade, Yuri” ele falou, olhando pra mim
  528. >eu olhei de volta pra ele e respondi, muito sério
  529. >”vai por mim, você não queria”
  530. >ele não fazia ideia do que eu passei pra chegar aqui
  531. >de toda a dor, todo o sofrimento
  532. >ninguém fazia ideia
  533. >e eu não desejava isso para ninguém
  534. (Parte IV)
  535. >quando chegamos em Foz do Iguaçu, já havia amanhecido
  536. >optamos por esconder nosso armamento em um local afastado da cidade, entramos apenas com as pistolas e a mochila com os documentos que incriminavam o Duque
  537. >estávamos ambos exaustos, então fomos para algum bar pé sujo onde não fôssemos chamar muita atenção
  538. >nos sentamos, enquanto o garçom trouxe nosso pedido lá
  539. >a cerveja tava quente e a comida nojenta, mas na hora parecia um manjar dos deuses
  540. >comemos igual dois mortos de fome
  541. >no canto, tinha uma TV ligada
  542. >”caralho, Fontes, dá uma olhada naquela merda” eu disse
  543. >na TV, tava mostrando o filho da puta do Duque fazendo um discurso do lado do secretário de segurança e do Ministro da Justiça
  544. >”graças à uma medida enérgica do nosso governo, conseguimos derrubar um dos maiores traficantes internacionais de drogas e inauguramos uma nova era para o Brasil!” ele dizia
  545. >enquanto um monte de babaca batia palma
  546. >”sim, inaugurou uma nova época... uma época onde os traficantes são do próprio governo” o Fontes falou, sarcasticamente
  547. >”infelizmente, tudo demanda um sacrifício, e esse ato não foi suficiente. Perdemos dois heróis, o tenente Fontes e o sargento Yuri. Mas os nomes deles ficarão marcados para a posteridade” o Duque falou, na tv
  548. >”caralho Fontes, eles acham que nós morremos!” eu falei, surpreso
  549. >”ou não... talvez não saibam e tenham colocado um preço na nossa cabeça. Afinal, tudo que o Duque quer é que nós estejamos mortos” ele respondeu
  550. >na hora eu pensei na Juliana
  551. >ela recebendo essa notícia
  552. >puxei meu celular para ligar pra ela, mas o Fontes segurou minha mão
  553. >”o que você pensa que tá fazendo, doente? “ ele perguntou
  554. >”me solta Fontes, vou ligar pra minha mulher” eu respondi
  555. >”deixe de ser burro, Yuri, sua mulher deve estar sendo monitorada por alguma equipe do Duque”
  556. >”se você falar alguma coisa, ela morre”
  557. >”além disso, a essa altura do campeonato, nossos telefones já devem ter sido grampeados” ele falou
  558. >”porra, então qual é o plano? Você que gosta de planos, diz aí, o que vamos fazer?” eu perguntei
  559. >”só tem um jeito de nos livrarmos dessa, sargento”
  560. >”temos que matar o Duque e depois expor tudo que descobrimos” ele falou
  561. >chamei o garçom que passava por ali e perguntei sobre o homem que estava na TV
  562. >ele respondeu “ah, o Duque é o cara da vez! Ele tá aqui na cidade, vai dar uma entrevista pública no fórum hoje às 21h. Parece que vai lotar”
  563. >Fontes olhou pra mim
  564. >não precisava falar mais nada
  565. >saímos de lá e fomos para o nosso esconderijo fora da cidade para nos prepararmos
  566. >de alguma forma, eu sabia que aquela missão seria sem volta
  567. >olhei pro Fontes e percebi que ele se sentia assim também
  568. >sorri
  569. >ele me lembrava muito o Costa, quando era mais jovem
  570. >certinho e aplicado
  571. >enquanto nos equipávamos, ele começou a falar
  572. >”porra Yuri, quando nos conhecemos eu pensei que você fosse só um babaca metido”
  573. >”eu me equivoquei demais, me perdoa pela forma que eu te tratei”
  574. >”ah, para de viadagem Fontes” eu respondi. “nós somos guerreiros, estamos juntos porra”
  575. >ele sorriu
  576. >”sim irmão, estamos juntos” ele respondeu
  577. >eu fiquei calibrando o armamento enquanto ele começava a planejar, como ele gostava
  578. >porra esse cara adorava um plano
  579. >”o carro do Duque vai vir pela avenida central às 20:30.
  580. >”a avenida é muito movimentada, não tem como pegarmos ele lá”
  581. >”mas para acessar a avenida eles vão ter que passar pela rua do Bispo, uma ruazinha pequena e bem deserta”
  582. > Se cada um de nós ficar de um lado da rua, poderemos emboscar o comboio”
  583. >”provavelmente a segurança dele vai ser leve, então isso não vai ser um grande problema”
  584. >”vamos finalizar o filho da puta do Duque e sair do local o mais rápido possível” o Fontes terminou
  585. >”porra, como tu sabe disso tudo?” eu perguntei pro Fontes
  586. >”eu li no mapa” ele respondeu
  587. >”porra meu amigo mas tu adora um mapa hein” falei, rindo
  588. >”mas então, saindo de lá, a gente pega um carro e vai pro Rio” eu comecei a falar
  589. >”podemos ficar na minha casa, e a minha mulher conhece uns jornalistas”
  590. >”além disso, se eu entrar em contato com o BOPE, não vai ter quem consiga nos pegar. Meus irmãos são casca grossa e muito unidos, ninguém vai tocar na gente” eu falei
  591. >”justo” o Fontes concordou
  592. >”agora vamos nessa” ele disse
  593. >nos aproveitamos da noite pra irmos pro local da ação sem sermos vistos
  594. >a cidade não era tão movimentada quanto Rio ou São Paulo, então ficou tranquilo não ser visto
  595. >usamos as ruazinhas pequenas de dentro da cidade, evitando as avenidas maiores, pra não sermos vistos
  596. >finalmente chegamos na tal Rua do Bispo
  597. >ficamos cada um de um lado da rua, escondidos atrás de árvores para não sermos vistos.
  598. >de longe, eu acenei com a cabeça pro Fontes
  599. >logo logo a ação iria começar
  600. >mas dessa vez, íamos matar pelos motivos certos
  601. >não demorou muito para o carro aparecer na esquina
  602. >atrás dele vinha uma minivan
  603. >os dois pretos
  604. >é agora
  605. >ele se aproximou e, quando o Fontes deu o sinal, eu larguei dedo nos pneus do carro
  606. >ele freou bruscamente e nós fomos pra cima, aplicando no carro
  607. >atrás, a minivan abriu a porta e de dentro saiu umas 8 cabeças com um uniforme bem familiar
  608. >”caralho” eu pensei
  609. >”são os caras da equipe do Fontes”
  610. >olhei pra ele e ele tinha congelado do outro lado da rua
  611. >berrei bem alto pra ele ouvir “PARA DE ADMIRAR SEUS NAMORADOS CARALHO BALA NELES PORRA”
  612. >puxei a arma e dei rajadão pra cima dos caras
  613. >os caras eram gente boa, gostei de trabalhar com eles, mas dessa vez eles estavam do outro lado do tiroteio, tentando me matar, então não pensei duas vezes
  614. >eles correram buscando cobertura, e nesse tempo deu pra eu derrubar uns dois com facilidade
  615. >depois que se abrigaram, ficou mais difícil, mas eu fui avançando, gosto de ser agressivo em tiroteio
  616. >eles iam tentando avançar também, para cercar o carro e proteger o Duque
  617. >derrubei mais um quando tomei um tiro de raspão na perna
  618. >caralho, essa porra arde pra cacete
  619. >vi que o Fontes tava no sufoco com um dos seguranças lá, um carinha meio enjoado
  620. >”VAI PRA CIMA DELE, VAI VAI VAI” gritei, incentivando
  621. >o Fontes achou uma brecha, e conseguiu derrubar o cara
  622. >”BOA COSTA!” eu gritei, sem nem me ligar que havia trocado o nome
  623. >os dois eram, realmente, muito parecidos
  624. >já eram quatro mortos
  625. >só faltavam mais quatro
  626. >vi que dois foram se abrigar perto da minivan
  627. >foi nessa hora que eu puxei uma das granadas que eu tinha trazido comigo
  628. >”ahh seus filhas da puta agora eu vou mandar vocês pro espaço” eu disse, arremessando a granada
  629. >ela explodiu lindamente, parecia fim de ano da globo
  630. >foi fogo e pedaço de corpo pra todo lado
  631. >”agora ces vão atirar no capeta seus arrombados” eu disse
  632. >faltavam só mais dois e o viado do Duque era nosso
  633. >eu já tava quase alcançando o carro quando o impensável aconteceu
  634. >acertaram o Fontes
  635. >um dos babacas tava partindo pra cima dele e conseguiu meter um tiro bem na barriga dele
  636. >puta que pariu
  637. >nesse momento eu congelei
  638. >foi como se o tempo tivesse parado também
  639. >de um lado, o carro tava na minha frente, e o Fontes caído era a distração perfeita pra eu matar o Duque
  640. >de outro lado, o meu amigo tava no chão, prestes a ser executado
  641. >eu tinha que matar o Duque
  642. >tinha que expor esse filho da puta
  643. >tinha que mostrar ao país todo o quão podre e corrupto são nossos governantes
  644. >TINHA QUE CUMPRIR MINHA MISSÃO
  645. >mas não
  646. >não podia deixar outro amigo, outro irmão de farda morrer
  647. >eu não podia
  648. >tinha que salva-lo
  649. >não podia errar com ele como eu errei com o Costa
  650. >virei pro lado e vi o soldado avançando pra cima do Fontes
  651. >o Fontes olhou pra mim e apontou pro carro, gritando
  652. >”Mata o Duque, mata o Duque”
  653. >mirei a arma na cabeça do soldado e dei só um tiro
  654. >o sangue dele espirrou na parede, deixando uma grande marca vermelha
  655. >corri pra socorrer o Fontes
  656. >o ultimo soldado que sobreviveu aproveitou a chance pra entrar no carro e ir embora
  657. >mesmo com as rodas furadas a porra do carro ainda andava
  658. >”caralho Fontes, você tá bem?” eu perguntei, me ajoelhando do lado dele e tirando o colete pesado que sufocava
  659. >”porra irmão... você tinha que ter matado ele... tinha que ter matado o duque” ele falou, com uma voz fraca
  660. >”não, Fontes, não... a amizade vem antes de qualquer missão, irmão. Nós podemos expor o Duque depois. Agora temos que sair daqui”
  661. >eu coloquei o Fontes nas costas e fui pra rua correndo
  662. >cheguei na avenida central, todo ensanguentado, e parei um carro
  663. >um senhor desceu do carro apavorado, enquanto eu pedia ajuda pra colocar o Fontes no banco de trás
  664. >”me desculpa por favor, senhor, eu sou polícia, não sou assaltante, mas vou ter que levar seu carro pra salvar meu amigo’’ eu disse, nervosamente
  665. >o cara nem quis argumentar, deve ter ficado com medo por causa da minha arma e do sangue na minha cara
  666. >virei o carro e meti o pé daquela maldita cidade
  667. > 180km por hora na estrada
  668. >a essa altura do campeonato, entretanto, o Duque já tinha alertado à todas as polícias, tava todo mundo nos caçando
  669. >”eu só estou te atrasando cara...” o Fontes me falou
  670. >”cala a boca seu viado, tenta resistir... logo logo estaremos chegando e um médico vai tratar de você” eu respondi
  671. >mas quem eu estava enganando? Iam demorar dias até chegar no Rio
  672. >”ei... Yuri...” ele me chamou, bem baixinho
  673. >”obrigado por salvar a minha vida, irmão”
  674. >”você é um herói.... e é o melhor guerreiro que eu já conheci” ele falou, quase sussurrando
  675. >meus olhos encheram de água
  676. >por um momento, eu tive esperança
  677. >eu não sei que louca esperança era essa que eu tinha, de que tudo poderia ficar bem
  678. >mas, como costuma ser na vida, as coisas não ficaram bem
  679. >depois de algumas horas de estrada bati de cara com um bloqueio da PRF
  680. >os caras nem perguntaram, já vieram estalando pra cima de mim
  681. >eu revidei e consegui derrubar alguns, mas eles me acertaram na perna e me dominaram
  682. >eu olhei, impotente, enquanto eles abriam o carro e arrastavam o Fontes pro lado de fora
  683. >”esse aqui já tá mais morto que vivo” um deles disse
  684. >o outro concordou e, com a arma na mão, estourou a cabeça do Fontes
  685. >”NÃO” eu berrei, tentando me levantar, mas eles me derrubaram de novo
  686. >eles simplesmente mataram meu único amigo
  687. >como se não fosse nada
  688. >filhos da puta, filhos da puta, VIADOS
  689. >eu tentei lutar, tentei continuar, mas cada vez que eu tentava eles me derrubavam mais forte
  690. >eu já estava sem forças
  691. >a mochila com os documentos eles pegaram e, sem nem abrir pra ver o que havia dentro, tacaram fogo
  692. >todos estavam com um sorriso estampado na cara, era óbvio que iam receber uma recompensa gorda pelo serviço deles
  693. >e eu fui levado embora por eles para ser jogado na toca dos leões
  694. (Parte V)
  695. >depois daquilo tudo passou rápido
  696. >é engraçado como o governo pode ser eficiente quando quer te fuder
  697. >fui condenado por mais de 12 crimes, incluindo resistência a prisão, formação de quadrilha, terrorismo e homicídio do Fontes
  698. >sim, eles mataram o meu irmão e ainda me prenderam por isso
  699. >deu 184 anos de reclusão, no total das penas
  700. >no começo, eu fiquei preso em uma prisão militar, onde eu estava seguro
  701. >mas eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, eu seria transferido para algum presídio
  702. >pra alguma cela cheia de vagabundo
  703. >e aí não iria ter jeito
  704. >palavras como dia e noite deixaram de ter sentido pra mim
  705. >o tempo ia se arrastando como se não quisesse passar
  706. >eu emagreci quase 15 kilos em dois meses, deixei de ser grande e fiquei magro, meio pálido
  707. >foi nessa que um dia eu recebi uma visita
  708. >veio a Sophia, a Juliana e o Rodrigo
  709. >o comandante da unidade prisional me conhecia, e arrumou uma sala confortável pra eu ter minha visita
  710. >nunca chorei tanto na vida quanto naquele dia
  711. >a Sophia, eu me lembro, estava muito preocupada comigo
  712. >fez várias perguntas, achando que eu estava doente pela perda de peso
  713. >”eu estou bem, estou bem, juro” eu respondia
  714. >a última coisa que eu queria falar era de saúde
  715. >abracei a Juliana, quase quebrando ela ao meio, enquanto ela me beijava
  716. >e as lágrimas dos nossos rostos se misturavam
  717. >”eu senti tanta saudade de você, amor” ela me disse, com os olhos marejados
  718. >não respondi, não havia nada a dizer
  719. >virei para o lado e fui ver o Rodrigo
  720. >ele já tinha 4 anos
  721. >sim, demorou 4 anos para eu poder receber uma visita
  722. >o sistema prisional realmente é uma merda
  723. >”e você, garotão? Como tá?” eu perguntei pra ele
  724. >ele respondeu, meio embolado “to fóti igual papai!”
  725. >levantou os braços e mostrou o muque
  726. >”aaaah moleque, você parece mais o Hulk!” eu disse, levantando ele nos braços
  727. >”vai crescer e virar um guerreiro hein?” eu disse, enquanto ele balançava a cabeça
  728. >coloquei ele no chão de novo e ele saiu para brincar
  729. >a Sophia se aproximou e falou
  730. >”Yuri, nós confiamos em você. Apesar de toda essa história, sabemos que você é inocente”
  731. >é foda, eu nem tive a oportunidade de conversar com elas, parceiro
  732. >eu nunca nem pude contar minha versão do que aconteceu
  733. >e mesmo assim elas confiam na minha inocência
  734. >obrigado Deus, por colocar essas pessoas na minha vida
  735. >”já entramos em contato com um bom advogado, amigo da minha família”
  736. >”vamos tirar você daqui” ela disse, colocando a mão no meu ombro
  737. >reparei melhor na feição dela
  738. >o Líbano tinha mudado ela muito
  739. >ela deixou de ter aquele jeito de aventureira e se tornou uma mulher séria, madura, que impunha respeito
  740. >a Juliana me abraçou forte
  741. >”os caras do BOPE também acreditam em você amor”
  742. >”vamos nos reunir pra tentar provar a sua inocência”
  743. >”vamos conseguir te tirar daqui e viver nossa vida em paz novamente” ela disse, voltando a chorar novamente
  744. >eu tive que me controlar e ser forte
  745. >pois minha vontade era de chorar junto com ela
  746. >mas falei pras duas
  747. >”quero que vocês prestem bem atenção”
  748. >”logo logo eu vou ser transferido para Bangu, junto com outros presos comuns”
  749. >”lá, com certeza, vai ser meu fim”
  750. >”então eu não quero que vocês me procurem ou tentem me visitar”
  751. >”não existe advogado que possa impedir isso”
  752. >”então o que eu quero é que vocês lembrem de mim de um jeito bom, e sigam a vida de vocês”
  753. >irmão, tu sabe o quão difícil é isso?
  754. >dizer pras pessoas que mais te amam nesse mundo para te esquecer?
  755. >não existe treinamento que te prepare pra isso
  756. >mas todo guerreiro sabe que tem horas que é necessário se sacrificar pelo bem maior
  757. >essa era minha hora
  758. >a Juliana não conseguia falar nada
  759. >a Sophia tentou argumentar
  760. >”Yuri, para de besteira, a gente vai conseguir sim” ela começou a falar
  761. >”não adianta Sophia, eu conheço esses caras” eu disse, interrompendo ela
  762. >”é game over. Perdemos. Não tem jeito”
  763. >”cuidem do Rodrigo e sejam felizes. Esse é o último pedido que eu faço a vocês”
  764. >o tempo da visita já estava se esgotando, então eu tinha que acelerar
  765. >peguei a Juliana nos meus braços
  766. >ela não merecia todo esse sofrimento, toda essa dor
  767. >sussurrei no ouvido dela “você é a mulher mais corajosa que eu já conheci”
  768. >e dei a ela um último beijo
  769. >um beijo que fez tudo valer a pena
  770. >que fez tudo ter sentido
  771. >um beijo de verdadeiro amor
  772. >me despedi do Rodrigão, com os olhos marejados
  773. >e finalmente, dei adeus para a Sophia por último
  774. >”cuide deles por mim” eu sussurrei no ouvido dela
  775. >a missão que o Costa me passou, eu agora passava adiante
  776. >ela acenou com a cabeça, de um jeito bem seguro
  777. >eu sabia que eles iam ficar bem
  778. >eles olharam para trás uma última vez, e eu vi os olhos deles pela última vez
  779. >e depois voltei pra minha cela
  780. >demoraram alguns dias para eu superar a dor da separação
  781. >a dor do adeus
  782. >mas eu superei
  783. >venci a mais essa batalha
  784. >e comecei a malhar
  785. >a praticar minha luta
  786. >e a me preparar
  787. >porque em breve eu iria para Bangu
  788. >iam me colocar com os presos comuns
  789. >um último teste para um guerreiro cansado
  790. >e eu sei que eu vou cair
  791. >mas vou cair lutando, irmão
  792. >e vou levar muito marginal pro inferno comigo
  793. (Epílogo)
  794. >16 anos se passaram desde que eu vi o Yuri pela primeira vez
  795. >e já faziam 20 anos desde que eu vi o Arthur
  796. >a vida castiga o nosso coração, mas não nos dá nenhum desafio que não possamos suportar
  797. >desde então, meu bem maior foi o Rodrigo
  798. >eu o vi crescer, vi ele se tornar um homem forte e inteligente
  799. >e não fiquei surpresa quando ele optou por ser policial
  800. >doeu muito aceitar que ele iria para a mesma carreira dos pais dele
  801. >tentei de tudo para convencê-lo a fazer outra coisa, mas de nada adiantou
  802. >ele estava convicto
  803. >no dia da apresentação, levei ele no CFAP
  804. >no calor de Sulacap, em um dia ensolarado
  805. >parei na porta do quartel, e olhei para ele
  806. >ele sorriu para mim, com aquele ar de jovem convencido que acha que sabe tudo da vida
  807. >eu puxei ele pra perto e dei um beijo na testa
  808. >”agora vai ser tudo diferente, filho” eu disse
  809. >”agora vai ficar tudo bem”
  810. Obs².: Tenho o gt do caneta q matou o arthur e do pla
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