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Apr 18th, 2014
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  1. Capítulo 01
  2. —... Décima terceira. — Soltei o ar que não sabia que segurava por todo o caminho e limpei a gota de suor que escorreu até o meu olho.
  3. Se eu soubesse que seria esse sacrifício todo, teria preferido continuar em São Paulo.
  4. — Ariel! — Pude ouvir minha mãe gritar por mim e isso porque resolvi tirar três minutos para respirar.
  5. Se fosse por ela, não teria o amanhã. Faríamos toda nossa vida hoje mesmo. Ela odeia deixar coisas pra fazer pra depois e é muito mais prática e rápida do que eu. Eu demoro um terço a mais na teoria enquanto ela já está em ação. É claro, eu vou tentando acompanhá-la, mas às vezes é difícil.
  6. Meu próprio pai não conseguia acompanha-la e por isso terminou com ela. Brincadeira, ele deu a desculpa de que não dava mais pra continuar por isso, por aquilo, blá, blá, blá, mas eu acho que é porque ele puxou por mim na lerdeza. Ou eu puxei por ele, tanto faz. Se bem que é um pouco contraditório, visto que na semana seguinte ele apareceu com uma namorada nova e hoje que já se passou uns três anos eles já vivem juntos. Ela tem um filho, mais ou menos da minha idade, que eu tive o desprazer de conhecer quando passei um mês na casa deles. O garoto é insuportável e graças a Deus vive bem longe daqui.
  7. Também faz três anos desde que nos mudamos daqui. Voltamos para a mesma casa perto da praia onde costumávamos viver os três, muito felizes. Minha mãe já teve alguns namorados, mas nenhum que viesse viver com a gente ou que se tornasse sério o suficiente.
  8. Agora a casa parece vazia somente comigo e com a senhora mamãe Rapunzel. Ela não se chama Rapunzel, chama-se Anastácia, mas eu gosto de chama-la de Rapunzel por seu cabelo ser tão comprido e estar sempre numa longa trança. Sem contar que ela é tão bonita que seria capaz de atrair qualquer cara mesmo que ela estivesse na torre mais alta no meio de um deserto.
  9. Pena ela não ser loira senão o apelido seria perfeito. Ela é ruiva com os olhos azul-marinhos, e eu sou a cópia barata dela. Já entendem agora porque me chamo Ariel? Sim, ela viu que eu era ruiva dos olhos azuis, linda e que adorava nadar naquela bolha de água dentro dela e por isso me deu o nome de uma sereia.
  10. Há! Piadinha minha. Infelizmente não foi por essa razão mesmo que ela me diga que sim. Ela gostava da pequena sereia quando era pequena. Pronto, está explicado.
  11. — ARIEL! — Deus, como ela consegue ser tão chata?
  12. — Sim?
  13. — Você me ouviu garota? Desça até aqui e me ajuda a trazer as caixas restantes.
  14. — Estou indo, calma!
  15. — Eu estou calma! — Sua voz se eleva um pouco, ela odeia quando eu falo pra se acalmar como se ela estivesse descontrolada.
  16. Eu desço as escadas e ela está fitando-me impaciente com uma mão na cintura e com aquele olhar como se fosse atacar-me.
  17. Eu a trato como um animal selvagem e imprevisível, me mantenho afastada dela e caminho lentamente encostada às paredes e não tirando meus olhos dos dela. Ela me persegue com o olhar e eu corro até à entrada. Quando olho para trás, vejo que ela voltou ao seu trabalho retirando as coisas das caixas.
  18. Sem outra alternativa, me dirijo ao carro. Ela deixou aberto para ser mais rápido, penso eu. Ou ela se esquece que vivemos no Brasil ou ela acha que vamos terminar isso tão rápido que os ladrões não terão nem tempo de escolherem se levam primeiro a televisão ou o computador.
  19. Assim que peguei numa caixa tive de segurar a respiração quando o peso me atingiu. Maldita gravidade. Pousei a caixa na entrada de casa e fui pegar outra. Suspirei derrotada com a caixa na mão.
  20. — Vai uma ajudinha aí? — Uma garota loira e magrela surgiu do outro lado da carrinha. Ela é tão magra e tão baixinha que eu nem a vi até ela contornar a carrinha. Eu devia estar olhando que nem retardada porque ela deu uma risadinha.
  21. — Vai me dizer que você não se lembra de mim, princesa da Disney?
  22. Como se eu pudesse esquecer, ontem mesmo eu falei com ela, assim como todos os dias desde que eu me mudei, pela internet.
  23. — Odeio quando você me chama assim. — Ela riu e me deu um abraço apertado. Eu acho que foi apertado, meu tamanho dá uns dois dela, por isso eu mal senti. Não que eu fosse gorda ou tivesse altura de um jogador de basquetebol profissional. Eu até passo por dezoito anos com as poucas curvas que tenho. Pra ela eu dou no máximo uns doze.
  24. Sério, tem alguma coisa errada no crescimento dessa menina, ela deve ter pulado sempre o café da manhã, não ter bebido leite nem comido danoninho. Desde que eu a conheci, quanto tínhamos cinco anos, ela sempre foi magrela. Sua carinha de boneca de porcelana sorridente não ajuda ela em nada. Genética, porque és tão má?
  25. — Nossa Kátia, como você encolheu nesses anos! — Fingi estar impressionada. Ela me deu uma cotovelada.
  26. — E você ainda não tirou a vassoura da cabeça? — Se fisicamente ela não consegue me atingir, pode deixar que verbalmente ela consegue. Tenho que me lembrar de nunca mais zoar da altura dela. Ela devolve na mesma moeda e pior. Meu cabelo não é lá muito bonito, é sem brilho, laranja avermelhado escuro e volumoso. Apesar de ser liso, hoje ele parecia ser uma daquelas vassouras velhas.
  27. — Ouch.
  28. — Desculpa
  29. — Eu estava pensando em cortá-lo mesmo.
  30. — Não! — Ela gritou com aquela voz fina e passou uma mão sobre uma mecha do meu cabelo que me chegava na zona dos seios.
  31. — Seu cabelo é lindo, só está mal cuidado.
  32. — Nunca chegará no brilho do da minha mãe.
  33. — Vocês têm os mesmos genes, a diferença é que ela sabe se cuidar e você não.
  34. Ouch.
  35. — Eu devo então parecer uma mendiga pra você. – Quis fazer uma pergunta mas saiu mais como uma afirmação.
  36. Ela deu de ombros e não respondeu.
  37. — Você vai me ajudar ou vai continuar me insultando?
  38. — Você que começou.
  39. — Desculpa então. — Me virei e caminhei até a entrada com uma caixa assim que ela abriu a boca para responder.
  40. Ela pegou em outra mais leve e correu para me acompanhar. Ela pode ser magra e baixinha mas aposto que ela tem mais músculos do que eu. No último verão ela me contou que umas garotas zoaram ela por não ter bunda então resolveu começar a malhar e a comer mais. Ela parece bem mais saudável do que antes. Consigo dar treze anos pra ela, agora.
  41. — Me desculpa também. Eu não queria te insultar mas sim dar uma crítica construtiva. — Imaginei ela dizendo isso com um óculos soando bem intelectual.
  42. — Eu me sinto bem assim, eu não quero mudar só porque os outros não gostam do jeito que eu sou. — Na verdade era porque eu tinha preguiça de sequer escovar o cabelo. Mas eu meio que gostava do jeito selvagem que ele tinha quando eu acordava. Muito melhor do que aquele cabelo lambido pela vaca.
  43. — Não é questão de mudar o jeito que você é, é aprender a cuidar mais de você. Desse jeito você não vai conseguir um namo...
  44. Ela não terminou a frase, minha mãe atravessou a porta de repente, com ambas as mãos na cintura estilo mulher maravilha prestes a enfrentar o inimigo. Sua expressão contorcida pela raiva suavizou quando ela reparou que eu estava acompanhada. Ela sempre gostou da Kátia, pois sempre achou que ela crescendo e ficando mais feminina, talvez eu seguisse com a influência dela. Ela nunca esteve tão enganada.
  45. — Kátia! Que bom te ver, como você está bonita!
  46. — Obrigada, a senhora também. O tempo só fez-lhe bem.
  47. Os olhos da minha mãe se iluminaram e ela abriu seu sorriso. Pelo menos no sorriso eu acho que eu peguei de legal dela. Quando nós sorrimos formamos uma covinha e nossos olhos claros brilham intensamente. Eu acho sexy isso nela, já em mim é tudo tão pior qualidade... Se ela fosse um vídeo, ela estaria sempre em HD FullScreen enquanto eu na pior qualidade possível.
  48. — Porque não damos uma pausa para um lanche? — Ela se dirigiu à cozinha e nós a acompanhamos.
  49. ~(...)~
  50. — Vocês se mudaram de vez?
  51. — unhmm. — Tentei dizer que sim enquanto mastigava meu pão francês com margarina e mortadela. Minha mãe revirou os olhos para o modo como eu falava enquanto tinha a boca cheia. Franzi as sobrancelhas. Eu era uma garota saudável que comia bem, ela devia estar feliz por mim.
  52. — Ficaremos por cá por um tempo indefinido. — Ela sorriu sem mostrar os dentes, pousou seus cotovelos sobre a mesa e descansou o queixo nas costas das suas mãos. Porque com visitas ela sempre parecia ser mais amigável?
  53. Geralmente está sempre irritada com algo, esse algo geralmente sou eu. Ela até chega a níveis máximos que me faz pensar que ela está possuída. Duas vezes tive vontade de chamar um exorcista, mas graças a Deus me contive. Era capaz de eles perceberem que tinha um demônio de verdade nela e saíssem correndo.
  54. Mesmo quando ela sorri ela me dá calafrios, seu humor muda mais rápido do que eu mudo de cor preferida. O que acontece frequentemente. — Mas eu fico feliz que vocês ainda sejam amigas.
  55. — Nós também.
  56. — Mesmo depois de três anos terem passado, não é?
  57. Kátia olhou para mim e eu devolvi-lhe o olhar. Ela nem sabia que eu conversava com ela todos os dias pelo telefone e pela Webcam. Isso demonstrava o quão ocupada ela era na sua profissão antiga de advogada. Agora ela resolveu mudar para uma profissão em que pudesse respirar mais e consequentemente ganhar menos. Professora de educação física e instrutora numa academia. Sim. Uma mudança radical e até eu fiquei surpresa. Mas ela sempre teve um corpo de atleta o que eu acabei puxando dela e também de meu pai que era um atleta quando jovem. Além disso, costumávamos correr juntas na praia para o melhor de nosso físico, isso é, antes dela dar prioridade para o seu trabalho e esquecer um pouco da filha.
  58. — Não parece ter passado nenhum dia, Ariel continua a mesma garota de sempre.
  59. Rapunzel suspirou e saiu de sua pose relaxada para uma de aborrecimento pousando sua mão na bochecha. Ela parecia uma adolescente sempre que fazia isso.
  60. — Maus hábitos são difíceis de esquecer, ela poderia ter puxado um pouco mais de mim além da aparência não acha?
  61. Esse é o problema que eu tenho com a minha mãe. Não me importo que ela seja tão pra frente, tão moderna, tão apressada com tudo, tão mandona e que me dê medo de vez em sempre. O que me incomoda é ela querer que eu seja que nem ela. É ela não aceitar como sou.
  62. Meu pai me aceitava, no entanto ele não quis que eu fosse viver com ele. Se ao menos eu tivesse nascido garoto...
  63. — Bem, se já comeram vamos terminar de arrumar tudo.
  64. Não é o que eu digo? Ela não permite que ninguém respire. Não importa o quão gata ela seja, nenhum cara iria aguentar por mais de uma semana toda essa pressão. Meu pai foi o mais corajoso e aguentou firme até passar do casamento, mas mesmo assim abandonou o barco o mais cedo possível.
  65. Só espero que este ano seja diferente e que ela finalmente encontre alguém. Sabe, se apaixonar e aquelas coisas. Talvez sirva de calmante para ela e quem sabe eu possa respirar novamente.
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