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- CANÇÕES PARA VIVER MAIS
- O quarto de Vinícius fica no meio do corredor, à esquerda. É lá que estão o violão, as partituras, a
- coleção refinada de CDs: Beatles, Radiohead, R.E.M., Flaming Lips, Tom Waits, Jeff Buckley, Strokes,
- Air, Beastie Boys, Billie Holliday, Caetano Veloso, Vitor Ramil, João Gilberto. As fileiras são
- desordenadas e alguns discos cobrem os demais, mas nem preciso revirá-los para ver melhor. Já deu
- para entender as referências dele. Ao lado da cama de solteiro, coberta por uma colcha do Grêmio,
- estão um pôster do vocalista do Radiohead, Thom Yorke, o mais brilhante artista da música pop do
- século 21, e outro do grupo escocês de pós-rock Mogwai, autografado. Na cabeceira da cama
- repousam, sobre um travesseiro, o terço da primeira comunhão e um CD que estampa na capa a foto
- de Vinícius – bonito e concentrado, com headphones e agasalho esportivo vermelho abotoado até se
- formar uma gola alta. “Yoñlu” é o que está grafado na capa do disquinho digital. O estúdio caseiro
- onde as 23 faixas do CD foram gravadas, entre 2004 e 2006, fica no meio do mesmo corredor, à
- direita. Abriga o aparelho de som do garoto, mais discos, uma guitarra, um teclado e o seu
- computador, um PC onde os sons foram registrados com um aplicativo básico de áudio, o Cool Edit
- Pro, e um microfone.
- Os dois cômodos mais freqüentados por Vinícius Gageiro Marques, filho único da professora
- universitária e psicanalista Ana Maria Gageiro, e segundo do professor universitário Luiz Marques
- (Fernanda é do primeiro casamento), permanecem arrumados como se ele fosse chegar a qualquer
- momento do tradicional Colégio Rosário, onde cursava o ensino médio, para navegar na internet e
- fazer música, seu passatempo predileto. A rotina dele também englobava as visitas ao analista, ao
- cinema, às aulas de teclado e guitarra e, sazonalmente, a uma academia de ginástica. “Manter tudo
- como era faz parte da elaboração da perda”, explica Luiz Marques, que me recebeu em uma tarde
- incandescente do verão sulista, no final de dezembro de 2007, para falar do álbum póstumo de
- Yoñlu, assinatura virtual (de significado ignorado) de Vinícius, que abreviou a própria vida na tarde
- de 26 de julho de 2006, 36 dias antes de completar 17 anos, ali mesmo, no apartamento do bairro
- São Geraldo, zona norte de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.
- Naquele dia, o garoto permaneceu on-line até lacrar o banheiro, onde morreu por intoxicação de
- monóxido de carbono. Seus últimos momentos foram acompanhados por internautas com quem ele
- se comunicava em um fórum virtual de suicídio. Alguns inclusive deram conselhos de como agir para
- executar o plano preconcebido – às 14h18, Yoñlu relatou que tinha duas grelhas queimando no
- banheiro, postou uma foto e perguntou: “Alguém, por favor, pode dizer quando posso entrar no
- banheiro e deitar?”; às 14h42, um internauta pergunta: “Como você está se virando? Espero que
- você consiga. Talvez você vá voltar tossindo”; às 14h44, Yoñlu retorna ao computador e reclama do
- calor: “O que eu devo vestir para tornar isso mais suportável? Pelo amor de Deus, alguém por favor
- me ajude”; às 15h11, um internauta alerta que a emissão do monóxido de carbono pode afetar os
- vizinhos; algumas horas depois, alguém escreve que o suicídio deve ter sido consumado, pois ele
- não entrou mais em contato.
- Conectada à rede na tarde da morte, em Toronto, a antropóloga canadense Lindsey, que conhecia
- virtualmente Yoñlu, alertou agentes policiais de seu país. Eles acionaram a sede gaúcha da Polícia
- Federal brasileira. Quando os soldados da Brigada Militar de Porto Alegre chegaram ao apartamento,
- era tarde demais. O corpo de Vinícius foi encontrado por seu avô, Fernando Gageiro, que mora no
- térreo do mesmo prédio de três andares, e por um policial. “Ele ficou tão abalado com a cena do
- ‘guri lindo e que tinha tudo’ que teve de se afastar do trabalho de campo e fazer análise”, conta Ana
- Maria Gageiro. “Vinícius era fechado como uma ostra, mas dentro tinha muitas pérolas”, define Luiz
- Marques, doutor em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris, secretário estadual
- da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul entre 1999 e 2002. Estamos na sala de estar que tem
- como cenário dezenas de quadros com fotografias tiradas por seu filho, um adolescente poliglota que
- se alfabetizou em francês (morou com a família em Paris dos 3 aos 7 anos), falava e escrevia em
- inglês fluente sem nunca ter freqüentado cursos específicos (aprendeu assistindo filmes na tevê e no
- cinema) e chegou a estudar galês, que se propunha a ensinar pela internet – “Tinha um aluno, um
- maluco”, brinca o pai.
- Seguidor da lomografia, Vinícius se dedicava a retratar o cotidiano de forma imprevisível desde os
- 13 anos, usando as cultuadas câmeras russas Lomo, que adquiria pela internet com a ajuda da mãe,
- com quem passava horas pesquisando pelo modelo a ser encomendado. “Ele era sério, até demais, e
- costumava se aprofundar em tudo antes de tomar qualquer atitude”, lembra Ana Maria Gageiro, que
- me recebeu alguns dias depois de eu entrevistar seu marido, na mesma sala de estar onde ainda
- permanecia, em um cesto de revistas, uma publicação que estampava a manchete “Deus Existe?”. Foi
- só depois de muita leitura, por exemplo, que o intelectualizado Vinícius (lia Kafka aos 12 anos) se
- decidiu em adquirir seu gato pêlo curto inglês “importado” do Rio de Janeiro. “Albert o seguia pela
- casa o tempo todo”, recorda a mãe, com o gosto doce da lembrança e os olhos que miram o infinito.
- O bichano, que permaneceu escondido nas duas visitas que fiz ao seu lar, é tão sensível quanto era
- seu dono. “Desde cedo, eu percebia que a antena sensível do Vinícius para o mundo também era a
- fragilidade dele”, revela Ana Maria, com conhecimento de causa: é doutora em psicologia pela
- Universidade Paris Diderot-Paris 7. Porque “a relação com o outro era um desafio quase
- intransponível”, ele passou a fazer análise já aos 8 anos. A mãe era uma das poucas companheiras
- da curta adolescências do garoto que, até os 14 anos, preferia sair com o pai para ir ao cinema, uma
- grande paixão, e aos jogos do Grêmio.
- Um levantamento elaborado pelo Ministério da Saúde aponta que o Rio Grande do Sul tem o maior
- índice de suicídios do país: 16,6 casos para cada grupo de 100 mil pessoas. Porto Alegre é a quinta
- capital brasileira da pesquisa. “Este dado coloca Vinícius numa estatística. O resto não é estatística,
- ele era um iluminado, tinha uma sensibilidade acima da média”, afirma Luiz Marques, o homem que
- se dedica a difundir a notável capacidade artística precocemente revelada pelo filho que, muito mais
- do que os clichês fáceis e oportunistas do garoto-problema-da-internet, remetia ao “one dimensional
- man” descrito nos anos 50 pelo sociólogo e filósofo alemão naturalizado norte-americando Herbert
- Marcuse: “Um personagem da nova era marcado pelo auto-enclausuramento no domicílio, no
- trabalho, no lazer, cercado de parafernálias tecnológicas que servem para realizar o sonho da
- filosofia iluminista”.
- Além de participar de grupos internacionais de fotografia, Vinícius desenhava muito bem (seus
- traçoes e colagens remetem a Stanley Donwood, designer do Radiohead) e tinha uma aptidão
- musical impressionante. Na teoria, demonstrava conhecimento e senso crítico em análises profundas
- sobre a música pop, sempre escritas em inglês e disponibilizadas na internet. Com 13 anos, fez uma
- compilação em CD, que enviou para amigos virtuais mundo afora, selecionando os artistas que
- julgava mais importantes para a história evolutiva do rock: Beatles (“A banda”), Mutantes (“a mais
- inovadora do Brasil”), David Bowie (“antena britânica”), Bob Dylan (“pioneiro”), Clash (“o grupo
- punk definitivo”), R.E.M. (“baliza pós-punk que apresenta o guitar pop como alternativa ao rock”),
- Smiths (“demarcaram o fim da new wave e o começo do guitar rock”), Jeff Buckley (“o mais
- importante letrista americano”), Blur (“junto com o Oasis, o sólido parâmetro do brit pop”), Super
- Furry Animals (“primeira banda pós-alternativa”) e Radiohead (“para fechar com chave de ouro o
- ciclo iluminado”).
- Na prática, Vinícius registrou centenas de canções movidas a teclado, guitarra, violão e efeitos no
- quarto que transformou em estúdio. O disco póstumo, embora seja apenas um esboço do seu
- potencial, revela conexão com o pós-rock, vocação para o experimentalismo eletrônico, noções de
- rock industrial e capacidade de criar delicadas melodias melancólicas, algo entre Badly Drawn Boy,
- Radiohead, Tortoise e Nick Drake.
- Os artistas gringos, porém, não transitavam com exclusividade na órbita de influências do garoto
- contaminado pela consciência universal propiciada pela internet. Nada colonizado, ele agregava ao
- seu som a paixão pela bossa nova, a atenção às rupturas tropicalistas (considerava Gilberto Gil o
- grande gênio do movimento) e a ingluência de músicos gaúchos como Vitor Ramil, seu predileto, e
- Nico Nicolaiewsky. Foi outro músico local, Arthur de Faria, quem recomendou Yoñlu para Sandro
- Bello, do selo goiano Allegro, que lançou o disco. “Fiquei imaginando como, em tão pouco tempo,
- ele captou a magia da música popular de forma a desenvolver algo tão bacana”, questiona Bello.
- “Adorei a maneira como ele usa os tempos, as melodias e as harmonias, e também as letras que
- escrevia”, analisa Arthur de Faria, que também é jornalista.
- Entre o lirismo poético e um salutar nonsense, as letras, escritas em inglês, ajudam a desvendar
- quem era Vinícius. Assuntos como depressão, indaqueação e suicídio estão espalhados entre as
- faixas selecionadas para o disco. “Katie Don’t Be Depressed”, uma pérola musical com guitarras
- quentes e letra polar, é sombria: “Katie não fique deprimida / é sério, quero dizer, que porra é essa?
- / um pensamento se lança pela sua cabeça / e vê você se contorcer e berrar / apesar de uma mão o
- segurar / apesar de ser jogado no chão”; “Humiliation”, voz, violão e incapacidade de declarar uma
- paixão, é pungente: “Por que isso sempre acaba em humilhação para mim? (…) Eu vou dizer porque
- / Eu vou morrer”; a balada triste de palavras cuidadosamente mastigadas “Suicide Song”, escrita um
- mês antes da data fatal, é assustadora: “Agora ela se foi como todo mundo que conheci / agora o
- meu suicídio está iluminado pelo pôr-do-sol / se quer saber a minha opinião, é bem triste / acho que
- não vou estar / presente para ver o seu rosto”.
- Ana Maria Gageiro, que estudou violão e tem boas noções musicais, sempre foi uma grande
- incentivadora da vocação do filho, não por acaso batizado em homenagem a um dos mais
- importantes letristas da bossa nova. “Casualmente, o último filme que ele assistiu foi o documentário
- sobre o Vinícius de Moraes”, lembra a mãe, que apresentou ao garoto bandas como Queen e passou
- a gostar de artistas como R.E.M. e Los Hermanos por causa dele. “De vez em quando, sentávamos
- para tocar e cantar, e ele me pedia opinião sobre algumas das músicas que estava compondo.”
- Apesar de ter sido uma efetiva interlocutora musical, Ana confessou, antes mesmo de eu ligar o
- gravador, que não consegue ouvir o disco de Yoñlu – mais no final da entrevista admitiu que “aquilo
- ali pra mim é um inferno, né?”, referindo-se ao quarto do garoto, que o marido preferiu manter
- arrumado, como nos velhos tempos de convivência a três.
- É das brincadeiras cotidianas de Vinícius, o parceiro de programas adolescentes, que ela mais se
- ressente. “Sempre tive dificuldade de entrar nessa empolgação do CD”, afirma Ana, referindo-se ao
- empenho de Luiz Marques em perpetuar a arte de Yoñlu. “Passei a encarar a morte de uma maneira
- completamente diferente e mergulhei no trabalho para tentar seguir adiante. Ou tu engata na vida, e
- vive mesmo com uma dor destas, mergulha em alguma coisa [longo silêncio]. Tudo termina em
- nada. Aprendi que tem que pegar leve. Porque, olha [suspiro profundo], de uma manhã para uma
- tarde, tudo muda. A vida escorre pelo dedo. Pega leve.”
- “É diferente a maneira como um homem se relaciona com o luto em relação à mulher”, teoriza Luiz
- Marques. “Para o pai, acabou a transcendência”, declara, enquanto prepara um revigorante café para
- dar seqüência à entrevista, logo depois d ter me levado para conhecer o quarto e o estúdio do filho –
- mais tarde, ele me enviou um e-mail confessando que sentiu demais o “peso de revirar os CDs e
- mever nos livros de Vinícius”.
- Mesmo destruído depois da perda, Luiz percebeu que tinha uma possibilidade de satisfazer sua
- necessidade masculina da transcendência fazendo algo que, acredita, deixaria seu filho, finalmente,
- feliz: dedicou-se a divulgar a obra musical dele. A tarefa foi impulsionada por uma iniciativa do
- próprio Vinícius, que se revelou depois de sua morte.
- Até o fatídico 26 de julho de 2006, Luiz não conhecia nenhuma música, muito menos sabia da rede
- de interlocução do filho. Antes de se trancar no banheiro para abandonar a vida, Vinícius seguiu uma
- orientação do fórum virtual de suicídio que freqüentava há cerca de dois meses e redigiu uma carta
- de despedida – para não incriminar os familiares. Escrita no computador, impressa e colocada junto
- do aviso “Cuidado – Monóxido de Carbono” afixado na porta, a carta explicava que aquilo não era
- uma contingência ou algo precipitado, pedia que sua vontade fosse respeitada porque a vida estava
- insuportável, indicava o endereço de seu blog, agradecia o apoio dos pais e lhes recomendava ouvir
- música quando ficassem tristes, exatamente como ele fazia. Embora não tenha sugerido que
- ouvissem os sons que ele mesmo compôs, deixou um CD com algumas de suas canções.
- Ao mesmo tempo e no mesmo lugar onde buscava respostas para o suicídio, o computador de
- Vinícius (que estava sendo periciado pela Polícia Federal e pela Delegacia da Criança e do
- Adolescente), seu pai descobriu algumas das preciosidades sonoras que ele tinha armazenado – na
- grande maioria, canções próprias. Entre as poucas releituras, estão duas faixas que, por
- desconhecimento de Luiz Marques, não foram creditadas aos seus autores na primeira leva do CD:
- “Ricky”, de John Frusciante, e “Little Kids”, do Kings of Convenience. Muitas faixas vinham
- acompanhadas por comentário entusiasmados de internautas do mundo todo. O brasileiro de Gay
- Harbour (era como Yoñlu se referia a Porto Alegre), praticamente sem amigos reais, era um artista
- virtual definido como genial por ingleses, escoceses, belgas, canadenses, norte-americanos. A
- descoberta motivou Luiz Marques a procurar alguns amigos músicos, como Cláudio Levitan, que
- apresentou os sons para Arthur de Faria, que procurou Sandro Bello, que lançou Yoñlu.
- Tecnicamente, o formato final do produto foi obtido com a colaboração do músico e produtor gaúcho
- Pedrinho Figueiredo, que trabalhou, entre outros, em discos do renomado gaiteiro Borghettinho.
- Pedrinho colaborou na escolha do repertório, além de mixar algumas faixas, restaurar o áudio de
- outras e, só quando necessário, remixar algumas poucas canções. “Foi admirável testemunhar que
- em um período de pouco mais de dois anos ele tenha evoluído tanto”, analisa Pedrinho. “Ele
- começou a gravar com as ferramentas mais básicas de um PC e chegou a músicas de 36 canais, uma
- mixagem legal e propostas conceituais de arranjo e de mixagem. Eu não conheci o Vinícius em vida,
- mas posso dizer que hoje o conheço como artista.”
- “Eu ‘conheci’ Vinícius em um fórum de videogames, por volta de 2001”, conta por e-mail o DJ
- escocês de breakcore/nintendocore Sabrepulse, de 22 anos e um excelente currículo de
- apresentações pelo REino Unido. “Logo começamos a falar no MSN sobre música, videogames, arte e
- ficamos bons amigos. Aí ele começou a me enviar arquivos de mp3 com suas gravações. Ele era
- muito talentoso. Na verdade, comecei a escrever música por causa dele, que me enviou uma faixa
- chamada ‘Deskjet’, gravada com sons de impressoras, e eu remixei usando um teclado e algumas
- batidas. Depois ele fez algumas cópias desse single e enviou uma para minha casa. ‘Purple Haze’,
- uma de minhas primeiras músicas, tem a voz dele na introdução. Em 2006, dediquei um de meus
- discos em sua memória, Chipbreak Wars, que tem um desenho do Vinícius na capa (e uma faixa
- chamada “XXX Is Dead”). Ainda penso muito nele.”
- Sam Miller, a.k.a. FargalEX, 21 anos, estudante de animação digital na Universidade de
- Hertfordshire, Inglaterra, conheceu Yoñlu em janeiro de 2004. “Embora nunca o tenha visto
- pessoalmente, o considero como um de meus amigos mais próximos”, revelou por e-mail – depois de
- relutar em conceder entrevista, porque já foi procurado por muitas pessoas para falar a respeito do
- suicídio. Para um dos internautas, com quem mantive contato, e que lhe contou sobre o lançamento
- do CD, chegou a se mostrar desgostoso e dizer: “Ele se foi, deixem-no em paz”. FargalEX tem
- armazenadas 72 faixas gravadas pelo adolescente gaúcho, “nem todas prontas, algumas
- experimentais, mas sempre muito fáceis de serem visualizadas”. Autor da letra nonsense de
- “Guurdensky Slipslogruya Q”, lançada com o título de “Goodbye (a Story)”, voz da introdução da
- faixa I de Yoñlu, o indie rock “Mecha Donald Duck”, fã de músicas “Not Another King Kong” (um
- quebra-cabeça de estilos lançado como “Tiger” no CD) e da bossa “Sketch”, FargalEX, excelente
- designer, também conhecia os desenhos de Yoñlu: “Ele me enviou alguns de aniversário. Tinha uma
- arte muito estranha e interessante, quase naïf. Além disso, suas críticas e apoio aos meus trabalhos
- artísticos sempre foram muito valiosos. Yoñlu foi uma grande inspiração.”
- As evidências da amizade entre FargalEX e Yoñlu estão em um dos fóruns musicais que
- freqüentavam, o rllmukforum. Em 26 de junho de 2006, depois de enviar músicas para serem
- apreciadas pelos demais internautas e ser questionado sobre sua idade por alguém surpreso com a
- qualidade do trabalho, o brasileiro respondeu que tinha 17 anos. “Espera, o quê? Subitamente você
- ficou mais velho? Você não tem 17 anos até setembro”, provocou FargalEX – Vinícius nasceu em 1°
- de setembro de 1989.
- Foi nesse mesmo fórum, pelo qual naveguei municiado pela senha fornecida por Luiz Marques, que o
- pai de Yoñlu começou a descobrir sua boa reputação. Dois dias depois do suicídio, FragalEX
- disponibilizou 25 faixas do amigo em mp3: suzakuseven agradeceu e afirmou que “Waterfall” é
- simplesmente maravilhos; thebigboss escreveu que “Finalmente” é fantástica; Bastion Booger
- afirmou que a voz remetia a Thom Yorke das coisas mais novas e perguntou se Yoñlu era seu fã; Mk
- afirmou que o garoto deveria ter um álbum póstumo; YaWdiB contou que não conseguia parar de
- cantar “Estrela” nos últimos dois dias – ele se referia a “Estrela Estrela”, música de Vitor Ramil dos
- versos “como ser assim tão só e nunca sofrer?”, que Yoñlu regravou e fez grande sucesso entre os
- fãs. Em 14 de agosto, DiscoStu escreveu que era difícil imaginar que uma pessoa tão jovem e
- talentosa pudesse ter posto fim a tudo, e elogiou “Estrela” e “Waterfall”; Bojangle descobriu Yoñlu
- listado na plataforma social de música Last.fm, mas, ao constatar que não favia um perfil dele,
- propôs que eles mesmo fizessem um, juntos; stan contou que colocou a maravilhosa “Waterfall” em
- seu iTunes.
- Passado quase um ano, em 4 de maio de 2007, Hoop version confessou que rotineiramente acordava
- com a segunda parte de “Albatross” em sua cabeça; em 3 de junho, Jim Miles revelou que nunca
- tinha ouvido nenhuma música de Yoñlu até então, e elogiou “Waterfall”, especialmente quando as
- batidas começam; em 17de junho, toonfool contou que baixara “Waterfall” havia algumas semanas e
- a considerava uma grande música – “É uma pena que ele tenha partido”; em 19 de agosto, Jab
- afirmou que Yoñlu tinha muito talento e desejou que ele descansasse em paz. A recorrente
- “Waterfall” é uma balada instrumental cortante levada por violão e voz, que cresce na segunda parte
- quando acrescida de efeitos e batidas eletrônicas sutis. Em fevereiro deste ano, o selo Luaka Bop fez
- coro aos internautas e concedeu nova dimensão ao trabalho. Agentes do selo norte-americano, que
- descobriram o som do garoto pela internet, licenciaram os direios internacionais do CD lançado pela
- Allegro. No exterior, o álbum ganhará nova direção de arte e terá 14 faixas, entre elas a versão de
- “Estrela, estrela” e o samba “Olhe por nós”.
- O guru da psicodelia Timothy Leary declarou que o computador era o novo LSD, referindo-se a
- possibilidades tão infinitas quanto a perpetuação da persona virtual, algo semelhante a uma viagem
- lisérgica se levado em conta o despreeendimento do tempo/espaço. O corpo de Vinícius foi enterrado
- no cemitério ecumênico João XXIII, em Porto Alegre. Yoñlu (ou Yonnerz, seu outro codinome), o guri
- de Gay Harbour que habita a rede mundial de computadores continua disponível para a geração
- google – é plausível imaginar que fosse bem consciente disso. Ele ainda está cadastrado nas páginas
- do site IVOX – Guia de Opiniões, onde, com 12 anos, escreveu que “a última coisa que precisarão
- ouvir sobre mim é simples: sou preguiçoso”; listou Radiohead, Björk, Neutral Milk Hotel, Ed
- Hardcourt e Kings of Convenience como bandas de interesse; afirmou ser “grande admirador do
- trabalho de David Lynch”; fez uma abalizada crítica para o filme Lilo & Stitch: “A campanha
- publicitária da Disney para sua nova comédia sci-fi animada está desesperadamente tentando nos
- convencer de que o filme é uma exceção à tradicional fórmula da Disney (…) Au contraire, Disney,
- au contraire (…), no geral ele se encaixa perfeitamente nela, com seus protagonistas órfãos,
- personagens auxiliares cômicos e uma mensagem sobre a importância da família”.
- No site Rate Your Music, onde pode ser visto de chapéu e cachimbo, Yoñlu conta que estava ouvindo
- Los Hermanos, Beatles, John Frusciante, Caetano e Clash e atribui notas altas para quatro discos do
- Lambchop, poucos dias antes de morrer. No site da Amazon, é dele uma das resenhas do CD João
- Voz e Violão, em inglês impecável e de frases como “a bossa nova é de longe o mais inspirado
- gênero musical brasileiro”; “para mim, é disso realmente que música se trata: voz, violão e
- silêncio”; Em seu blog, Lone Cannoneer (tirado do ar por um hacker em outubro de 2007, por
- decisão de Luiz Marques e em nome da preservação de familiares que apareciam fotos), Yoñlu deixou
- mais amostras de sua criatividade, capacidade crítica e um bom humor que, na medida em que
- crescia, se afastava do apartamento onde morava com os pais. Suas auto-entrevistas em forma de
- notícia são primorosas.
- GAY HARBOUR, BRAZIL – O aprendiz de violão de 15 anos Yoñlu anunciou hoje que,
- apesar de praticar cotidianamente, está tocando cada vez pior. O jovem pupilo
- está estudando música há um ano numa escola a duas quadras de sua casa. “Bem,
- eu pratico mais do que uma hora por dia, mas não consigo melhorar”. (…) Em um
- momento da entrevista, Yoñlu pegou seu violão e começou a tocar “Don’t Think
- Twice, It’s Alright”, de Bob Dylan. Apesar de seu modo de cantar ser, de fato,
- bastante fiel ao de Dylan na versão original de Freewheelin'[1963], foi impossível
- não perceber que ele está tocando muito mal.
- GAY HARBOUR, BRAZIL – Inspirado na recente decisão de Jason Kottke de parar de
- trabalhar para se dedicar ao blogging, o autor do bem-sucedido blog Lone Cannoneer,
- Yoñlu, está pensando em fazer o mesmo. “Bloguear o tempo todo tem sido um sonho que
- me acompanha há tempos”, confessou o jovem brasileiro. (…) ele também estava negociando
- com o Blogger.com por mais banda, desde que o grande número de acessos que tem recebido
- diariamente começou a causar quedas no servidor nas horas de pico. (…) “Milhares de
- pessoas param diariamente para ler minhas novas resenhas sobre música no Lone Cannoneer,
- dividir suas opiniões ou simplesmente checar as novas animações. Eu não posso tirar isso
- delas.”
- Conectados à existência virtual, jovens como Marcelo Amorim Menegali, paulista de Piracicaba, 19
- anos, se tornaram verdadeiros especialistas na vida de Yoñlu. O estudante de Engenharia de
- Computação leu a notícia da morte pela imprensa e, um ano depois, começou a pesquisar a história
- virtual do garoto que jamais conheceu. Em um dos diversos sites e blogs pelos quais navegou,
- encontrou Hellraiser, um amigo de Yoñlu que se suicidou em 15 de agosto de 2007. “Lendo posts de
- um site, cliquei, por curiosidade, no perfil de uma menina que tinha feito um comentário
- interessante”, contou Marcelo, por e-mail [no final de todos os bate-papos virtuais que me
- descreveu, ele colou os textos]. “No perfil da garota havia um verso da letra de ‘Suicide Song’
- [“Back into your arms because I just can’t be… anything outside of them”], do Yoñlu. Assustado
- pela coincidência, mandei um e-mail para ela e passamos a conversar no MSN. Ela se chama Coraline,
- mora em Paris, era namorada do Hellraiser, cujo nome verdadeiro é Romain, e me contou que ele era
- muito amigo do Yoñlu. Coraline conheceu o namorado em um fórum de suporte à depressão, ele havia
- dito a ela que iria se suicidar. Provavelmente, Yoñlu e Hellraiser sabiam dos planos de suicídio
- um do outro. É possível até que tenham discutido os métodos.”
- Marcelo também descobriu Flávia Carpes, ex-colega de Vinícius no Colégio Rosário e uma das 37
- integrantes da comunidade “Pipoca eh o cara!!!!”, do Orkut. “Flávia Carpes me contou um pouco
- sobre ele e disse que estavam na mesma classe, mas que não eram muito próximos”, lembra
- Marcelo. “Quando citei as músicas, ela se mostrou surpresa com uma em especial. Depois ela ligou
- para uma colega para contar sobre esta música e a meu respeito. Foi assim que eu conheci
- (virtualmente) a Luana.”
- “A coisa que eu mais gosto é de falar do Vinícius”, diz Luana Groch, que encontrei (pessoalmente)
- em um sábado pela manhã em um típico ponto-de-encontro porto-alegrense – um café, em pleno
- verão – para lembrar do mais tenebroso inverno de sua curta existência. Foi para ela que Vinícius
- escreveu “Mecânica Celeste Aplicada”, nome definitivo para a música inicialmente batizada como
- “Luana”. Ela mudou de Erechim para Porto Alegre em 2006, com a intenção de cursar o terceiro ano
- e se preparar melhor para o vestibular. “Entrei na turma 303 e todo o pessoal foi muito receptivo,
- mas logo o Vinícius me chamou a atenção, sempre contando suas piadinhas”, enfatiza a garota que
- contrasta o ar melancólico com a disposição para discorrer sobre os bons momentos de um passado
- recente. “Na sala de aula, ele era muito extrovertido, de um humor inteligente, e isso me atrai
- bastante nas pessoas. Já no primeiro dia de aula, fui falar com ele. Depois, no Orkut, ele veio
- perguntar: ‘Por que tu veio falar comigo?’, como se tudo aquilo que ele fazia não recebesse a
- atenção que merecia. Mas não era verdade, todo mundo amava ele no colégio! Ele não tinha amigos
- assim, de viver junto, ir às festas, viagens, mas todo mundo amava ele”.
- Em seguida, Luana aprofunda a análise e começa a dar pistas. “Na verdae, ninguém conhecia o
- Vinícius, todo mundo conhecia o Pipoca. Era o aluno mais popular da sala de aula e o mais
- inteligente também. Ele não estudava, entregava as provas em dez minutos e só tirava 10, vivia
- tirando onda, até com os professores. Uma vez, ele resolveu entrar em um concurso de top model
- que fizeram no colégio, só para avacalhar!”, diverte-se a colega que sentava longe de Pipoca e não
- conversava muito com ele na escola, mas gastava muitos pulsos telefônicos com Vinícius, três vezes
- ao dia. “Sabe aquela pessoa extremamente agradável de conversar?”, dispara Luana. “Ele era
- sensível, parece que a gente se conhecia há muito tempo”.
- A afinação da dupla se estendia até ao guarda-roupa: “O Vinícius tinha um casaco igual ao meu, da
- Puma, preto, e a gente sempre se vestia igual. Aí, um dia, eu resolvi ir de branco na aula, eu nunca
- usava branco! No outro dia, claro que ele foi de branco também, a gente se olhava e ria muito, foi
- muito engraçado!”, narra Luana, como se estivesse descrevendo o enredo de uma comédia romântica
- que assistiu em um cinema de calçada.
- Confidente, conselheiro, companheiro, Vinícius mostrava algumas das músicas que estava
- compondo para a melhor amiga. “Eu achava o máximo quando ele me pedia opinião. Uma vez, ele
- gravou uma música e estava com vergonha de apresentar, aí a gente cantou junto. Todo mundo
- gostou, até o professor. E ele ficou trifeliz”, arremata orgulhosa a guria, arrastando seu sotaque
- gaúcho. “Depois ele me falou que estava fazendo uma música para mim, ficou um tempão
- produzindo”. O grau de amizade e confiança era tamanho que “quando ele estava achando muito
- chato ir no analista, me pedia para ligar no meio da consulta, ou mandar mensagens de texto, para
- poder inventar uma desculpa e sair”, revela a garota. “Um dia ele me contou que começou a falar
- muito de mim e o analista chegou a pensar que eu fosse imaginária, porque meu nome é a soma das
- primeiras sílabas dos nomes dos pais dele”.
- Protagonistas de uma love story adolescente, sem nenhuma pressa ou necessidade de entrar no
- mundo adulto e transformar a amizade em namoro (por mais adultos que fossem), Vinícius e Luana
- começaram a ir juntos ao cinema e até faziam planos futuros. “Para o verão deste ano, tínhamos
- programado uma viagem para a França”, recorda a menina enquanto mordisca os lábios, mexe e
- remexe nos cabelos.
- Subitamente, ela desmonta a atmosfera etérea que exala e baixa o tom de voz. “Com o passar do
- tempo, fui vendo que o comportamento dele na sala de aula era fachada, ele não queria ser daquele
- jeito. Vinícius dizia que não conseguia passar o que sentia, a não ser quando estava cantando e
- escrevendo. Ele falava muito sobre depressão, às vezes tinha que ir embora no meio da aula porque
- não agüentava a pressão. No começo, ainda tinha forças, falava que queria se tratar, e eu ajudava,
- dizia que ele ia conseguir. Mas, às vezes, ele dizia: ‘Hoje eu quase cometi uma loucura’. O Vinícius
- era genial, mas achava que qualquer pessoa era melhor do que ele. Era bonito, mas se achava feio,
- sempre falava isso. Se achava insuportável!” – ao estudar a depressão que levou à morte do filho,
- Ana Maria Gageiro cita como provável causa a fobia dismórfica: eventualmente, Vinícius tinha a
- impressão de que seu corpo iria se dissolver; “Ás vezes ele me dizia que achava que seu corpo
- estava aos pedaços”, conta sua mãe.
- Vinícius nunca deixou Luana ir até a sua casa nem deu explicações plausíveis para essa conduta. Mas
- as inúmeras revelações contidas em seu blog e em fóruns da internet explicam por que ele jamais
- revelou, nem para a melhor amiga, da existência desses. “Eu achava que ele não me escondia nada,
- fiquei muito chateada quando soube do blog e dos fóruns”.
- Na tarde de 23 de maio de 2006, no rllmukforum, Yoñlu agradeceu os cumprimentos recebidos por
- diversas de suas músicas e completou: “Hoje eu voltei para casa pensando em suicídio, mas depois
- de ler todas estas palavras gentis resolvi adiar”. à noite, ao comentar a canção “I Know What It’s
- Like”, que anexou para ser ouvida, contou que “é [uma música] muito popular entre os colegas,
- incluindo minha ex-futura-namorada”; sobre “Untitled”, revelou que é um dos tantos sons que fez
- para a garota que ama; de “Suicide Song”, contou que foi “escrita e gravada rapidamente durante
- um momento depressivo” e destacou “como é bacana ouvir a voz de um suicida”.
- Em um relato posterior a uma ida ao cinema com Luana, Yoñlu descreveu seu próprio
- comportamento como péssimo, contou que sentia estar se afastando de mais uma pessoa que amava
- e pediu que rapidamente alguém dissesse algo gentil sobre suas músicas, antes que decidisse se
- matar. No dia 4 de junho, ele postou no fórum a música que fez para a amiga (depois de mostrar
- para sua mãe, sem dizer para quem era). Recebeu diversos elogios, como de costume. Dia 8, revelou
- que ela gostou da música, e enfatizou que não fez a canção para conquistá-la, mas para amenizar a
- má impressão que, segundo seu julgamento, a garota teria dele – àquela altura, ele já tinha
- declarado em seu blog que lhe causara muita surpresa o fato de ter se apaixonado por alguém, e
- estava entrando numa fase depressiva que culminou com textos nos quais justificava o suicídio, que
- podem ser sintetizados nas frases “estou perdendo minha melhor amiga para meus próprios
- demônios” e “eu simplesmente não consigo falar com as pessoas, ou melhor, consigo, mas não sem
- corromper minha identidade e me tornar alguém que eu odeio”.
- No final de julho de 2006, Ana Maria Gageiro encontrou a letra de “Suicide Song” sobre a cama de
- seu filho. “Me apavorei, e vi que ele não estava bem”, recorda a professora e psicanalista. “Chamei
- ele para conversar e ele disse ‘que era só uma música’. Eu disse: ‘Não é só uma música, é uma
- música que fala de suicídio. Eu vejo que tu não tá bem’. Mas ele estava sempre muito decidido, as
- coisas batiam e voltavam, ele estava se isolando cada vez mais.”
- No mesmo período, Luana relata que Vinícius “começou a quebrar tudo que a gente tinha, não queria
- mais falar comigo, se isolou muito na sala (ia de headphones para as aulas), parou de fazer
- piadinhas”. Alertado pelo analista, Mário Corso, de que seu paciente estava falando em se matar,
- Luiz Marques abriu a barra de acessos do computador do filho e descobriu que ele freqüentava um
- grupo virtual de suicídio – chegou a pegar um diálogo do grupo no qual Yoñlu sugeria para uma
- norte-americana com uma espingarda apontada para a cabeça que desistisse e fosse procurar um
- analista. “O Luiz improimiu os diálogos e sentamos os três para conversar, aqui mesmo, nesta sala”,
- revela Ana Maria. “A gente dizia que agora não era só uma música, havia conversas, mas ele
- argumentava que, se aquela era para ser uma solução, teria que ser e pronto. Ele foi muito
- categórico naquele dia”. A partir da conversa, os pais não o deixaram só um minuto sequer. “Mas aí
- ele começou a simular uma melhora, levva até o violão para a escola. Até que, já nas férias de julho,
- ele inventou que faria um churrasco para alguns colegas do colégio que não tinham ido viajar” – com
- a desculpa de que nunca recebia amigos em casa e em nome da privacidade, pediu aos pais,
- professores em férias, que os deixassem a sós.
- A reunião de colegas para um churrasco na cobertura, dia 26 de julho de 2006, soava tão salutar
- quanto o aniversário de 12 anos de Vinícius, que fez do Kiss, então sua banda predileta, o motivo da
- festa – ele e três vizinhos passaram o dia inteiro maquiados com produtos de um kit adquirido pela
- internet; o aniversiariante encarnou Paul Stanley. “No dia da morte, ele simulou tudo”, recorda Ana
- Maria. “Foi comigo comprar comida no supermercado, me fez arrumar a mesa antes de eu sair, dizia
- que tinha dúvida de quantas pessoas iriam. Não vi tristeza, depressão, pavor. Lembro dele me
- olhando em êxtase, em paz. Eu tinha falado para ele que seria desesperador pensar em perdê-lo.
- Mas, para o Vinícius, estar vivo ou morto era um detalhe. Ele não usou nenhuma droga, não bebeu
- nada – dizia que se bebesse apenas acrescentaria mais um problema aos muitos que já tinha. Foi a
- convicção que deixou ele tão calmo.”
- No último post de seu blog, Yoñlu publicou uma foto em que está de costas entreolhando para a
- câmera, parecendo assustado, aparentemente numa cela. Um clique no alt-text revela a frase “É
- assim que eu quero ser lembrado”. “A foto é de uma festa de São João no Colégio Maria Goretti,
- onde ele fez o ensino fundamental”, revela Luiz Marques. “Ele parece estar numa prisão, e não à toa
- escreveu uma música chamada ‘Prison’, que não entrou no disco. A sociabilidade que a escola impõe,
- para ele, sempre foi um pesadelo” – “A minha música predileta sempre foi ‘Prison’, e, embora eu não
- soubesse que Yoñlu era depressivo, acho que dizia muito a respeito de como ele se sentia”, me disse
- Sabrepulse, tão longe e tão perto do amigo virtual.
- “Eu falei com ele naquela manhã, por MSN”, conta Luana, que estava de férias em Erechim, com a
- família, na semana em que Vinícius tirou a própria vida. Ela escreveu: “Não falta muito para a gente
- se ver. Estou com saudade”. Ele respondeu: “Também estou”.
- Um ano e meio, dois capuccinos e muitas revelações depois, era eu que estava sentado numa mesa
- de café diante da garota que “tem o dom de deslocar assim / a lua de Netuno no ar”, como Yoñlu a
- descreveu em “Mecânica Celeste Aplicada”, sua única canção com letra em português, faixa 20 do CD
- cujos eventuais lucros serão investidos em um site dedicado à brilhante produção artística do garoto
- que produziu muito para quem viveu tão pouco, mas ainda assim fez muito pouco para quem
- demonstrou tanto talento. Yoñlu é um disco que deveria ser apenas um cartão-de-visitas, mas se
- transformou em testamento, é a celebração de uma vida com vocação para banquete que ficou no
- aperitivo, é uma amostra de som e poesia dos beijos que Yoñlu não deu, dos sonhos que não
- realizou, das angústias que não superou, de sua paixão pela arte e especialmente pela música, como
- deixou registrado na carta derradeira escrita para os pais, afixada na porta do banheiro, em parte
- reproduzida no encarte do álbum póstumo: “Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no
- momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o de felicidade nos momentos mais
- sombrios”.
- ( Matéria publicada na revista Rolling Stone n°18 por Marcelo Ferla - Março de 2008. )
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