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- GT do Mike /cc/
- (Prólogo)
- >seje eu!
- >21 aninhos, pivete ainda
- >formado no CFAP ( Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, em tailandês )
- >carteira na mão, pistola no coldre
- >feels like atirar em vagabundo
- > polícia militar do estado do rio de janeiro, abre aspas
- > FÁBRICA-DE-BUCETA
- >era 06 de turma, então pude escolher pra qual batalhão eu iria
- >lembre-se disso
- >escolhi o 23º BPM
- >leblon, ipanema, gávea, são conrado
- >mais tranquilo que isso só a casa da sua avó agora que ela parou de fazer suruba
- >na hora da formatura, tava lá minha coroa
- >batalhadora, ralou pra caralho pra me dar um futuro
- >chorou vendo o filho formado com aquela farda azul
- >os olhos começaram a suar o mais masculino dos suores
- >depois do toque da corneta, abracei a velha, olhei pra ela e falei:
- > '' agora vai ser tudo diferente mãe ''
- >ela abriu um sorrisão emocionado que faria até os olhos do capeta lacrimejarem
- > '' agora vai ficar tudo bem ''
- ( Parte I )
- >século x=(√4.10^3)+5^2-3^3 ( faz as contas, otário )
- >adivinha só, vacilão?
- >não ficou tudo bem
- >um ano depois da minha formatura, a coroa desenvolveu uma doença
- >cardiopatia reumática
- >levei ela no HCPM, mas não tem recurso nem pra cuidar dos pms baleados
- >imagina pra porra da minha mãe
- >não teve jeito
- >fui levando de clínica em clínica, buscando ajuda
- >cada diagnóstico era pior que o anterior
- >um dos médicos (o que mais passou confiança), disse que seria necessária uma cirurgia
- >não vou falar o valor, basta dizer que era o suficiente pra tirar sua mãe, suas irmãs, suas tias e até seu avô da prostituição
- >eu tinha um ano para conseguir a grana e pagar o tratamento dela, senão já sabe né?
- >eis que eu tava lá, me sentindo um merda
- >blitz 7h da manhã, só pra fuder trabalhador mesmo
- >paro um carro com os vidros escuros
- >peço a documentação
- >o cidadão, cheio de marra, joga duas notas de cem no meu peito e pergunta se estamos entendidos
- >o dedo do gatilho chega a coçar
- >o procedimento é claro, tentativa de suborno, era deslocar para a delegacia e manter sob custódia do delegado
- >olhei pra nota
- >pensei em enfiar a mão na cara daquele babaca
- >pensei em encher o filho da puta de porrada
- >pensei na coroa, deitada na cama sem poder trabalhar
- >puta que pariu
- >como disse Aristóteles '' ou você se omite, ou se corrompe, ou vai pra guerra ''
- >me corrompi
- >peguei as notas e fiz sinal pra ele ir embora
- >o babaca fez questão de dar aquele sorrisinho convencido
- > vaisefuder.rar
- >daria pra comprar remédios pra velha, aliviar um pouco o sofrimento
- >engoli minha raiva e fui pedir permissão pro sgt pra ir comer alguma coisa
- >ele faz cara de cu, mas a comida do rancho é uma merda e ele também tava com fome
- >traz duas coxinhas e um mate com limão pra mim ô seu viado, disse o tal
- >maldito sgt barrigudo, cansou de dar prejuízo em pizzaria
- >fui no boteco comprar o maldito lanche para nós e, pelo caminho, tinha que passar por debaixo de um viaduto
- >o lugar ali era carinhosamente chamado de beco da maldade, porque quem passava sempre perdia alguma coisa
- >não deu outra, eu tava me aproximando quando vi uma depósito 8/10 vindo na direção oposta
- >quando tava logo abaixo do viaduto, dois pivetes já enquadraram ela
- >um com uma pedra na mão, uma PEDRA
- >por um momento quis encher os dois de chumbo
- >mas eu já sabia que se fizesse isso minha cara estaria estampada no mesmo dia lá no RJ TV
- >''policial mata duas vítimas da sociedade ''
- >não quero ser preso
- >não posso ser preso
- >com o cacetete na mão, chego na encolha para eles não me verem
- >os imbecis tavam ocupados demais catando a bolsa da menina para repararem em mim
- >a cacetada que eu dei na nuca do primeiro foi tão forte que ele desmaiou na hora
- >acertei uma no outro, mas o pivete correu mais que trinta nordestinos atrás de rapadura e conseguiu se evadir do local
- >fui segurar o gansinho que eu tinha colocado pra dormir, quando vi a menina desesperada
- >congelou de medo, coisa comum
- > '' eles conseguiram levar alguma coisa? ''
- > ''não senhor '' ela respondeu baixinho
- > '' senhor tá no céu, pode me chamar de Costa '' falei, levantando o vagabundo na marra
- > '' tem que tomar mais cuidado quando andar por aqui, é perigoso, procura andar em grupo ''
- > '' eu sei, não costumo pegar esse caminho, é que hoje eu tive que vir de ônibus pra faculdade e não sabia chegar lá sem ser por aqui ''
- >nessa hora me liguei que a patricinha era estudante da PUC
- >aquele tipinho que abraça árvore, fuma maconha e faz sarau
- >beijaço fora temer, sexo anal contra o capital, marcha pela paz (e contra a policia)
- >percebi que a novinha ainda estava congelada e perguntei, um pouco mais impaciente '' você vai ficar aí parada ou o quê? ''
- >ela olhou nervosa e começou a gaguejar, falou que era estudante de psicologia e estava fazendo algum trabalho sobre violência
- >ela explicou lá o negócio, mas eu estava ocupado demais carregando o pivetinho
- >até que ela perguntou '' teria como voce me dar seu whatsapp para eu te mandar um questionário? ajudaria muito no meu trabalho ''
- >olhei pra ela, desconfiado
- >isso parecia caô, e pm que dá mole leva tiro
- >ela reparou na minha indecisão
- > '' se você topar, vai receber uma participação no valor de 500 reais ''
- > abriu um sorrisinho meigo e meio desconcertado
- >não tinha mais o que dizer
- >passei meu número e levei ela e o marginalzinho embora do lugar
- >cheguei de volta na viatura, e o sgt (vamos chama-lo de bigode) estava lá me esperando, puto
- >'' caralho seu viado eu te mando buscar coxinha e mate e tu me trás um ganso dormindo? puta que pariu, bota esse viado no carro e vamo embora logo daqui ''
- >fui de lá até o batalhão ouvindo o trololó do bigode
- >mas minha mente tava em outro lugar
- >tava na novinha, cujo nome eu nem perguntei
- >algo de estranho me atraia nela
- >algo de diferente
- ( Parte II )
- >o dia tinha começado bem merda
- >já fazia mais ou menos uma semana desde o episódio com a depósito lá no viaduto
- >quando se é polícia, irmão, essas paradas pra você viram rotina
- >ou tu acha que ela é a única mina gostosa que eu já vi em ocorrência?
- >cês iam ficar malucos se vissem a quantidade de mina bonita que aparece pedindo ajuda pra policial, com a cara vermelha de tanto apanhar do namoradinho
- >mas ela, mesmo não sendo a mais bonita nem a mais cheia de papo (a mina congelou, lembram?), ela me chamou a atenção de alguma forma
- >passei a merda da semana olhando o tempo todo pro whatsapp, quase que o bigode me deu uma advertência
- >só não me deu porque viu que eu tava no grupo de putaria dos soldados da companhia e pediu pra eu adiciona-lo
- >depois do quinto dia eu tinha me estressado, já achava que ela tava só zuando com a minha cara
- >mas, depois de exatos 7 dias, a filha da puta mandou a mensagem
- >''oi, lembra de mim? rs... sou a Ju, você me ajudou naquele dia e ficou de participar do meu questionário? queria te ver na confeitaria colombo, lá no forte de copacabana, amanhã ''
- >filha da puta
- >essa maluca me chamou pra comer na confeitaria colombo
- >lugarzinho de RYKO
- >um salgado é papo de 30 temers
- >to fudido
- >mas também não vou negar, não vou dar uma de duro
- >''saio do serviço às 17:30, te encontro às 18h'' respondi, fria e secamente como um soldado que sou
- >sem essas porras de emojizinho, viadagem do caralho
- >na minha época era msn, porra
- >mas por dentro tava igual um muleque
- >fiquei desatento a porra do serviço inteiro, bigode chamou minha atenção de novo
- >se eu desse bobeira ia dar merda, militar não pode ficar desatento
- >pm então, nem pensar
- >cheguei em casa no final do dia morto, abri a porta pra ver como tava minha mãe
- >tava deitada na cama, com aquela cara de cansada como sempre, vendo a netflix que eu pagava com muito suor
- >me olhou com um brilho nos olhos, como se soubesse que algo ia acontecer
- >algo bom
- >valoriza tua mãe, maluco. ela sabe da tua vida mais do que você
- >foco no gt
- >trouxe a quentinha da rua pra ela, e mais os remédios
- >era química pesada, exigia muito do corpo dela, mas a coroa era batalhadora
- >fui dormir e acordei no dia seguinte com uma disposição que eu já não tinha a muito tempo
- >o serviço passou se arrastando, mas dessa vez o bigode não encheu meu saco
- >acho que até o velho tinha notado algo de diferente
- >mas não falou nada
- >terminou o serviço
- >igual um maluco eu fui pro ponto de ônibus (ahh bonitão, e tu aí achando que pm tem carro né)
- >(bom, ter até tem)
- >(mas não eu)
- >tinha deixado no alojamento a roupa menos pior que eu tinha, junto com um perfume vagabundo
- >ia quebrar o galho
- >cheguei no forte um pouco atrasado, e de cara vi a moça lá me esperando
- >eram 18h, o sol tava se pondo e ela tomando um suco de laranja
- >que cena meu irmão, é aquele tipo de coisa que tu vê e dá vontade de tu escrever uma música mpb de tão bonita que é
- >me sentei, meio envergonhado por dentro, mas sempre mantendo aquela pose
- >porra, já troquei tiro com vagabundo, não ia ser um rostinho bonito que ia me intimidar
- >'' desculpa a demora '', lancei
- >ela me olhou de um jeito constrangido e disse que não tinha problema. puxou um notebook de dentro da bolsa e começou a fazer algumas perguntas, coisas básicas tipo nome, idade, bairro, essas paradas assim
- >aí chegou uma hora que perguntou pra mim: ''por que você escolheu trabalhar em uma profissão de violência? ''
- >porra moça, tá de sacanagem?
- >lancei assim mesmo, ela chegou a arregalar os olhos
- >tu acha que alguém escolhe ser pm ou ser bandido? tu acha que isso é uma parada que tu decide no terceiro ano do ensino médio?
- >o que tu falou é certo, somos homens de violência
- >mas isso nasce com a gente
- >nasce e morre com a gente
- >eu percebi que tinha nascido pra lutar nessa guerra quando eu era moleque
- >teve um tiroteio na porta da minha escola, e lembro dos meus coleguinhas deitados no chão chorando apavorados
- >e eu enojado com toda aquela viadagem
- >não sou super homem e nem tenho peito de aço, mas não vou ficar choramingando se tiver que lutar
- >porque a lei da selva é matar ou morrer, e isso ninguém tira do homem
- >nós usamos a violência e fazemos barbáries para que outros possam viver vidas confortáveis e tranquilas
- >por isso que quando eu to deprimido, eu tento pensar na quantidade de pessoas que estão dormindo tranquilamente, curtindo a vida, namorando, jogando bola, dando risada enquanto eu to de serviço
- >porque a vida tem um senso de humor mórbido, e uns tem que sofrer pra outros poderem viver em paz
- >quando terminei meu discurso, a mina ficou perplexa
- >não conseguia dizer nada
- >mas, depois de alguns segundos de tensão (onde eu comecei a me sentir um mongol por ter falado tudo isso), ela abriu um sorrisão
- >começou a fazer perguntas e mais perguntas
- >e eu respondendo
- >mano, sabe o que é tu conversar com uma pessoa que tá genuinamente interessada naquilo que tu tá dizendo?
- >que realmente quer ouvir tua história, o que tu pensa, o que tu sente?
- >uma pessoa que tu pode se abrir sem ter medo de ser julgado ou perseguido?
- >conversamos até anoitecer, eu só notei que estava tarde quando um soldado veio me avisar que o quartel ia fechar
- >nós íamos nos despedindo quando ela olhou pra mim e sussurrou no meu ouvido
- >''não queria que essa fosse a última vez que nós nos vemos. que tal nos encontrarmos aqui toda sexta nesse mesmo horário? ''
- >eu sorri, involuntariamente. '' como se fosse nosso lugar especial? ''
- >ela sorriu de volta e me olhou. ''isso. nosso lugar especial'' ela repetiu, e deu um beijo na minha bochecha, quase encostando na minha boca
- >deu uma risadinha meio tímida, virou e foi embora
- >e eu fiquei olhando, vendo ela caminhar pra longe, até entrar em um táxi e desaparecer nas ruas de copacabana
- >''nosso lugarzinho especial''
- (Parte III)
- >ficamos nessa paumolescência por uns 6 meses
- >toda sexta feira, eu ia lá e encontrava a Juliana
- >no começo, eu mais ajudava o trabalho dela do que qualquer outra coisa
- >trouxe depoimentos de outros policiais, gravações de operações, coisa que ela nunca iria conseguir sozinha
- >podia ganhar uma nota vendendo isso pra jornalista da globo, mas preferi dar tudo de graça, na humildade
- >a menina era inteligente, nem precisaria de tudo isso pra fazer um trabalho genial, mas com a minha ajuda, a pesquisa dela foi selecionada pelo governo federal e ela ganhou uma bolsa pesquisa que devia dar o dobro do meu soldo
- >ela agradecia e insistia em dividir comigo, mas eu sempre recusei
- >dignidade, caralho
- >no serviço, nada de novo
- >serviço sempre calmo, a área do meu batalhão era muito tranquila
- >a coroa não demorou pra notar algo de diferente
- >porra eu sempre chego em casa com a cara amarrada, e agora tava até falando manso
- >''arthur... quando você vai me apresentar essa menina? '' ela perguntou
- >'' que menina, mãe?''
- >'' você acha que eu sou boba, rapaz? tá chegando em casa tarde toda sexta, com cheiro de mulher e cara de adolescente. ou tá apaixonado ou ficou maluco ''
- >dei muita risada com a coroa
- >ela lentamente tava melhorando, graças ao esforço que eu tava fazendo pra bancar o tratamento dela
- >achei que não teria problema se eu começasse a economizar um pouquinho no dinheiro dos remédios dela
- >ia dar as doses com uma frequência um pouco menor, e, com o dinheiro que eu juntasse, eu ia comprar um par de alianças para mim e pra juliana
- >sim, eu ia pedir direto em noivado. vai tomar no cu, pedir em namoro é coisa de ensino médio
- >óbvio que já estávamos nos pegando
- >óbvio que já estavamos metendo
- >(rapaz, e aquela patricinha mete muito)
- >vê se pode eu pedir a mina em namoro?
- >namorada de pm é puta irmão, fiel mesmo a gente pega pra casar
- >e era todo dia eu com ela no whatsapp
- >bigode já tinha desistido de dar esporro
- >agora eu só tirava serviço em lugar cu
- >perto de boteco, cheio de bêbado
- >guarda de trânsito
- >guarda escolar
- >caguei baldes
- >aquela bucetinha maldita já tinha me enfeitiçado
- >quando deu 6 meses exatos, chamei ela pro nosso lugar especial
- >o nosso lugar, onde nós podiamos ser quem quiséssemos, podiamos falar o que quiséssemos
- >onde passamos tantas e tantas horas juntos
- >eu tava usando a mesma roupa que eu usei da primeira vez que fui lá (gosto de fazer essas coisas, pra mim tudo isso tem um simbolismo muito forte)
- >não sei se era por causa do nervosismo, mas nesse dia ela me parecia ainda mais linda
- >conversamos, como de costume, até que, depois que anoiteceu e o brilho dos prédios começou a refletir no mar como um espelho, eu falei
- >'' juliana, eu preciso te contar uma coisa ''
- >'' fala, mô '' ela disse, daquele jeito meigo dela
- >'' eu sei que você sabe como você fez bem pra mim nesses últimos meses ''
- > ''a única pessoa que me conhece de verdade, mais do que qualquer outra ''
- > '' a única pessoa com quem eu posso realmente me abrir e confiar mais do que tudo ''
- > '' seria injusto eu dizer que você não é tudo pra mim, que você não é o amor da minha vida ''
- > '' e seria covarde se eu tivesse medo de assumir que te amo e que não quero mais ninguém ''
- > '' quer casar comigo? '' perguntei, mostrando a ela os anéis
- >ela abriu um sorriso tão largo que fez meu coração explodir
- >irmão, tu sabe o que é melhor que ser feliz?
- >fazer quem tu ama feliz
- >porra, a carinha dela quando goza é tão linda que daria até pra eu parar de come-la só pra apreciar o rostinho dela com aquele sorrisão bobo
- >quando eu mostrei os anéis, foi tipo isso
- >ela cobriu o rostinho dela com as mãos e começou a chorar baixinho
- > eu sorri e cheguei perto dela, sabia que ela ia reagir dessa forma
- >''não precisa chorar amor, esse momento é importante pra mim também, eu to aqui contigo''
- >ela continuou chorando, até que me empurrou pra longe com força. ela não tinha força o suficiente pra realmente me empurrar pra longe mas eu percebi que ela se esforçou
- >'' você não entende, né? '' ela perguntou
- >'' nada disso é real, Arthur. nada! ''
- >'' olha pra nós dois, arthur! meu pai é rico, é diretor na odebrecht ''
- >'' minha mãe é doutora e dá aula em várias faculdades prestigiosas ''
- >''meu namorado, o Renan, também é rico e estuda comigo lá na PUC, temos os mesmos amigos, os mesmos contatos, a mesma vibe, tudo!''
- >epa
- >epa
- >NAMORADO?
- >QUE PORRA É ESSA, VADIA?
- >fiquei encarando a fdp, esperando ela desembuchar
- >''só Deus sabe o quanto eu te amo, o quanto eu te quero, tudo que eu quero é fugir e viver minha vida contigo amor''
- >''mas não posso''
- >''não queria que isso fosse um clichê tipo filme de a dama e o vagabundo, mas você sabe que não daria certo''
- >é verdade o que ela dizia
- >o coroa dela sempre me olhou atravessado
- >a mãe dificilmente dirigia a palavra à mim
- >preconceito escrotão mesmo, bagulho feio
- >eu cagava, mas sabia que isso incomodava ela
- >só não sabia que afetava ela tanto assim
- >'' sabe aquele trabalho que você me ajudou a fazer? ''
- >'' eu fui escolhida pra apresentar ele num evento estudantil patrocinado pela ONU, em Bruxelas ''
- >'' o vôo é amanhã ''
- >'' me perdoa ''
- > ela levantou e começou a ir embora. '' não faz nada, não faz nada '' eu dizia pra mim mesmo, tentando me controlar
- > não deu
- >segurei ela pelo braço com tanta força que meus dedos marcaram a pele branca dela
- >coloquei o dedo na cara dela
- >'' sua filha da puta ''
- >'' esse tempo todo tu me deu esperança, tu me fez me apegar a você''
- >'' fez eu te amar''
- >'' e agora tu faz isso? ''
- >'' diz que namora, que não dá pra rolar, que vai pra Bruxelas? ''
- >'' me solta Arthur, tá me machucando! '' ela protestou
- >'' você tem noção do que você fez com a minha vida? tem noção do que é brincar com o sentimento de alguém? acha que eu sou só mais um brinquedo de criança mimada que você usa até se divertir e joga fora? ''
- >'' me esquece Arthur! vai ser melhor para nós dois! ''
- >'' presta atenção no que eu vou te dizer, Juliana. se eu te encontrar de novo, eu não vou me controlar. nunca mais apareça na minha frente, e anda na sombra que é mais difícil de eu te encontrar''
- >'' ME SOLTA ARTHUR '' ela berrou, fazendo as pessoas em volta olharem para nós
- >larguei o braço dela e ela fugiu, em prantos
- >dias se passaram
- >semanas
- >meu rendimento no quartel só caía
- >fui realocado para o administrativo
- >só a rua podia curar minha depressão, e os caras me mandam pra escritório
- >logo eu, policial destaque
- >prestes a ser promovido
- >agora tava jogando minha carreira no lixo
- >odiei tudo, odiei minha vida
- >odiei minha mãe, minha única responsabilidade, a única coisa que me impedia de me matar
- >só encontrei conforto na bebida
- >o vício cobra seu preço mano
- >cada vez mais e mais do soldo ia pra bancar a bebida
- >as putas
- >o cigarro
- >os remédios da coroa começaram a faltar
- >mas ela nunca reclamou, batalhadora como é
- >resistiu de cabeça em pé, sempre
- >um dia desses eu saí do serviço com outros dois companheiros
- >fomos ainda fardados pra um puteirinho de luxo (tipo termas) ali na região
- >eu bancava as putas como se fosse burguês
- >mal sabem elas que sou um merda
- >essas minas são fodas, riem, dizem que te amam
- >mas no fundo sabem que tu é só mais um deprimido que tá ali pra achar conforto
- >conforto que elas dão, mediante ao preço delas
- >foi quando eu tava levando uma pro quarto que recebi uma ligação de um vizinho
- >atendi o telefone já puto
- >'' qual foi irmão? ''
- >'' sua mãe está no hospital sousa aguiar. vem urgente pra cá '' ele disse, apressadamente, antes de desligar
- >o vício cobra seu preço, mano
- (Parte IV)
- >cheguei no hospital desesperado
- >já temendo o pior
- >me culpando por tudo isso, eu era um merda e eu sabia
- >passei direto pelo meu vizinho e foi logo falar com o médico
- >me identifiquei com dificuldade, porque tava me controlando pra não cair no chão chorando
- >tudo aquilo era culpa minha, as duas pessoas mais importantes pra mim me abandonariam, eu ia ficar sozinho, e acabar me matando mais cedo ou mais tarde
- >o médico me olhou com uma cara séria
- >'' sua mãe está em estado grave. já pedimos a transferência pro HCPM onde eles vão poder cuidar dela por mais tempo ''
- >'' mas ela precisa urgente de uma cirurgia para reverter seu quadro clínico
- >arregalei meus olhos, sem acreditar
- >'' ela tá viva, doutor? '' perguntei
- >''sim, mas não por muito tempo ''
- >'' quanto tempo eu tenho, doutor? ''
- >'' até o fim do ano ela precisa estar na mesa de cirurgia, senão o quadro dela vai ficar grave demais para os nossos meios atuais ''
- >irmão, naquela hora eu agradeci tanto a Deus que perdi a noção do tempo e do espaço
- >ouvi a voz d'Ele saindo pela boca daquele médico
- >Ele tava me dando uma segunda chance
- >dessa vez eu não ia falhar
- >'' quanto seria essa cirurgia, doutor? '' perguntei, decidido a bancar não importa o quanto custasse
- > ''nas mãos de um bom cirurgião? coloca aí 85, 95k ''
- >o número me acertou em cheio
- >eu nunca ia conseguir arrumar essa grana
- >nunca pelos meios normais, pelo menos
- >perguntei se poderia falar com ela, mas ele disse que ela estava em repouso
- >apenas olhei pra ela enquanto ela dormia
- >naquele momento, eu já não tinha mais dúvidas
- >não consegui voltar pra casa, andei pelas ruas até o amanhecer
- >me apresentei no quartel com uma carta na mão
- >um pedido de transferência
- >para o 41º batalhão
- >o encarregado me olhou assustado
- >todos conhecíamos a fama do 41
- >patrulhar a área mais perigosa da cidade
- >complexos do Chapadão e da Pedreira
- >apoiar as guarnições da Maré e do Complexo da Penha/Alemão
- >o batalhão que mais via combate, só perdendo pro BOPE
- >a fama corria rápido
- >chegando lá, não demorou pra sentir a diferença
- >saindo de um batalhão de zona sul, onde a gente só usa revólver e cacetete
- >no 41 é AR-15 e FAL de luneta
- >tanto pm equipado lá dentro que tu chega a tremer
- >me apresentei ao comandante, como dita o figurino, e depois fui pra minha nova companhia
- >''PUTA QUE PARIU NÃO ACREDITO'' alguém gritou um pouco atrás de mim
- >olhei pra trás e reconheci a cara de um velho amigo
- >filho da puta do Yuri
- >esse maluco é um animal
- >no CFAP ele tirou 10 em TODOS os testes físicos
- >fez estágio no BOPE
- >chegou a ser convidado a fazer o curso do BOPE
- >promessa da PM
- >não fiquei surpreso em ver que já era cabo e tava alocado no GAT (um minibope que alguns batalhões da pm possuem pra casos excepcionais)
- >'' o que é que cê veio fazer no Iraque, muleque? '' ele me perguntou com aquela voz meio rouca dele, dando um tapão amigável que quase levou meu braço embora
- >'' cansei de ser babá de gringo e de madame, quero brincar de polícia porra! '' respondi, do jeito que ele gosta
- >o cara ficou maluco
- >'' irmão, quinta vai ter uma operação na Kelson's (uma favelinha lá). vamo barulhar aqueles filha da puta. cola junto do GAT que a gente te leva ''
- >'' por mim já fechou ''
- >nos despedimos e cada um tomou seu caminho
- >o comandante deu uma semana pra eu me ambientar ao batalhão
- >dar uma aquecida na carcaça e praticar tiro e umas lutas lá
- >quem vem de batalhões tranquilos como o meu geralmente precisava disso
- >passei a semana me preparando pro nosso passeio
- >chegou quinta de noite
- >depois do meu expediente, fui reunir com os caras do GAT
- >a rapazeada era boa, uma galera parruda, a maioria morador ou ex morador de favela, sabiam se guiar bem
- >coloquei o colete e a touca ninja e peguei meu fuzil
- >bora porra
- >entramo nas viaturas e partimos pra lá
- >chegamos voado na favela, pra aproveitar o efeito surpresa já que não tinhamos caveirão nem cobertura
- >as viaturas pararam na barricada dos bandidos e já saímos disparando
- >os vagabundos tentaram trocar com a gente, mas nós estávamos dando muito tiro
- >confesso que fiquei com um cagaço fudido
- >me abriguei e fiquei só aplicando nos marginais
- >vi a tropa progredindo e eu ficando pra trás, com medo de tomar bala
- >que porra é essa mermão?
- >já esqueceu das merdas que tu fez?
- >já esqueceu da tua mãe que tá fudida por tua causa?
- >bota a cara nessa porra!
- >saí do buraco que eu tava e cheguei de peito aberto
- >eu e mais dois tomamos de assalto a boca lá e os vagabundos fugiram
- >o resto da tropa foi caçar os marginais, e eu fiquei lá
- >guarnecendo a boca
- >reparei que um vagabundo baleado ainda tava vivo e cheguei nele já com a arma na cara
- >'' fala onde tu guarda o dinheiro que eu te mato logo, sem sofrer ''
- >o verme fez careta, mas tava muito fraco pra me xingar
- >dei um murro na cara dele pra ele sentir o melado descer pela testa dele
- >'' vai falar ou vou ter que esculachar? ''
- >ele apontou pra uma sacola preta lá
- >abri e vi o malote
- >várias notas de 100 e 50
- >lógico, era muito pouco ainda
- >mas já era um bom começo
- >antes de conseguir encher os bolsos com as notas, reparei alguém chegando
- >era o Yuri, sozinho
- >'' que porra é essa Costa? Tu é bandido, mermão? ''
- >'' coé Yuri não é nada disso cara ''
- >'' nada disso o caralho '' ele disse, vindo pra cima de mim
- >'' eu vi tudo parceiro''
- >'' te trouxe pra trocar tiro e tu vem roubar vagabundo, qual foi? ''
- >vendo que não tinha alternativa, expliquei minha situação pra ele
- >falei tudo, desde o começo, na maior sinceridade
- >no fundo a gente ainda ouvia tiros, mas com intervalos cada vez maiores
- >os poucos bandidos já deviam ter fugido ou se entocado
- >Yuri ouviu tudo e refletiu, ficou um bom tempo pnderando minhas palavras
- >'' tu vai me entregar? ''perguntei
- >ele fez que não com a cabeça
- >'' mas nós vamos fazer um trato '' ele respondeu
- >'' eu sei que tu é um cara bom, puro e que não tá fazendo isso na maldade. e tu sabe que meu sonho sempre foi ser caveira ''
- >'' eu vou requisitar pra tu entrar pra minha unidade, o GAT. e tu vai vir em operação comigo toda semana irmão ''
- >'' vai trocar toda semana, com risco de morte. vai ser meu parceiro nessa guerra. vai me ajudar a me preparar pro curso do bope ''
- >'' em troca, eu não te deduro, e deixo tu ficar com todo o dinheiro que tu achar. e aí? tu topa? ''
- >olhei bem pra cara dele
- >Yuri era maluco
- >tava cagando pra dinheiro, status, essas merdas
- >a tara dele era matar, e o cara era bom nisso
- >enfim, que escolha eu tinha?
- >apertei a mão dele com firmeza, e olhei dentro dos olhos dele
- >''fechado''
- (Parte V)
- >semanas se passaram
- >já era meados de setembro
- >nesse intervalo, eu já contabilizava 8 operações
- >mais de 50 kilos de cocaína apreendidos
- >27 fuzis
- >19 menores
- >e 7 vagabundos mortos
- >além de uma promoção pra cabo
- >tava tudo indo bem
- >já tinha separado 30k que eu arrecadei nas operações
- >não era muito, mas já dava para cobrir a entrada da cirurgia
- >mas nada disso se comparava ao que estava por vir
- >uma bela manhã de terça, eu, Yuri (que estava mais feliz do que sua mãe vendo um álbum de pirocas angolanas) e mais 2 caras do GAT estávamos na sala de estar do batalhão
- >vendo a versão pornô da operação lava-jato
- >a operação leva jato
- >excelente filme
- >quando entra na sala o coronel, comandante do batalhão
- >pera
- >vocês não entenderam
- >quem entrou foi um coronel
- >um cara que a gente só vê em solenidade e em retrato no mural
- >um cara que a gente não tem autorização nem pra chupar a piroca (tem que ser no mínimo sargento)
- >o cara entrou na sala e nós imediatamente nos levantamos
- >e ninguém teve a brilhante ideia de desligar a televisão
- >o coronel começou a falar enquanto o pornozão rolava solto
- >'' essa semana uma mega operação acontecerá na área de nosso batalhão ''
- >'' a presença do GAT foi requisitada diretamente pelo secretário de segurança, que está impressionado com a qualidade apresentada pela unidade ''
- >'' os senhores irão ocupar o complexo do Chapadão, dando apoio ao BOPE ''
- >'' terão a semana inteira para se preparar para isso ''
- >o coronel olhou com uma cara de sacana pra tv e disse, antes de sair '' à vontade, cavalheiros ''
- >para os que não conhecem, o Complexo do Chapadão é uma favela localizada na zona norte do Rio
- >em uma posição estratégica que dá à facção que a dominar a capacidade de lançar ataques em várias frentes simultaneamente
- >uma peça chave para as três facções cariocas
- >o complexo era dominado atualmente pelo Comando Vermelho, a mais violenta e competitiva das três facções
- >eles não se rendiam
- >e nós adorávamos
- >porque não precisávamos ter pena deles quando nós os matávamos
- >a inteligência dizia que haviam pelo menos 70 marginais armados na favela
- >liderados por Ferrugem, o bandido bola da vez
- >todos queriam ele preso, era o ''queridinho'' da mídia
- >'' se a gente pegar esse filho da puta, nossa cara vai estar estampada na mídia, vamos passar na frente dos caveiras porra '' o Yuri dizia
- >ele tinha razão, mas nunca que os caveiras iam permitir isso
- >mas ele não se importava
- >nem nós, nosso foco era outro
- >passamos a semana inteira treinando
- >dando tiro até cansar o dedo
- >correndo ladeira acima, ao meio dia, com colete e fuzil
- >esse tipo de brincadeira de soldado
- >chegou, finalmente, o grande dia
- >eserávamos no pátio do batalhão a chegada dos caveiras
- >quando eles chegaram, fizeram a entrada triunfal que eles tanto gostam
- >caveirão, fuzil pra caralho, máscara de caveira, farda preta, tudo
- >porra, não dá pra negar, os caras são fodas
- >no auge do vigor físico, no auge da capacidade
- >são uma elite, e gostam de mostrar, tipo aquela mina gostosa que sabe que é gostosa e adora provocar
- >ouvimos els nos zoando enquanto embarcávamos nas nossas viaturas
- >''isso aí convencional, vão subir a favela de triciclo né?''
- >''os caveiras matam, os convencionais carregam os defuntos ''
- >'' ei, convencional! pega no meu *** (isso é um gt de família) ''
- >não damos uma foda
- >no tiroteio vamos ver quem é quem
- >Yuri está claramente ouriçado
- >eu adoro esse cara, rio muito com as caras que ele faz antes das operações
- >sabe quando você tá prestes a comer uma mulher, e o teu sangue esquenta?
- >tu fica nervoso, mas ao mesmo tempo quer mostrar o que tem
- >é mais ou menos por aí
- >o comboio sai em direção ao chapadão
- >na calada da noite, as ruas mais ou menos desertas
- >os rapazes tão em silêncio
- >Yuri senta do meu lado e puxa o assunto
- >'' Porra Arthur, hoje é nosso dia irmão. o dia que nós vamos mostrar do que nós somos feitos ''
- >ele sabia que eu estava nervoso, e, apesar de não ser muito bom com palavras, veio me ajudar
- >'' irmão, tira teus problemas da cabeça. no tiroteio é tu, tua arma, o vagabundo e a arma do vagabundo ''
- >'' sabe por que eu gosto tanto de guerra? ''
- >'' porque lá não importa quem tu é, o que tu faz. a tua vida faz sentido.
- >'' no momento que a bala começa a voar tu descobre o quanto quer viver e o quanto tua vida vale a pena.''
- >''tu acha que eu me importo com depressão, com mulher, com conta pra pagar?''
- >'' o que eu quero é trocar tiro com meliante, deixar corpo no chão e chegar vivo em casa. sem complicação. sem filosofia. sem nada''
- >eu olhei pro muleque com um sorriso. não é que o doente tinha razão?
- >'' vamo deitar esses filhas da puta poha '' falei
- >não precisou falar mais nada. ele abriu um sorrisão e segurou o fuzil
- >logo depois, as viaturas embicaram pra dentro da favela
- >os tiros de traçante atingiam os caveirões, que vinham na frente pra dar cobertura
- >só rajada de traçante vermelho, parecia coisa de filme americano
- >descemos do carro dando tiro já
- >nós progrediamos direitinho, igual os caveiras, mas os caras tinham mais estilo
- >entravam nos becos berrando
- >''O CAPETA CHEGOU''
- >''VIEMOS BUSCAR VOCÊS''
- >''VOU BEBER O SEU SANGUE''
- >até nós nos assustávamos com aquela porra
- >mas funcionava
- >deixamos a equipe do BOPE enfrentar os pontos fortes dos vagabundos
- >mandamos metade do nosso efetivo ficar na contenção e apoiar os caveiras
- >a outra metade foi comigo e com o Yuri buscar o dono do morro
- >contornamos o tiroteio mais pesado até chegar na casa do filho da puta
- >uma mansão pica no meio da favela
- >era bem guardada pra cacete, os bandidos mais pesados e bem equipados tavam lá
- >mas nós cercamos e deitamos todos eles, não teve jeito
- >eu e Yuri fomos os primeiros a invadir a casa, com uma puta piscina linda, tv de não sei quantas polegadas, videogame, a porra toda mermão
- >subimos as escadas e palmeamos a casa toda
- >só tinha uma porta trancada
- >nós olhamos um pro outro e, no trés, eu meti o pé na porta, que caiu dura no chão
- >entramos no quarto e achamos o Ferrugem, com uma pistola na mão
- >as duas mãos levantadas
- >e, atrás dele, a esposa, a filha (devia ter uns 4 anos) e a mãe
- >uma senhora, idosa já
- >doente
- >eu não falei nada, nem o Yuri.
- >nós ficamos encarando ele, com a arma apontada pro peito dele.
- >ele largou a pistola e não disse nada, pôs as mãos na cabeça e esperou
- >talvez ele achasse que nós os mataríamos mas pouparíamos a família dele
- >não sei
- >só sei que baixei a minha arma e o Yuri fez a mesma coisa
- >eu não ia matar um cara na frente da família dele, por mais que ele fosse vagabundo
- >de repente, um zunido forte passa do lado da minha orelha
- >fico desnorteado e me jogo no chão, junto com o Yuri
- > quando levantamos, vimos o que aconteceu.
- >um grupo de caveiras entrou no quarto atrás de nós e encheu o Ferrugem de bala
- >o cara ainda tava vivo, estribuchando na frente da filha
- >a criança toda cagada de sangue
- >levantei puto, mas antes que eu pudesse abrir a boca, o Yuri levantou, mais puto ainda
- >'' SEUS VIADOS FILHOS DA PUTA ''
- >'' VOCÊS TÃO MALUCOS PORRA ''
- >'' ELE TINHA SE RENDIDO ''
- >os caveiras cagaram, entraram no quarto rindo da nossa cara e já foram imobilizando a família do bandido
- >o Yuri não deixou barato
- >segurou um deles pelo braço e puxou
- >'' Tá dando uma de maluco, caveira? tá achando que tem algum babaca aqui? '
- > os caveiras se viraram e enquadraram o Yuri, jogando ele contra a parede
- >fui interceder mas um me puxou por trás, pelo pescoço
- > '' Vocês dois acham que a gente não sabe o joguinho de vocês?? '' um deles perguntou
- >'' um é frustrado, quer ser caveira mas tem medo de não conseguir, então busca atenção da mídia a todo custo.''
- >'' O outro é um pobre coitado que fica mendigando o dinheiro de marginal''
- >'' Vocês são patéticos '' ele terminou, enquanto levavam a família do cara embora.
- >Um caveira veio e empurrou no meu peito uma sacola grande, com mais de 100k temers dentro.
- >Olhei para o Yuri, que tinha sentado no chão, e não consegui segurar as lágrimas
- >consegui o dinheiro que eu precisava. mas a que custo?
- (Parte VI)
- >depois do incidente no Chapadão, fomos as celebridades do momento
- >o BOPE, que ironia, elogiou a ''ação meritória do GAT, que demonstrou extremo profissionalismo em face do perigo''
- >eu e Yuri fomos promovidos a 3º Sgts
- >nossas carreiras estavam mais turbinadas que foguete da NASA
- >a princípio ele não quis aceitar a promoção, depois da humilhação que sofremos na mão dos caveiras
- >mas eu convenci ele que não valia a pena comprar essa briga
- >''nossa guerra é outra, irmão. foca nas lutas que a gente pode vencer''
- >mais cedo ou mais tarde, o inevitável acabou acontecendo
- >eu e Yuri nos matriculamos no curso de operações especiais, do BOPE
- >com o dinheiro que eu já tinha arrecadado, consegui pagar a cirurgia da coroa
- >graças a Deus (e aos cirurgiões, é claro), deu tudo certo
- >o problema tinha sido contido e ela estava estável
- >agora era repouso, descansar e não expor ela a estresse
- >e em seis meses ela já poderia sair de casa sozinha
- >deixei ela no apartamento, sem contar que ia fazer o curso
- >ela sabia se virar
- >'' você vai longe, arthur. vai fazer grandes coisas '' ela falou, com os olhos marejados
- >tudo era motivo pra ela chorar
- >''só quem pode impedir você é você mesmo''
- >já era próximo de dezembro quando o curso iniciou
- >não, não vou entrar em detalhes. todos já viram o filme e tem idéia de como é
- >tem porrada sim, tem esculacho sim, tem tudo isso
- >é uma merda, mas faz parte
- >se fosse pra formar princesa, o curso seria no castelinho da Disney
- >eu sofria mas sustentava
- >já tava nessa guerra então era melhor mergulhar de cabeça
- >mas percebia que o Yuri tava diferente
- >muito diferente do que eu imaginei
- >meio frio, meio distante
- >''não tem mais nada pra mim lá fora irmãozinho '' ele falava
- >'' isso aqui é a minha vida ''
- >'' para de falar merda, Yuri '' eu respondi
- >'' tu tem uma vida toda lá fora ''
- >'' e um dia eu sei que tu vai encontrar uma mina que vai te fazer esquecer da guerra '' eu falei, profetizando
- >lembre-se disso
- >a segunda fase do curso era mais legal
- >muito mais técnica e prática, aprendemos diversos procedimentos que teriam nos ajudado muito na época do GAT
- >quando nos formamos, já éramos dois monstrinhos
- >o BOPE costuma mandar os recém formados pra muita operação, pra aproveitar o gás insano do pós curso
- >deixei muito bandido no chão, irmão
- >deixei muita mãe chorando
- >cheguei em casa sujo de sangue e com cheiro de morte
- >a guerra cobra o seu preço, e nem sempre ele é barato
- >minha vida passou a ser a guerra, fiz da morte minha religião
- >cansei de entrar com o Yuri em favela e trocar tiro, e ver a morte me encarando
- >como diz Nietzsche: '' atentai para, quando luta com monstros, não tornar-se a ti mesmo um monstro''
- >''pois se tu olhas por muito tempo para dentro do abismo, o abismo também olha para dentro de você''
- >já tinha me acostumado com aquilo, virou a minha rotina
- >comecei a tratar os convencionais com o mesmo desprezo que os caveiras me tratavam no início
- >é foda, irmão. é o sistema
- >sem querer ser clichê mas já sendo
- >isso nunca vai mudar, sempre vai haver a guerra e aqueles loucos o bastante para entrarem nela
- >um belo dia, recebo uma chamada de um número oculto
- >atendo e uma voz feminina fala '' me encontra no nosso lugar, no nosso horário ''
- >eu conhecia aquela voz
- >juliana
- >nem fudendo que eu iria encontrar aquela piranha
- >mas o Yuri insistiu
- >'' vai mano, vai ''
- >'' tu precisa de alguém que te ajude a largar isso ''
- >matar já tinha virado nosso vício
- >agora nós precisávamos de um motivo para viver
- >Yuri estava desiludido como eu, mas pelo menos queria me ver bem
- >muito a contragosto, fui no forte encontrá-la, no mesmo horário de sempre
- >ela demorou a me reconhecer
- >''o que houve com você? '' ela perguntou, assustada
- >'' eu disse para você não me procurar, juliana ''
- >''arthur, eu preciso conversar contigo''
- >''nos não temos nada para conversar, juliana''
- >''a sua mãe não está bem, arthur''
- >nessa hora não me contive
- >puxei ela pela blusa e encarei ela
- >''ela estaria muito bem se você não tivesse me largado para dar essa buceta suja para o maconheiro do seu namorado, e bancar a turista na europa''
- >ela estava visivelmente chocada, mas tentou se controlar
- >'' arthur, você está fora de si. todos ao seu redor estão reparando. por favor, deixa eu te ajudar ''
- >'' me ajudar? você é a culpa de tudo isso, juliana. tudo isso.''
- >'' tudo que eu queria era continuar no meu batalhão, trabalhar tranquilamente e seguir minha carreira em paz ''
- >'' mas depois de você minha vida se tornou uma guerra, um caos que só pode ser aplacado mediante a sacrifício de sangue ''
- >'' e agora você, que não sabe porra nenhuma sobre nada, aparece aqui se achando a gostosona e dizendo que vai me ajudar? ''
- >percebo que os olhos dela estão escorrendo lágrimas
- >'' me desculpa pelo que eu fiz, amor '' ela falou, com a voz embargada
- >'' eu nunca imaginei que você fosse se tornar nisso que você se tornou ''
- >'' mas eu voltei, e dessa vez quero fazer as coisas certas. você errou e eu também, tudo que eu te peço é uma chance de fazermos a coisa certa dessa vez''
- >virei a cara, me recusando a olhar pra vagabunda e ouvir o que ela tinha a dizer
- >'' arthur '' ela falou, quase sussurrando. '' eu estou grávida ''
- > naquela hora meu mundo desabou, irmão
- >filha da puta
- >meu primeiro impulso foi de negar e de xinga-la de todos os nomes que eu conhecia
- >mas no fundo, no fundo mesmo, eu sabia que o filho era meu
- >respirei fundo e me controlei
- >'' juliana, da última vez que nos vimos você disse que nós deveríamos nos afastar, para o meu próprio bem ''
- >''hoje sou eu que digo isso para você. não chegue perto de mim se não quiser sofrer comigo ''
- >'' essa guerra não é sua, é minha. eu decidi entrar e eu vou sair por conta própria ''
- >'' vou bancar a criança e todas as necessidades dela ''
- >'' mas entre eu e você, já não pode rolar mais nada ''
- >'' me desculpe '' eu terminei, levantando e indo embora, ouvindo os soluços dela ao fundo
- >a depressão bateu forte dessa vez, mas eu tinha meu remédio
- >fui à caça, fui à luta
- >mais operação, mais operação
- >chegava em casa ensanguentado, por vezes até baleado
- >nem o Yuri mais conseguia me acompanhar
- >fiz meu nome no batalhão, me chamavam de ''super homem''
- >segundo eles, eu botava a cara no tiroteio, como se não tivesse medo de tomar tiro
- >mas eu realmente não tinha
- >na verdade, seria um favor
- >foi numa quinta feira que a juliana me ligou novamente
- >atendi a contragosto e ouvi a voz dela me chamando com urgência para o HCPM
- >sem entender nada, cheguei lá
- >fui recebido por ela, consternada, e por um médico
- >''o senhor é o sargento Arthur Costa da Silva? '' perguntou o doutor
- >'' sou eu '' respondi
- >''lamento informar, mas a mãe do senhor faleceu hoje às 22:48. meus pêsames '' ele disse, se retirando antes que eu pudesse pedir mais informações
- >naquela hora meu mundo desabou
- >tudo ficou escuro pra mim
- >a Juliana conseguiu me segurar e me arrastar para um banco
- >eu estava tonto, desnorteado
- >''por quê? não pode ser... '' eu me perguntava, com uma voz fraca
- >'' eu dei todos os remédios, paguei pela cirurgia, o que pode ter acontecido? '' eu falava comigo mesmo
- >tentando me convencer que aquilo não podia ser real
- >simplesmente não podia
- >''sua mãe estava depressiva, arthur'' a juliana me respondeu
- >''ela viu no que o filho estava se tornando. você era tudo pra ela ''
- >'' sua motivação deixou de ser o bem estar dela para ser a guerra e a morte ''
- >'' ela não suportou perder você dessa forma ''
- >pela primeira vez em anos, chorei
- >mas chorei muito, mano
- >naquela hora, eu sabia que tudo tinha perdido sentido pra mim
- >o último fio que me ligava à terra, à vida, havia partido
- >me deixado
- >juliana me levou pra casa, cuidou de mim
- >ficou comigo
- >não deixou eu estourar minha cabeça naquela noite, nem na seguinte, nem na outra
- >mal sabia ela que eu já estava morto por dentro
- >ela se esforçava, fazia tudo pra me ver feliz
- >me acordava com todo o carinho do mundo, lia comigo, escolhia filmes para vermos
- >seria uma ótima esposa e com certeza será uma excelente mãe
- >vai ser pro nosso filho como a minha mãe foi pra mim
- >e infelizmente a criança vai crescer sem pai, igual a mim
- >porque apesar de tudo, eu estava morto por dentro
- >e tudo que a juliana fazia por mim só postergava o inevitável
- >separei uma quantia considerável para ela, conseguiria bancar a criança por um bom tempo
- >como se a juliana precisasse do meu dinheiro, enfim
- >sexta feira era dia de operação
- >morro da pedreira, favela perigosa
- >subi com a equipe alpha, um time experiente
- >ninguém ali era moleque
- >e como nós dizemos, não é autorizado ao caveira tomar tiro
- >somos proibidos de morrer
- >caguei
- >pedi para ir com a alpha para não ir com o Yuri, que é da bravo
- >somos irmãos de guerra, mas não queria que ele me visse tombando
- >pode parecer bobeira, mas no fim nós nos preocupamos mais com o que os outros pensam de nós
- >subi o morro igual um maluco
- >gritando
- >barulhando
- >os bandidos fugiam alucinados, como se vissem na minha imagem o próprio capeta
- >deixei vários corpos caídos, enquanto procurava alguém que fosse digno de me matar
- >aqueles bandidões com cara de marra foram os primeiros a correr
- >eu já xingava a Deus, perguntando se era alguma maldição que tinha sobre mim
- >se Ele estava me punindo, fazendo da terra o meu inferno
- >foi aí que senti um calor incontrolável no meu corpo, como se me queimasse por dentro
- >um tiro certeiro me atingiu debaixo do braço, na axila
- >olhei para o lado para ver quem foi o valente que me alvejou
- >vi um moleque, de 16 anos no máximo
- >apavorado
- >com medo de morrer
- >sem saber o que fazia ali
- >sorri, satisfeito, e caí no chão
- >o meu sangue morno já ensopava minha farda, e quando meus companheiros me encontraram eu já estava delirando
- >quem diria que, depois de tudo, seria um moleque que me mataria
- >ia virar considerado na favela, um bandido perigoso
- >ia matar muitos até que um valente o derrubasse
- >ia manter meu legado
- >manter viva essa guerra
- >tirar muitas vidas em nome da morte
- >minha missão nessa terra foi cumprida
- >matar e morrer para que outros possam viver
- >e quando meus olhos fecharam, pensei na minha mãe, e como tudo poderia ter sido diferente se eu e juliana não fôssemos tão bobos, naqueles encontros de sexta à tarde.
- >agora já era, irmão
- >me perdoa, mãe
- >me perdoa filho
- >me perdoa Yuri
- >me perdoa amor
- (Epílogo)
- >o enterro do sargento Costa foi feito com toda a pompa militar que ele merecia
- >discurso dos seus comandantes no BOPE, no 41º e no 23º
- >homenagens da tropa
- >coroas de flores no Jardim da Saudade
- >entre a multidão, o sargento Yuri encontra uma moça
- >segura-a pelo braço e pergunta '' você deve ser a juliana? ''
- >ela faz que sim, com a cabeça, limpando o rosto das lágrimas
- >o sargento não diz nada. não precisava
- >arthur foi mais que seu amigo, foi seu irmão
- >e lhe deixava uma última missão após partir
- >cuidar de sua mulher e de seu filho
- >o yuri abraçou a juliana com carinho, segurando ela firme
- >e falou calmamente para a jovem
- >''agora tudo vai ser diferente juliana''
- >os dois choravam enquanto se abraçavam
- >''agora tudo vai ficar bem''
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