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a guest
Feb 23rd, 2019
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  1. [xTakex]
  2.  
  3. "A lonesome bow, the creaks and moans of empty houses
  4. are songs like falling rain
  5. wind blown buildings, muddy ground
  6. the strength of water can sink a man"
  7.  
  8. //
  9.  
  10. um escritor tá sempre escrevendo o mesmo livro
  11. e meio que dá pra saber quando se olha de longe a dor que a alma quer pôr pra fora
  12. no fim das contas um poema é quase sempre uma canção de ninar para demônios irrequietos
  13. uma mesma sinfonia em movimentos diferentes
  14. seus andantes e estações vivaldianas dançando no mesmo instante na calma de uma noite calada enquanto as nuvens se fecham e o poeta pensa numa morte sem fim da consciência
  15. num espaço por onde o sol possa escapar da luz ou um canto onde a lua possa refletir no final da noite
  16. no horizonte infinito de uma madrugada interminável
  17. num monumento de Rodin sobre o sertão brasileiro
  18.  
  19. agora o clima lá fora é ameno
  20. e eu sinto a incompletude das florestas secas do Nordeste no meu peito.
  21. agora lá fora o mundo é um farfalhar de folhas
  22. e Gessinger canta no celular espalhado no chão junto aos livros e a xícara de café e a rede e o céu que todo mundo é uma ilha
  23. e King Krule diz que o oceano inteiro é uma cama
  24. e eu sinto vontade de deitar e ser carregado pelas águas mesmo que seja impossível
  25. e Fante reescreve a morte de Deus todos os dias
  26. como quem recusa Nietzsche e Cristo ao mesmo tempo e também o demônio e se senta seco de metafísica
  27. um poema de Fernando Pessoa num canto da mente
  28. e toda a liberdade do mundo no resto do corpo
  29. e diante da falta de perspectivas dessa realidade,
  30. imagino Fante escrevendo o mesmo livro de novo e de novo
  31. vendo o mesmo mundo lá fora que eu vejo
  32. mesmo que eu nunca vá ser tão bom quanto Fante
  33. sinto como se minha angústia fosse profunda como a do grande homem que eu nunca serei
  34. e talvez eu esteja cansado de esperar que qualquer coisa aconteça
  35. ou cansado desses poemas com temas misturados
  36. mesmo que não consiga parar de escrevê-los.
  37.  
  38. sonhos gastos dispostos no parapeito das janelas das casas
  39. olhos de vidro nas ruas e homens mecânicos fazendo coisas sem sentido
  40. as mulheres descem e sobem as ruas sem direção
  41. o mundo no grito de Remdbrant
  42. o mundo na noite de Van Gogh
  43. o mundo dublinense de James Joyce
  44. sem um Ulisses para conquistar a cidade com seus passos e sua consciência partida pelos impulsos que o mundo traz.
  45.  
  46. eu fumava próximo a um posto de gasolina me perguntando quanto faltaria para que tudo explodisse, eu e o posto e a cidade e o mundo, me perguntando quanto tempo falta para a Síria se tornar um cemitério humano, uma nação de zumbis jorrando petróleo em mãos de sangue, e quanto tempo falta para o Brasil se tornar uma também, todas as nossas riquezas esparramadas pelos corpos mortos dos que lutaram, divididas igualmente entre os inimigos que saquearam por lados diferentes do nosso país continental, me perguntando se eu seria feliz em Montevidéu, sentindo vontade de ganhar na loteria que o carro passa anunciando, o cigarro apagando, um cigarro acendido no outro, lembrando de meninas bonitas acendendo os seus na bituca dos meus sem tirá-los da boca. Existe uma certa ironia nisso tudo, na forma como todas as coisas despedaçam pra mim, ou eu as desfio lentamente, apreciando cada passo dessa destruição, esperando a minha própria redenção, a névoa se dissipando enquanto eu saio dela querendo estar bêbado e recebendo o olhar feio dos frentistas tão pobres de espírito quanto eu, mas sem poesia ou metafísica. Minha amiga me disse uma vez que eu só me apaixono por coisas impossíveis e eu concordo com ela enquanto vejo o mundo da esquina, os carros passando incessantemente, o ritmo do batimento cardíaco desse mundo triste, eu talvez bem mais feliz do que meus poemas dizem, e ao mesmo tempo com essa angústia no peito que não sai nunca, esperando uma mudança no fluxo do rio, na nudez imoral dos esqueletos, na forma como pautamos nossos destinos, nas histórias escritas que vão sendo empilhadas nas nossas cabeças influenciáveis e infantis, em todas as coisas que estão erradas, por fim, sonhando com um mundo puro, ou, pelo menos, com uma narrativa mais coerente que essa, puramente caótica, puramente coração, bombeando sangue de volta, poesia é bombear sangue, poesia é apertar o mundo pelo firmamento e tentar transcendê-lo, mesmo que nunca consigamos. Notei que a vida tem sido pra mim apenas uma sucessão de impossibilidades, e eu murmuro isso enquanto compro uma lata de cerveja com meus três reais restantes, recebendo um "hã" da moça do caixa como resposta e dizendo "nada, desculpa, moça, boa tarde pra você" enquanto vejo que a cerveja não está tão gelada assim. Cerveja quente ao meio-dia, Bukowski estaria orgulhoso, murmuro e lamento e suspiro ao mesmo tempo para o sol abafado aracajuano. Estudantes passam por mim olhando a minha lata mal-segurada de cerveja quente já pela metade, velhas me dão bom dia, homens fumando maconha nas ruas escondidas da cidade me oferecem um trago, um funcionário da minha antiga escola me olha como se eu fosse um bicho que eles estudaram. eu me sento numa rua que eu não sei o nome
  47. eu me sinto sozinho
  48. eu não tenho caminhos pra seguir e nunca ficarei bêbado o suficiente pra ser feliz
  49.  
  50. eu coloco a lata entre os meus pés
  51. chuto de um pé ao outro
  52. a lata rola pelo asfalto impreciso da tarde
  53. os carros passam a vinte por hora por aquela rua esquisita
  54. todos se amontoam pra ver a vítima de um roubo
  55. sinto vontade de vomitar e caminho pra longe da cena enquanto cada vez mais gente se amontoa em cima dela
  56.  
  57. caminho de volta pra casa sem respostas
  58. ouvindo o carro de anúncios me perguntar num volume ridículo se eu quero quarenta ovos
  59. por catorze reais e rindo de minha própria mediocridade, impossibilidade,
  60. rindo quase como se eu pudesse ser feliz.
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