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- Com livros de colorir e Pokémon Go, o mundo é dos adultos infantis
- 26/07/2016 02h00
- Os livros salvam a vida? Um amigo, no almoço, disse que sim. Eu quis saber mais. Quais livros? Filosofia? História? Vá lá, autoajuda?
- Ele fez cara de espanto, disse um não paternalista e depois partilhou o segredo bibliográfico: livros de colorir. Parou a digestão. A minha, não a dele. Brincadeira? Não era.
- Em janeiro, ele descobrira os livros de colorir dos filhos. Mas o egoísmo da pequenada obrigou-o a procurar livros de colorir para adultos. Encontrou. Depois, com lápis de todas as cores, começou um hobby que dura até hoje. "Uma pessoa esquece tudo", diz ele. Até a massa cinzenta, pensei eu.
- E quando não são livros de colorir, são jogos de celular. Devo ser uma das raras pessoas que desconhecia o Pokémon Go. Mas também aqui os amigos são úteis. Um deles tentou explicar a lógica do jogo: com a câmera de celular e o GPS, ele avança pelo mundo –literalmente– e tenta "caçar" figurinhas virtuais.
- Dei uma risada. E lembrei-me do filme série B que John Carpenter dirigiu no final da década de 1980. Titulo: "They Live". É a história de um vagabundo que consegue localizar alienígenas no planeta Terra usando uns óculos de sol especiais.
- A ficção científica deixou de ser exclusiva do cinema. Saltou para a "vida real" (grotesca expressão). Os meus amigos são como os filhos deles: quando não estão a colorir livros, andam pelas ruas, como alucinados, brincando de índios e caubóis. Como explicar o fenômeno?
- Os especialistas do óbvio garantem: são formas de aliviar o estresse do cotidiano. Depois de um dia nas galés do trabalho, o escravo sai e precisa de uma hora, talvez duas, de relax total. Voltar a ser criança é uma forma de esquecer o adulto em que ele se tornou.
- A explicação é poética e eu prometo chorar no final da crônica. Mas, por enquanto, mantenho os olhos enxutos e proclamo: era inevitável.
- Houve tempos em que os adultos também relaxavam depois da labuta. Ainda me lembro: o meu pai, advogado, gostava de tomar um copo com os amigos –e, atividade maléfica, fumar um cigarro ou dois. Pensar que o meu pai, ou os amigos dele, andaria a colorir livros ou a tentar "caçar" figuras virtuais é tão crível como imaginar que o Estado Islâmico se converterá ao pacifismo.
- Tudo mudou. E, como se escreveu nesta coluna vezes sem conta, os Estados paternalistas do Ocidente tiveram como missão suprema infantilizar os cidadãos. Isso tomou várias formas.
- Na versão "light", através de conselhos alarmantes sobre o álcool, as comidas gordurosas, os açúcares e tudo aquilo que dá algum tempero à vida. Morrer, sim, mas apenas saudáveis, o que sem dúvida constitui um consolo para o moribundo.
- Quando não são conselhos, são proibições. O fumo é um caso. E, na França, parece que será um caso cômico, ou trágico, consoante o sentido de humor: François Hollande, que tem o país em desagregação com o terrorismo interno, pretende ilegalizar os Gitanes e os Gauloises, não porque eles são maus para a saúde (isso é óbvio), mas porque estão associados a estilos de vida "cool" (Serge Gainsbourg, Albert Camus etc.). Os jovens fumam porque querem ser Gainsbourg (e ter as mulheres dele) ou Camus (idem).
- O caso não é apenas ridículo, o que seria normal, tratando-se de Hollande. O caso também mostra o autoritarismo demencial de um Estado que proíbe o que lhe passa pela cabeça mesmo quando não existe uma cabeça.
- Perante esse clima, no qual os vícios do passado são crimes no presente, o que resta aos homens adultos para darem descanso ao corpo e à alma?
- Agir em conformidade: se o Estado trata os cidadãos como crianças, eles se transformam em crianças. Compram livros de colorir. Andam na rua a "caçar" figuras virtuais com o celular. Não será de se estranhar que as academias do bairro comecem a ter escorregadores ou balanços.
- Claro que, na histeria securitária em que vivemos, nem o Pokémon Go escapa. Leio nos jornais que já existem agências de seguros que têm pacotes especiais para fanáticos de Pokémon. Você sabe: durante as caçadas, o jogador pode atropelar um pedestre –ou, pior, cair ele próprio em algum buraco. Compreendo o drama. E pergunto: Não seria mais prudente cortar o mal pela raiz e proibir o Pokémon?
- Em teoria, talvez. Na prática, todos sabemos como são as crianças quando fazem birra.
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