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Nov 15th, 2017
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  1. Capítulo I – A Jornada
  2. Pouco antes do sino bater, os animais que antes pastavam tranquilamente já soavam o alarme. A guerra já era esperada, mas ninguém esperava que começasse tão cedo. Ao sul, um arquiduque havia sido assassinado, e isso agora repercutia em uma pacata vila em território báltico, fazendo fronteira com o Império Alemão.
  3. Assim que o sinal foi dado, todos institivamente pararam o que estavam fazendo. Estavam apreensivos, ansiosos, já sabiam que era inevitável mas se recusaram a abandonar o que tinham construído com tanto esforço e dedicação. As crianças corriam para dentro de suas casas, os pastores trancavam as pastagens e as mães espiavam pelas janelas das casas de madeira.
  4. Ao longe, um contingente de soldados, todos vestindo uniformes cinzas e pesados casacos de pelo, marchavam em formação até suas casas. Em uma delas, um garoto e sua mãe tentavam operar um rifle Mosin-Nagant, uma vez que seu marido havia recentemente os deixado para servir o exército. Em outra, um jovem e seu pai já haviam virado seus móveis contra a porta e aguardavam a chegada do exército alemão.
  5. Nem mais um momento se passou em silêncio até que um tiro, vindo de dentro de uma das casas, raspou pela linha de frente e atingiu um infortuno soldado no final da formação inimiga. Os moradores tiveram sorte que a vila não havia sido alvo de artilharia, mas aquilo já testava demais a paciência dos alemães. A resistência dos russos, que pouco gostavam se assim serem chamados, foi comendável. No entanto, alguns rifles em péssima condições não eram o suficiente para impedir o avanço de um dos mais bem organizados exércitos da época.
  6. Logo, os que sobreviveram estavam enfileirados frente ao celeiro, os mais rebeldes com suas mãos atadas. A falta de alguns era sentida justamente por terem sido mortos durante o tiroteio, mas alguns haviam fugido. Não entre eles estava uma criança que havia corrido assim que os primeiros tiros foram disparados, mas logo voltara a despeito do que sua mãe havia pedido. Ele tentava acha-la agora, mas se na eventualidade de ela não ter morrido, era provável que já tivessem a levado embora. A cena continuou por cerca de meia hora, até que todas as casas tivessem sido revistadas, os suprimentos confiscados e, por fim, as fazendas e construções queimadas.
  7. Alguns foram executados, outros, levados para campos de concentração, mas a criança de antes havia feito bem – ou escolhido mal, em ficar escondida. O inverno era rigoroso, e o lugar que ela chamava de casa já não existia mais. Se chamava Casimir, e entre lágrimas e soluços, não lhe restou escolha além de seguir os poucos que haviam escapado e seguir em direção à cidade mais próxima.
  8. A faixa de terra de terra que separava a antes quieta vila do resto da civilização era completamente inabitada, e já não restavam suprimentos para todos. O que haviam coletado às pressas era pouco, quanto mais para alimentar o total de 6 crianças, 3 mulheres e 2 homens que haviam fugido do reduto. Conforme a noite caía, todos montaram acampamento perto da densa mata de pinheiros da região, e esperaram o frio passar.
  9. Assim que o sol nasceu, no entanto, nem todos estavam lá. Uma criança e sua mãe haviam sumido, seus pertences espalhados pelo chão. O grupo se organizou e procurou por eles por um curto período de tempo, mas logo decidiram que não podiam mais perder tempo. Buscando traçar uma rota mais curta até Riga, eles adentraram na floresta, não querendo esperar a noite cair mais uma vez enquanto ainda estavam naquele local.
  10. A floresta era como qualquer outra no Leste europeu, mas estava estranhamente silenciosa. Os pássaros não cantavam, não havia ruídos que indicassem lebres ou qualquer outra coisa em meio a mata. Era como se tudo que uma vez estivesse vivo havia deixado aquele lugar, temendo alguma coisa pior que caçadores.
  11. Quanto mais caminhavam por aquele local, mais perdidos ficavam. Gradualmente, coisas estranhas começaram a acontecer. Arbustos farfalhavam, somente para criaturas que nunca haviam visto antes – algumas grotescas, outras intrigantes, botassem sua cabeça para fora, observando os visitantes. As crianças já estavam aterrorizadas, e Casimir não era exceção. Os homens lideravam o grupo de refugiados, mas as mulheres já inventavam hipóteses supersticiosas para explicar o que estava acontecendo. Falavam de “Baba Yaga”, uma antiga lenda da região, e diziam que só podiam estar se aproximando de seu covil.
  12. Aquilo não passava tão longe da verdade. A noite caía novamente, sem que conseguissem achar uma saída daquele local, mas dessa vez os homens mantiveram guarda, alternando seus horários de sono. No meio da noite, houve um disparo, e todos tiveram uma surpresa ao acordar. Cercando-os estavam abominações deploráveis, algumas mais “práticas” que as outras. Homens com cabeça de javali e enormes espinhos protundindo de suas costas, ursos de múltiplas cabeças, e até mesmo a imagem familiar do que parecia ser uma mulher com o rosto de uma criança em sua barriga, distorcido e fervendo com o que parecia ser ácido.
  13. Os gritos não cessaram até que todos estivessem mortos ou inconscientes. Um homem, extremamente belo e estranhamente normal comparado às abominações que o rodeavam, saiu de dentro da mata. As monstruosidades não o atacavam, pareciam de fato respeitá-lo. Ele se aproximou dos sobreviventes, um total de 4 crianças, e deu uma ordem para seus lacaios. “Levem-nos para o covil. Gutka está com fome, precisamos conceder o Abraço a algumas para alimentá-la.”
  14. Capítulo II – Despertar
  15. Casimir acordou com um estranho sentimento de confusão e sede. Durante o tempo que ficara desacordado, tinha sonhado com um número de coisas, em sua maioria pesadelos terríveis. De fato, não conseguia diferenciar o que havia acontecido na noite passada de seus subsequentes sonhos após desacordar. Estava escuro demais para ver ao seu redor, mas ele conseguia sentir que era um espaço confinado, o qual nem mesmo a luz da lua alcançava. Seu cabelo curto estava desgrenhado e seco, embora o ar ali fosse extremamente úmido.
  16. Ele tateou pelo escuro, até se dar com uma parede de pedra. Todo o lugar cheirava fortemente a sal, e se não fosse por um pequeno fecho de luz que dançava refletido ao longe, ele não saberia por onde seguir. Conforme se aproximava, o local se tornava mais iluminado, mas os detalhes ainda eram difíceis de se enxergar. Pelas armações de madeira que ocasionalmente avistava, aquilo só podia ser uma mina abandonada. No final de um corredor estreito, o túnel revelava uma grande abertura na caverna, que só podia estar perto de sua entrada.
  17. No centro, uma fogueira bruxuleava, iluminando de maneira assombrosa a figura de uma criatura vagamente humanoide em forma. Era alta, de pernas e braços finos e brancos como giz. Suas costas envergavam-se em uma corcunda tortuosa de se ver, e desta saíam sais de cristais escuros, como se fossem a carapaça de uma tartaruga. Por um instante, Casimir pensou que ela não o havia visto, mas uma mão trêmula tocou em seu ombro e o puxou para as sombras. Era uma mão delicada, de uma moça um pouco mais velha que ele, e ele logo reconheceu que era uma das meninas que havia fugido da vila dois dias atrás. Ela sussurrava em seu ouvido, entre discretos soluços, tentando não falar alto ou chorar. “Ela.. Ela disse que estava faminta, mas que esperaria para saborearmos. Um por noite..” Os olhos da menina iam até um canto da caverna, onde uma outra criança abraçava os joelhos, em posição fetal, escondendo seu rosto, e depois voltavam até a besta perto do fogo. “Éramos quatro, Theodor foi o primeiro..”
  18. Mesmo que ditas em um tom baixo, as palavras ecoavam no silêncio da caverna juntamente de um baixo ruído de algo sendo mastigado. Assim que a menina largou sua mão, uma marca no pescoço de Casimir começou a “coçar”. Ele não havia percebido até agora, mas havia dois pequenos furos, já cicatrizados, em seu pescoço. Ignorando aquilo como uma picada de inseto, ele distanciou seu olhar da criatura, assustado demais para confrontá-la ou sequer se aproximar dela. Como a menina que o alertara mais tarde provaria, a aberração não gostava de que se aproximassem do fogo, e parecia bloquear a saída daquele local.
  19. Uma noite se passou, mas Casimir não sentia fome. Seus horários de sono estavam desregulados, mas dentro da caverna, ele não conseguia saber quando era dia e quando era noite. No dia seguinte, a criança que chorava no canto da caverna desapareceu, e o resto do “dia” foi seguido pelo lento mastigar da fera. A menina continuava vívida – mesmo que Casimir não tivesse visto o que aconteceu, ela havia presenciado tudo. Logo, os dois decidiram que não podiam esperar mais uma noite para agir, e bolaram um plano.
  20. Enquanto a criatura devorava lentamente a carcaça da criança recém-abraçada, deliciando-se com o sangue de outro vampiro, os dois deslocaram um pedaço de madeira de uma viga que suportava a caverna. A menina se aproximou do fogo, acendendo a tábua como uma tocha. Até então, tudo tinha dado certo. Com uma fonte de luz, eles poderiam explorar melhor o interior da caverna, e possivelmente encontrar uma rota de fuga. No entanto, assim que a menina se virou, trêmula, Casimir soube que havia algo de errado. Não conseguindo mais segurar a tocha, ela arremessou-a com um grito contra a mesma viga da qual a haviam retirado, e avançou contra Casimir com um temível grito.
  21. O que se seguiu aconteceu rápido, de tal maneira que até mesmo Casimir pouco se recorda. Sentindo-se ameaçado, o garoto instintivamente desviou da investida, e jogou a menina, ainda de costas, contra o chão. A tábua, ainda em chamas, alastrou o fogo pelo resto da viga, iluminando a caverna conforme a estrutura de suporte se incendiava. Gutka, a aberração no centro da caverna, não tomou partido – ela se virou e observou a cena com um sorriso bizarro em seu rosto pálido e deformado, como se entretida com o que estava acontecendo. Nem mesmo as vigas em chamas à assustavam.
  22. A luta durou por pouco mais de um minuto, até que Casimir conseguiu cravar suas próprias presas na menina após ser coagido a entrar em frenesi. Houve resistência, porém a estrutura da passagem que ligava o túnel estreito com a área aberta onde Gutka repousava havia sido comprometida, e durante a briga uma rocha havia caído sobre a perna da garota, quebrando seu fêmur e incapacitando-a. Por fim, o duelo havia terminado, mas grande parte da abertura que ligava o túnel ao resto da caverna havia sido selada. Passou-se uma noite até que Casimir conseguiu voltar a si, mas já não sentia a mesma fome.
  23. Aos seus pés, restava uma pilha de cinzas e sangue encrustado sobre as rochas. A sede que sentia desde que havia acordado na caverna, três dias atrás, tinha se esvaído. Ele tateou no escuro por mais um tempo, até que seus olhos instintivamente se adaptaram ao ambiente escuro. Era a primeira vez que utilizava uma disciplina, mas Auspícios lhe caía bem naquela situação.
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