Advertisement
Guest User

Akasha

a guest
Sep 15th, 2014
271
0
Never
Not a member of Pastebin yet? Sign Up, it unlocks many cool features!
text 26.20 KB | None | 0 0
  1. À frente de dezenas de telas que ofuscam a escuridão da sala, se encontra Edgar: responsável pela segurança do QG de mais uma irmandade com fúteis propósitos anarquistas . Desta vez estão arrastando uma suposta "bruxa" para uma cela empoeirada onde a deixarão até que consigam um local para a cerimônia de execução. Na verdade, a dita feiticeira é apenas mais uma consciente que teima em usufruir da mais alta tecnologia disponível numa época não tão avançada. Irônico ou não, Edgar está vendo tais cenas por meio das tecnologias supracitadas.
  2. Tudo isto escrito acima passa pela cabeça desse jovem que ganha pouco mais de trezentos Nodes por mês apenas para olhar telas e ver capitalistas sendo cremados. Mas Edgar não tem do que reclamar. Trezentos Nodes é o suficiente para ele comprar algumas caixas da pior comida instantânea e pagar a maldita conta de luz.
  3. Apesar dos sacrifícios sem motivo dos ditos "irmãos" que insistem em preservar uma natureza a muito perdida por meios mais antigos ainda, alguns jovens ainda se entregam à "rede" como se não houvesse amanhã. Alguns teimam em dizer que havia vida antes de toda essa parafernália ofuscante ligada aos cérebros da juventude. São esses mesmos que explodiram a sede da "primeira rede" em 2075 e deram um prejuízo inimaginável para todo o mundo.
  4. Com isso, alguns voltaram "à ativa" para viver a vida da melhor maneira. Outros preferiram construir uma anárquica e imoral versão do dito "mundo real". Tais projetos culminaram na "segunda rede", ou apenas "rede". Nela, tudo o que existe, existia ou era escondido, submerso em formalidades e moralismo, aparece aos montes. De pornografia infantil à tráfico generalizado, a "rede" foi banida semanas após se instalar no cérebro de quem podia ter acesso.
  5. Com um governo preocupado em construir usinas que supram as luzes da cidade e uma polícia que se encontra mais nas ruas do que na internet, foi uma questão de tempo até a "rede" voltar e trazer consigo cerca de 75 mil usuários.
  6. Os governantes lavaram as mãos diante do caso. Não oficialmente, claro. Eles sabem que existem e sabem que podem deter, mas sabem que sempre voltará, então preferem evitar a fadiga à derrubar um mundo virtual. Nisso entram as irmandades: jovens da classe alta que acham que fazem justiça cremando pedófilos e traficantes meia-boca que utilizam publicamente a "rede".
  7. Voltando ao Edgar, o encontramos deixando seu período de trabalho às 4h da manhã. Ele pega um casaco velho com um capuz felpudo para o cobrir da fria garoa que cai incessantemente nessa cidade de amplos prédios e luminosos colossais.
  8. O jovem desce por uma não tão longa escada rolante que dá acesso ao metrô, que parece ser o único meio de transporte efetivo para os "menos favorecidos". Chegando em frente aos trilhos, repara-se numa garota pálida com bagunçados cabelos pretos. As olheiras denunciam as várias madrugadas que a jovem deve ter virado sem dormir. Os olhos azuis se mexem sem parar. Ela lê um e-book pelo seu "w-opt".
  9. O conceito de "w-opt" seria uma lente de contato ligada à um microchip conectado á mente e visão do usuário. O mesmo pode se conectar tanto a internet como também a "rede". Curiosamente não é difícil notar quem usa tal aparelho, pois o olho com o w-opt emana um brilho "da cor que o usuário quer" e é simples ver a órbita se mexendo de um lado para o outro com certo interesse num ambiente onde nada interessante se encontra.
  10. O metrô se aproxima e para. Abre as portas já vandalizadas e acolhe os poucos passageiros da estação num vagão frio com uma iluminação defeituosa.
  11. Enquanto o veículo cruza a cidade pelo subterrâneo, a atenção de Edgar se volta para a jovem, que entrou no mesmo vagão. É como uma crônica diária você entrar nesses vagões e se deparar com um rosto bonito sem nome que partirá algumas estações depois. Pois bem. Edgar se encontra protagonizando mais uma dessas crônicas clichês que fazem parte do cotidiano desse virgem.
  12. A garota segue sem dar nenhuma atenção ao redor. Chegando na estação do distrito A-3;K-8 ela se levanta do assento mal cuidado e sai pela mesma porta em que entrou. Edgar se atenta ao mapa das estações/linha pela qual o metrô circulava. Curiosamente, a representação do distrito A-3;K-8 ou "Akasha", como os mais desinibidos chama, encontrava-se vandalizada com um coração feito por um marcador preto.
  13. Coincidência ou não, Edgar resolveu esquecer isso. A viagem segue até a parada final do metrô: Distrito H-1;T-7. Um dos poucos lugares sem uma nomenclatura "popular". Apenas "h1t7". Edgar sai do vagão e sobre o lance de escadas onde, de um lado um mendigo encontra-se caído bêbado. Pouco mais acima, à direita, um casal se encontra aos beijos.
  14. -São 4h30 da manhã. Quem diabos fica se beijando no frio a essa hora? - Pensa o garoto.
  15. Nisso o lance de escadas acaba. A garoa afinou a ponto de não se sentir, mas ela fica visível no contraste dos postes da iluminação pública.
  16. Seguindo por quatro ou cinco ruas, Edgar chega ao prédio onde mora. Um aglomerado de pessoas rudes que nem se dão ao trabalho de por o lixo para fora. Os pais dele deixaram o "apartamento" assim que se mudaram para um distrito "esteticamente melhor". O motivo da mudança veio da irmã de Edgar ter sido aceita numa das melhores faculdades do país. Coisa inalcançável para nosso protagonista que mal conseguiu terminar a escola. Mas Edgar não é burro. Muito pelo contrário. É um gênio para coisas de seu interesse. Um dos clássicos feitos dele é ser um dos principais fornecedores de pornografia infantil para toda a "rede".
  17. Sim. Apesar de trabalhar para uma irmandade que abomina usuários dessa "ferramenta", Edgar se dispõe à entregar toneladas de material ilegal à troco das chamadas "bit-nodes".
  18. "Bit-nodes" é uma moeda que só pode ser usada dentro da "rede". Já que a economia "real" seria afetada com o conteúdo vendido por lá, os usuários decidiram criar sua própria moeda.
  19. Assim o dia se passa. Num canto escuro do apartamento de dois cômodos, plugado à um óculos e emanando euforia, Edgar aproveita as horas qual deveria estar dormindo para conseguir algum dinheiro virtual e gastar com jogos e mais conteúdo ilegal para sua coleção. Ao que parece, Edgar não é um pedófilo. Assim como um traficante de drogas não precisa ser um viciado, um traficante de conteúdo ilegal não precisa usufruir desse mesmo conteúdo.
  20. Aproveitando de um resto de seu maço de cigarros e o último gole de seu Codeght-oun, Edgar cai no sono.
  21. Codeght-oun, ou apenas "CD-O" é uma bebida popular nos anos atuais vendida ilegalmente. É uma mistura de codeína com diversos outros remédios e bebidas. É vendido numa garrafa arredondada e apresenta uma cor lilás. Ninguém nunca se interessou em divulgar o que colocam nessa bebida. Um dos efeitos principais é "dormir bem por pouco tempo", onde você desmaia por duas ou três horas e acorda totalmente disposto.
  22. Às 5h da tarde Edgar se acorda. Apesar das dores por ter dormido de mau jeito ele está mentalmente ótimo. Ao tirar o capacete e acender a luz ele se espanta com a quantidade de lixo e roupa suja acumulada no local. Ele dá uma breve organizada nas roupas e as coloca na velha máquina de lavar, que apesar de horrivelmente mal cuidada ainda funciona. Edgar junta o lixo num saco e o joga pela janela num beco onde todo tipo de coisa é largado. Alguém sempre reclama do cheiro e acaba chamando a prefeitura, que limpa o beco todo. É mais prático jogar pela janela do que descer e colocar o lixo na caçamba do outro lado da rua.
  23. No meio do lixo, Edgar achou uma arma. Ela foi o motivo dele ter entrado pela primeira vez na "rede". Dois anos após ter desistido da escola e dois dias depois de seus pais terem se mudado com a gloriosa irmã, a mente do jovem começou a se voltar contra muitas coisas. A ideia principal era comprar uma arma, entrar na escola e abrir fogo contra alguns ex-professores e quem sabe algum garotinho conhecido que tivesse crescido e pronto para se formar. Depois disso, o suicídio.
  24. O plano adormeceu na mente de Edgar após a compra da arma e da munição. A Colt Python tinha ressurgido após a "limpeza" da bagunça do lar, junto com os planos. Mas Edgar achou besteira e infantilidade tal ideia. Jogou a arma no velho sofá e foi se arrumar para o trabalho. Pegou o casaco e colocou o tênis. Estava para sair. Conferiu o cartão do metrô e as chaves. Pensou por dois segundos e voltou. Pegou o revólver e o guardou num bolso do casaco que parecia perfeitamente feito para abrigar uma arma. E realmente tinha sido feito para tal propósito. Edgar saiu. Desceu pelo elevador e deixou o prédio. Atravessou a rua encarando um mendigo encostado na anteriormente dita caçamba de lixo. Os olhares de Edgar para esse tipo de sujeito refletem o que seus pais provavelmente acham que seu filho tenha se tornado.
  25. Chegando no edifício abandonado onde a cerimônia de execução de uma outra bruxa seria realizada, Edgar se sentiu um pouco descontente. Ele estava começando a tomar raiva da rotina que antes poderia ser descrita apenas como "entediante".
  26. No prédio, trancada nas salas haviam antes duas ou três pessoas aleatórias que foram descobertas usando a "rede". Muitas vezes os próprios irmãos se conectavam para pegar endereço de usuários. Irônico ou não, fazia sentido para eles.
  27. Após três horas sozinho, sentado, Edgar se deu conta de que ninguém apareceria. Prestou atenção no maldito computador na qual estava jogando antes e percebeu que era Sábado. Ora essa, ele não trabalhava aos sábados e as cerimônias eram na sexta-feira.
  28. O "CD-O" não fez o efeito desejado e Edgar passou a sexta desmaiado. A irmandade estava jogando tênis ou apostando em lutas com seus pais ricos e nosso jovem estava lá, sozinho por um engano tosco.
  29. Tanto faz.
  30. Desligou o computador, pegou o casaco e se dirigiu à saída. Após o quarto ou quinto passo uma vontade de explorar o local se desenvolveu na mente do garoto. Tantas idas e vindas daquele antro escuro e ele só o conhecia pela tela dos computadores da sala de vigia.
  31. Pois bem. O vento frio que soprava pelos corredores e a iluminação precária azul que piscava sem parar impressionavam. Edgar se dirigiu para a sala onde os prisioneiros aguardavam pela morte. Provavelmente os dois que se encontravam lá já foram executados na sexta-feira. Com um pouco de sorte haveria alguma peça de roupa deixada para trás no dia anterior, o que seria algo interessante para nosso protagonista.
  32. Chegando em frente a sala, Edgar limpou o vidro blindado então empoeirado. A luz havia apagado. Após alguns segundos, a escuridão foi dissipada pela volta da iluminação, que trouxe consigo a visão de uma garota encolhida num dos quatro cantos da sala isolada. Era a tal "bruxa" que aparece no primeiro parágrafo desse escrito. Edgar aproximou-se do vidro para admirar mais a jovem, que estava inquieta. Tremia. Se encontrava com a cabeça baixa, apoiada nos joelhos trêmulos. Os longos cabelos tingidos de vermelho caídos sobre seu corpo davam à cena uma beleza incrível.
  33. Edgar deixou-se admirar por certo tempo. Tal admiração resultou num espanto quando a jovem notou a presença de outra pessoa no recinto e olhou diretamente para Edgar. Os olhos azuis reluziam na pouca iluminação da sala. A pupila encontrava-se extremamente contraída e as olheiras demonstravam um claro sinal da falta de sono. Ela claramente estava sendo impedida de nutrir certo vício, que logicamente seria a "rede". A expressão criava um misto de beleza e afeição juntamente com a grotesquidade da cena. O olhar mútuo seguiu por um minuto ou mais.
  34. Na mente de Edgar se passavam mil coisas. Dentre elas, a oportunidade de conhecer uma garota. Ele já contava exatos 3 anos sem falar com o sexo oposto fora do mundo virtual. Sexo ou beijos eram coisas já descartadas do pensamento futuro.
  35. Ele queria dizer algo, mas o tempo sem exercitar as cordas vocais fez certo estrago. Um pingo de suor caiu no chão vazio do local. As luzes que piscavam incessantemente deram uma trégua e se mantiveram constantes nesse tempo. O garoto pensou em uma atitude.
  36. A respiração de Edgar de encontro com o vidro o deu um local para escrever um "olá" à garota, que mau o conseguiu ler. Ela tentou se levantar, mas desistiu. Arrastou-se até um móvel e tentou o feito novamente. Cambaleou um pouco ao ficar de pé e se escorou na parede. Chegou ao dizer e logicamente à Edgar. Leu o escrito e esboçou um sorriso. Balançou a mão trêmula num comprimento. Os olhos cansados de Edgar brilham perante a aceitação.
  37. Ele corre até a porta, num gesto da mais pura inocência. Suas digitais e retina a abrem e ele adentra a sala gélida. Após alguns segundos, Edgar percebe a tolice que está realizando e começa a suar frio.
  38. A garota continua no vidro. O olhar se guia à Edgar. Em passos tortos ela segue de encontro ao garoto.
  39. Criar amizade com o inimigo de quem deposita seu dinheiro sem esperar mais dinheiro em troca não é a coisa mais comum de se acontecer. Edgar sabia que tudo poderia acabar com ele sendo cremado junto a bruxa, mas a possibilidade de falar com uma garota após tanto tempo falava mais alto.
  40. Após muito gaguejar, Edgar consegue soltar um "oi" tímido e baixo. A vergonha após o dito é clara.
  41. -Oi - Responde a garota.
  42. Ela esboça um sorriso inocente que mais parecia uma grande falsidade. Falso ou não, a resposta já foi um enorme avanço na socialização do garoto.
  43. O silêncio cobriu o local. Ouvia-se o vento uivar passando pelas frestas do velho prédio. A calma do lugar contrastava com a turbulência qual se encontrava a mente do garoto. A situação estava calma e provavelmente seria simples para qualquer outro sujeito com qualquer habilidade social, coisa que Edgar claramente não tem.
  44. Ele abaixou a cabeça, mas foi forçado a olhar para a garota quando a mesma disse, num tom menos inocente:
  45. -Então, garoto. Você vai me tirar daqui? Será meu herói?
  46. Espantosamente ela puxou um assunto. As outras fêmeas que passaram pela vida do nosso protagonista sempre evitaram dar qualquer segmento à conversação. Mas o contexto da frase não o deu um ar de vitória. Após uma risada forçada, Edgar soltou, frio e timidamente:
  47. -Não. Talvez, se você pagasse meu salário...
  48. A gaguice e voz baixa deixaram a fala menos imponente, mas mesmo assim o jovem se sentiu bem com a resposta e esboçou um sorriso no rosto caído. Finalmente estava levando uma conversa. Tal feito não se dava há tempos! Mas nada soava como "mais um degrau na escada para sociabilidade".
  49. Dessa vez, num tom sério, a ruiva disse:
  50. - Mudando um pouco a pergunta... O que você quer pra me tirar daqui?
  51. Edgar se espantou. Palpitou um pouco. Olhou para os lados, ainda com a cabeça abaixada. Não cogitou pedir dinheiro ou algo do tipo. Nem deu qualquer interesse em quaisquer outras coisas.
  52. Sexo? Algo que claramente Edgar não alcançaria. Ou ao menos não sem pagar. Mas pagar por algo do tipo era considerado como uma "aceitação da falha". Ser tão inapto ao ponto de ter que pagar para ter certa coisa que muitas distribuem gratuitamente por aí? Era algo que não caía bem aos olhos de Edgar. Ironicamente a única diferença entre prostituição e aquilo que poderia estar prestes a ocorrer era a forma de pagamento.
  53. Outro ponto considerável era a rejeição, que provavelmente seria dada. Por quais motivos Edgar nunca beijou uma garota? Medo de arriscar? Sim. Edgar nunca pediu um beijo, claramente não ganhou. Sei que a atitude poderia ser tomada pela outra parte, ou seja, pelas dezenas de pequenas paixões que nosso garoto teve, mas digamos que Edgar nunca foi o tipo de pessoa que faz correr as fichas num jogo de pôquer.
  54. Apesar desse histórico, Edgar resolveu arriscar a moral e dignidade que ele já não tinha propondo a oferta:
  55. -Sexo...
  56. A curta, ou melhor, direta frase que quase não saiu da boca de Edgar, precedeu um minuto de silêncio. Nesse tempo, o garoto se manteve com a cabeça baixa e sem tentar algum contato visual com a garota que estava a sua frente. A vergonha cobria sua mente. Apesar disso, Edgar se sentiu bem apresentando tal proposta.
  57. Cansado de esperar a resposta negativa de cabeça baixa, Edgar resolveu subir o olhar para a ruiva que, para sua surpresa, encontrava se despindo.
  58.  
  59. ~cena de sexo qual não sei descrever~
  60.  
  61. O rápido momento de prazer chegou ao fim. Tal ato não mais parecia tão desesperador e necessário para Edgar. A ruiva se afastou com as pernas já firmes e se dirigiu ao canto onde tinha jogado suas vestes. Nosso protagonista ficou estático, com pensamento e corpo imóveis.
  62. A garota se vestiu, deu uma vasculhada no local para conferir se não estava deixando nada para trás e partiu em passos largos para a porta, então fechada.
  63. -Pode abrir aqui? - Disse ela.
  64. Edgar caminhou até a porta e a abriu. A garota deu dois passos, se virou e disse:
  65. - Nos vemos qualquer dia. Até.
  66. E seguiu rapidamente procurando a saída.
  67. Edgar continuava com uma expressão incrivelmente desgustante. A mesma sensação qual quando você, após se masturbar para quaisquer grotesquidade repara que, após o ápice do ato, o material não é nem um pouco estimulante quanto antes. Essa depressão pós-masturbação era algo normal para Edgar. Depressão pós-sexo era algo então inexplorado.
  68. Minutos após sua estaticidade depressiva, o garoto realizou a grande asneira que tinha efetuado. O que ele diria para os irmãos quando os mesmos voltassem ao prédio e não encontrassem a condenada contorcida de fome e falta de entretenimento?
  69. Edgar subiu ao último andar, que constituia em uma grande janela quebrada e uma sala que era apenas iluminada pelas luzes ofuscantes da cidade à vista. Um grande holograma com o noticiário local dava a morte de um dos chefes da maior empresa ligada ao armamento: a Godai. Daisuke Kanazawa tinha sido assassinado por um desconhecido portando uma Godai - 247.
  70. Godai - 247 é uma arma popular nessa época. Ela é uma pistola pequena e extremamente silenciosa. Combinado com o barulho da cidade, é perfeita para você matar um sujeito aleatório e se misturar na multidão, que nem terá notado o que aconteceu com o fulano caído no meio-fio.
  71. Era um fato interessante para Edgar. O pai de um dos membros da irmandade era o parceiro de Daisuke no comando da empresa: Golias Bertolli. Com a morte do companheiro, que era um solteirão sem filhos, Golias ficava com a posse da empresa para si, e provavelmente levaria o filho para lá. Seria uma chance de Edgar entrar numa grande empresa num ramo que ele dominava, no caso armamentos. A oportunidade tinha aparecido justamente quando ele se encontrava matutando a imbecilidade que o levaria a uma provável execução.
  72. Ali estava, com o reflexo da capital iluminando seu canto escuro. Edgar lembrou-se da arma que trouxera consigo. Suicídio é a coisa mais comum e provavelmente ele já tinha acabado com sua vida muito antes daquilo. Só estaria "concluindo o final", que já tinha iniciado há um bom tempo.
  73. Edgar tirou o revólver do casaco. Observou-o como jamais tinha observado algo. A arma, então negra, tornava-se reluzente na mente do garoto. Era a materialização de uma luz no fim do túnel.
  74. Não pareceu algo muito válido. Resolveu guardar a arma de volta no casaco.
  75. Suicídio era algo tosco e comum. A vontade que tinha de morrer sendo finalmente notado por alguém era maior do que um tiro quieto no alto de um edifício abandonado. O senso de "clichê" livrava-o de uma decisão então estúpida.
  76. Com uma brisa fria entrando pelo enorme buraco na janela, Edgar resolveu voltar para a casa. Saiu do lugar com a mente vazia. Calma. Pacífica. Coisas que, até o momento eram difíceis de serem conseguidas naquela mente perturbada e depressiva.
  77. Pegou o trem. Seguiu pelos becos. Chegou em casa.
  78. Mais incomum que a calmaria que jazia na cabeça foi a renúncia a todo meio de se conectar. Não algo forçado, como um ex-viciado recusando drogas com os olhos sedentos. Edgar passou pela sala e entrou no banheiro. Lavou seu rosto e se olhou no espelho após muito tempo sem o fazer. Se viu como um ser não tão medonho quanto sua cabeça o imaginava.
  79. Saindo de lá, passou diretamente pelos óculos quais usava para se conectar e foi direto para o sofá. Tirou a Colt Python e a jogou num canto qualquer. Tirou seu casaco e o amontoou na tentativa de fazer algo para reclinar sua cabeça. Naquele sofá velho e mofado ele se deitou e dormiu.
  80. O domingo se passou e Edgar tinha se afastado da "rede". Essa abstinência faria mal quando o mesmo se expusesse ao tédio, então dormir era a solução para a situação. Foi assim pelo final de semana, até que na tarde de segunda feira algo aconteceu.
  81. Edgar acorda com a porta sendo esmurrada. Ele se senta no sofá e espera alguns segundos até sua visão desembaçar o suficiente para enxergar ao redor. Refletiu um pouco sobre quem iria o chamar com tanta violência. A probabilidade da polícia bater na porta investigando o compartilhamento de conteúdo ilegal era quase nula. Ele se levantou para abrir a porta. Ao abri-la, o garoto se recordou dos atos de sábado.
  82. Em frente estavam Marco e Alex, que faziam parte da irmandade. Alex era líder e filho do chefe da Godai. Era o tipo de burguês franzino. Era bem arrumado e sempre andava com um w-opt. Marco era o tipo de idiota que seguia a turma popular na escola para não ficar recluso. Ele obedecia cegamente tudo o que Alex dizia e, por ser grande (e gordo) era quem "tomava conta" das bruxas-alvo. Provavelmente era quem estava socando a porta.
  83. Percebendo tudo, Edgar sorriu como nunca tinha feito antes. Claramente a irmandade faria uma cerimônia de execução para o traidor que, mesmo não sendo parte das festinhas e saideiras da turminha de ricos, será considerado um "da turma" apenas para ser chamado de Judas.
  84. Marco partiu para cima de Edgar, que aceitou os socos. Após ser derrubado no chão levou alguns chutes. Alex parou a balbúrdia e ordenou à Marco que amarrasse e levasse Edgar para o carro.
  85. Sem resistir, Edgar foi amarrado e carregado até uma Fiorde, onde foi jogado na parte de trás.
  86. Fiorde é um veículo semelhante à uma van, porém de alta classe.
  87. Edgar se viu trancado com o veículo cruzando as ruas com total imprudência. Nesse tempo, a relação com a bruxa passava incessantemente pela cabeça do garoto.
  88. - Ao menos valeu à pena - pensava ele - Ao menos não morrerei virgem.
  89. Tais palavras podiam soar como banais para qualquer pessoa normal, mas para um garoto cuja vida tinha saído do controle há algum tempo, conseguir tirar algum proveito da situação que o levaria à morte era algo ótimo.
  90. As portas da Fiorde se abriram e Edgar foi trazido pra fora do veículo por Marco, que o jogou no chão sujo e frio do local. Um salão grande, cujas vozes ecoavam passando pelos adornos e estátuas. Tal efeito era imensamente lindo, pois Edgar apenas o tinha visto pela tela do computador da sala de vigilância.
  91. Antes de acabar a admiração pelo recinto, o garoto foi jogado e preso num adorno em forma de cruz. Tal adorno era feito de ferro, ligado à um circuito que o esquentaria e torturaria o culpado até o mesmo morrer. Era cruel, mas divertia a irmandade.
  92. Antes de ligar toda a parafernalha, Alex se dirigiu ao altar no centro da sala e deu início ao julgamento e culto da morte de seu ex-empregado. Ele estende um pequeno controle e liga uma caixa de som disposta ao lado de uma forma mais "pop" da Vênus de Milo.
  93. O som ecoa. Uma versão de Toccata & Fugue refeita com um instrumental moderno e robótico se espalha pelos quatro cantos do salão. Uma grande quantidade de neons acenderam na parede principal formando um abstracionismo semelhante à um vitral de certas igrejas antigas que já sucumbiram ao descrer da juventude.
  94. Alex começou a balbuciar palavras num tom culto até demais. Edgar ainda se pasmava com o ambiente criado. Os outros membros se encontravam de pé em frente ao altar, ouvindo e aclamando os ditos de seu líder:
  95. -Irmãos! Entre inúmeras maneiras de prazer e lazer existentes em nosso já apodrecido mundo, o réu aqui disposto se entregou à "tormenta". Eis que aqui daremos um final honroso à sua vida decrépita!
  96. Alex tirou do altar um artigo semelhante a uma arma de eletrochoque. Tal patente era carinhosamente denominada Tesla e seria um dos brinquedos favoritos dessa corja.
  97. Tesla é uma variação de uma arma de eletrochoque que tem um poder incomparavelmente maior. Quando aplicado diretamente em algo ou alguém, a mesma emite uma alta potência que, em certos casos, se o alvo for orgânico, queima e corta a área atingida. Em suma, seria como aplicar magma na vítima.
  98. Marco ligou a cruz onde Edgar se encontrava cativo, que começou a esquentar. Alex se dirigiu para aplicar a punição com a Tesla. O mesmo começou com choques regulados no aparelho. A cada golpe elétrico ele sussurrava uma espécie de mantra.
  99. Edgar se encontrava preso no aparato de puro ferro que encontrava-se esquentando cada vez mais. Era uma tortura que começava a irritar até mesmo uma pessoa de tamanha calma e paciência. O calor que subia pela cruz e os choques que aumentavam de voltagem gradativamente, a música clássica feita por instrumentos que contrastavam totalmente com a erudição da mesma faziam a cena ser uma espécie de objetificação de sentimentos como cólera e aversão.
  100. A cruz já cozia Edgar. A voltagem dos ataques elétricos já não eram mais tão sentidas. A fadiga e noção de Alex se voltaram à isso e ele resolveu adiantar a tortura. Deixou a Tesla aplicar seu mais livre poder. Segurou a arma com as duas mãos quentes, engajou seus braços num gesto forte, porém melancólico, e consumou um corte direto no fraco bíceps esquerdo de Edgar, que caiu para o lado direito da cruz pela falta de um braço antes preso ao aparato.
  101. A carne estalava. O braço solto preso à cruz fumaçava e Edgar se encontrava mordendo o lábio fortemente para tentar aliviar a dor. Normalmente a gritaria era incensante nas sessões de tortura aplicadas pela irmandade, mas as cordas vocais preguiçosas de Edgar não exerciam mais tal trabalho.
  102. O relógio bateu 3 horas da madrugada. O garoto contorcido na cruz tremia. Alex e os outros ainda se mantinham impressionados com o último ataque.
  103. Sentiu-se uma fria brisa correndo o quente salão. Um estrondo ressoou pelo alto teto e pelo resto do aposento. A irmandade despertou do transe em que se encontravam e notaram que uma bomba explodiu metade da parede esquerda.
Advertisement
Add Comment
Please, Sign In to add comment
Advertisement